Comer demais e compulsão alimentar não são a mesma coisa. Entenda a diferença, aprenda a identificar os sintomas e descubra as causas e tratamentos para o transtorno.
Quem nunca exagerou em uma refeição cheia de guloseimas e depois se arrependeu? Esse tipo de excesso ocasional faz parte da vida e, na maioria das vezes, não passa de um deslize. Mas quando o ato de comer em excesso se torna frequente, incontrolável e acompanhado de sofrimento emocional, pode ser sinal de um problema sério: o transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP).
Reconhecido oficialmente como um transtorno mental desde 2013, o TCAP atinge milhões de pessoas no mundo inteiro e pode afetar a saúde física e emocional. Entender os sintomas, as diferenças em relação ao simples “comer demais” e os caminhos para buscar ajuda é essencial para quem sofre com o problema ou convive com alguém nessa situação.
O que é compulsão alimentar?
A compulsão alimentar é um transtorno caracterizado por episódios recorrentes de ingestão exagerada de alimentos, acompanhados da sensação de perda de controle. Ou seja, a pessoa come em grande quantidade mesmo sem fome, não consegue parar e, geralmente, sente culpa ou vergonha depois.
“A principal característica de quem sobre com esse problema é que a pessoa não consegue evitar comer, nem parar depois que começou”, explica a Dra. Eva Conceição, pesquisadora em Psicologia da Universidade do Minho, em Portugal. "Isso significa que não se trata apenas de 'força de vontade' ou de um hábito ruim: o transtorno envolve fatores biológicos, psicológicos e sociais que exigem atenção médica especializada."
O distúrbio é reconhecido pela Associação Psiquiátrica Americana desde 2013, quando passou a integrar o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). E diferente de outros transtornos alimentares, como a bulimia, na compulsão alimentar não há comportamentos compensatórios, como provocar vômitos ou usar laxantes.
Diferença entre comer demais e transtorno
Exagerar em uma festa, em um rodízio ou em um almoço de família é algo comum e, na maioria das vezes, não representa um problema de saúde. Já no transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP), a situação é bem diferente: o comportamento é frequente, incontrolável e traz sofrimento emocional.
Para diferenciar um excesso eventual da compulsão alimentar, os médicos seguem critérios estabelecidos pelo DSM-5, usados no mundo todo. De acordo com o manual, o diagnóstico do transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP) exige a presença de episódios recorrentes, que acontecem em média pelo menos uma vez por semana durante três meses. Os sinais mais comuns do transtorno são:
- Comer grandes quantidades de comida em pouco tempo.
- Sentir que perdeu o controle durante o episódio.
- Continuar comendo mesmo sem estar com fome.
- Comer rapidamente, até sentir desconforto físico.
- Fazer refeições sozinho, para esconder o comportamento.
- Sentir culpa, tristeza ou vergonha depois de comer demais.
É importante destacar que o peso corporal por si só não define o diagnóstico. Embora muitos pacientes com compulsão alimentar tenham excesso de peso, nem todas as pessoas obesas sofrem do transtorno e nem todo compulsivo é obeso.
Principais diferenças entre comer demais e compulsão alimentar:
- Frequência: enquanto o excesso alimentar acontece de forma esporádica, o TCAP se repete pelo menos uma vez por semana, durante três meses seguidos.
- Controle: no TCAP, a pessoa sente que não consegue parar de comer, mesmo estando saciada.
- Sentimentos associados: episódios de compulsão costumam vir acompanhados de culpa, vergonha, ansiedade ou isolamento social.
- Comportamento: quem sofre do transtorno muitas vezes come escondido, de forma rápida e em grandes quantidades.
De acordo com psicólogos, se os episódios de excesso alimentar são frequentes, trazem angústia e afetam a qualidade de vida, pode ser sinal de TCAP e é fundamental procurar ajuda médica.
Quais as causas da compulsão alimentar?
Ainda não existe uma causa única para explicar a compulsão alimentar. Os especialistas acreditam que o transtorno surge da combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais.
De acordo com os psiquiatras Evelyn Attia e B. Timothy Walsh, ambos especialistas em transtornos alimentares, aproximadamente 3,5% das mulheres e 2% dos homens sofrem com TCAP. Mas, segundo os especialsitas, a compulsão alimentar se torna ainda mais comum com o aumento do peso.
Principais fatores de risco de compulsão alimentar:
- Genética e herança familiar: pessoas com histórico de transtornos alimentares, depressão ou dependência química podem ter maior predisposição.
- Questões emocionais: ansiedade, estresse, depressão e baixa autoestima estão frequentemente associados aos episódios compulsivos.
- Dietas muito restritivas: pular refeições ou seguir regimes rígidos pode aumentar a chance de episódios de compulsão.
- Ambiente social e cultural: pressão estética, bullying e relacionamentos abusivos podem intensificar o problema.
- Eventos recentes: estudos mostram que o isolamento social e o estresse da pandemia de COVID-19 aumentaram a incidência de transtornos alimentares no mundo.
Em muitos casos, esses fatores se sobrepõem como, por exemplo, alguém geneticamente predisposto pode desenvolver o transtorno ao enfrentar períodos de forte estresse emocional ou pressões sociais.
Como a compulsão alimentar afeta a saúde e quais são os tratamentos
Como explicamos acima, o transtorno da compulsão alimentar não afeta apenas a relação da pessoa com a comida; ele pode trazer sérios impactos para a saúde física e emocional. Do ponto de vista físico, o consumo excessivo e frequente de alimentos aumenta as chances de desenvolver obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e colesterol elevado, todos eles fatores de risco importantes para doenças cardiovasculares. Além disso, o organismo pode sofrer com problemas gastrointestinais, como refluxo, má digestão e desconforto abdominal recorrente.
No campo emocional, as consequências também são marcantes. É comum que quem sofre com compulsão alimentar enfrente baixa autoestima, sentimentos de fracasso e dificuldade em lidar com a própria imagem corporal. O transtorno costuma estar associado a quadros de ansiedade e depressão e, em muitos casos, leva ao isolamento social, já que a pessoa prefere evitar situações em que precisaria comer na frente de outras pessoas. Esse ciclo de vergonha e culpa, por sua vez, pode alimentar novos episódios compulsivos, tornando o problema ainda mais difícil de controlar sem apoio profissional.
O tratamento para a compulsão alimentar geralmente é feito por uma equipe multidisciplinar, envolvendo médicos, psicólogos e nutricionistas. Entre as abordagens mais eficazes está a psicoterapia, especialmente a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que ajuda o paciente a identificar gatilhos emocionais, modificar padrões de pensamento e desenvolver estratégias mais saudáveis para lidar com a ansiedade e o estresse. Outras terapias, como a interpessoal e a baseada em mindfulness, também têm demonstrado bons resultados.
Em alguns casos, o psiquiatra pode indicar o uso de medicamentos. Antidepressivos e estabilizadores de humor são prescritos de forma off-label (quando usados para um fim diferente do que consta na bula), e, em 2015, a substância lisdexanfetamina (conhecida pelo nome comercial Venvanse) foi aprovada nos Estados Unidos para o tratamento específico da compulsão alimentar. É importante, no entanto, ressaltar que esse não é um “remédio para emagrecer”, mas sim uma ferramenta terapêutica que deve ser utilizada apenas sob orientação médica.
Além da terapia e dos medicamentos, mudanças de hábitos fazem parte do processo de tratamento. Manter uma alimentação equilibrada, praticar atividades físicas prazerosas e buscar estratégias de autocuidado são passos que, quando aliados ao acompanhamento profissional, contribuem para o controle dos episódios e para a melhora da qualidade de vida.
Como lidar no dia a dia
Conviver com a compulsão alimentar pode ser desafiador, mas algumas estratégias ajudam a reduzir os episódios e a recuperar o equilíbrio. O primeiro passo é manter uma rotina alimentar organizada, com horários regulares para as refeições. Isso evita longos períodos de jejum, que costumam aumentar a vontade de comer em excesso. Também é importante adotar uma alimentação variada e nutritiva, sem recorrer a dietas extremamente restritivas, já que elas podem desencadear ainda mais compulsão.
Outro ponto essencial é incluir atividades físicas no cotidiano. Não é necessário começar com exercícios intensos: caminhadas, dança ou práticas que tragam prazer já contribuem para aliviar o estresse e melhorar o bem-estar. Técnicas de respiração, meditação e mindfulness também podem ajudar a controlar a ansiedade, que muitas vezes é um gatilho para os episódios compulsivos.
Por fim, ter uma rede de apoio faz diferença. Conversar com familiares, amigos ou participar de grupos de pessoas que enfrentam o mesmo desafio pode trazer acolhimento e motivação para seguir no processo de tratamento.
Mesmo com essas estratégias, é importante lembrar que elas não substituem a orientação de um profissional de saúde. O acompanhamento médico e psicológico continua sendo o caminho mais seguro para enfrentar a compulsão alimentar.
A compulsão alimentar é um transtorno sério, que vai muito além do simples hábito de comer em excesso. Reconhecer os sinais, entender as consequências e buscar ajuda profissional são passos fundamentais para retomar o equilíbrio e a qualidade de vida.
O diagnóstico e o tratamento do transtorno da compulsão alimentar devem ser feitos por profissionais especializados, como psiquiatras, psicólogos e nutricionistas. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece atendimento em unidades básicas e nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que contam com equipes multidisciplinares. Além disso, associações de apoio a pessoas com transtornos alimentares podem oferecer grupos de acolhimento e orientação.
É importante lembrar que procurar ajuda não é motivo de vergonha e que a TCAP não é um problema de falta de força de vontade, mas uma condição de saúde que merece atenção, cuidado e tratamento adequado.
Se você ou alguém próximo apresenta sintomas de compulsão alimentar, saiba que não está sozinho. Existem caminhos possíveis para o controle do transtorno, e com acompanhamento médico, apoio psicológico e mudanças no estilo de vida, é possível recuperar a autoestima e construir uma relação mais saudável com a comida.