Novos estudos revolucionários mostram como controlar e até reverter o diabetes é possível e pode ser mais simples do que imaginávamos.
Quando começou a sentir fome e sede incomuns, o redator Michael Trailovici, de Stuttgart, na Alemanha, com 42 anos, não imaginou que esses poderiam ser sintomas de uma doença, muito menos de uma doença grave. Portanto, não procurou o médico. Isso foi em 1997. Hoje, Michael, com 65 anos, é um dos cerca de 60 milhões de europeus com diabetes tipo 2 (no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, são 12 milhões). A doença é tão generalizada que a Organização Mundial da Saúde (OMS) a classifica como “epidemia”.
Deixado sem tratamento ou descontrolado, o diabetes tipo 2 pode ter consequências arrasadoras, como lesões nos vasos sanguíneos, no coração, no fígado, nos rins e nos olhos. Pode aumentar o risco de doença de Alzheimer. Pode causar amputações e até morte.
Mas há esperança. Os especialistas atribuem o alto número de casos de diabetes tipo 2 e seu rápido crescimento principalmente à alimentação moderna. Isso significa que, em geral, a doença e sua gravidade estão sob nosso controle. Pesquisas recentes constataram que, apenas cuidando da alimentação e do estilo de vida, esse número pode ser reduzido e os casos futuros podem ser prevenidos. Em algumas situações, talvez consigamos até forçar a doença a entrar em remissão.
Eis as pesquisas mais recentes sobre alimentação e diabetes tipo 2. Há algumas providências que você pode tomar a fim de reduzir a probabilidade de desenvolver a doença e, se já teve o diagnóstico, a manter o controle.
O que acontece
Tudo começa com o açúcar. As células do corpo todo o utilizam sob a forma de glicose como combustível. Mas, para passar pela membrana celular, a glicose precisa de uma “chave”. Essa chave é a insulina.
O corpo de quem tem diabetes tipo 2 produz insulina suficiente, pelo menos no começo (ao contrário do diabetes tipo 1, em que o pâncreas deixa, total ou parcialmente, de produzir esse hormônio). Mas, embora produza insulina, o corpo “resiste” a usá-la. A chave da insulina não funciona. As células têm dificuldade de reconhecer esse hormônio e resistem ao chamado para se abrir.
Como não consegue entrar onde é necessária, a glicose fica circulando no sangue, servindo de agente inflamatório e causando danos de forma lenta e insistente.
Como posso ter diabetes?
Embora a princípio ignorasse o aumento da fome e da sede, algumas semanas depois Michael começou a ficar tonto e decidiu procurar o médico. Diagnóstico: diabetes tipo 2. E era um caso grave. A glicemia, medida depois de jejuar a noite toda, estava acima de 300 mg/dl (o nível normal em jejum fica abaixo de 100 mg/dl). Sem tratamento, com o tempo essa quantidade de glicose no sangue criaria o caos em seu corpo. O médico o internou imediatamente para receber insulina, tratamento injetável para casos avançados.
O caso de Michael é clássico. Como os sintomas eram sutis, ele os desdenhou. Além de fome e sede, os primeiros sintomas podem ser fadiga, emagrecimento, vontade frequente de urinar, visão embaçada. E às vezes não há sintoma nenhum.
Porque os sintomas frequentemente não são alarmantes, explica a Dra. Rozalina McCoy, da Clínica Mayo, em Rochester, no estado americano de Minnesota, os mais jovens geralmente os ignoram. Mas os danos prosseguem lentamente.
O diagnóstico chocou Michael. No entanto, ele logo descobriu que sua alimentação, que incluía muitos doces, pão branco e industrializados, não era saudável. Ele não percebera que seu estilo de vida o estava expondo a tamanho perigo.
“Em geral, os mais jovens controlam mal a glicemia e são mais difíceis de gerenciar”, diz a Dra. McCoy. “Para um jovem apresentar resistência à insulina suficiente para desenvolver diabetes tipo 2, o caso tem de ser grave.” E é verdade, mesmo com sintomas mais leves.
Se quisesse evitar complicações graves a longo prazo, explicou o médico, Michael teria de mudar de vida completamente.
Alimentação e diabetes
Durante décadas, quando recomendavam mudanças alimentares para combater o diabetes tipo 2, os médicos se concentravam em reduzir o açúcar e outros carboidratos. Mas agora os pesquisadores descobriram que não basta se afastar de alimentos açucarados; os ultraprocessados (aqueles alimentos práticos a que pessoas de vida agitada recorrem para se nutrir) também contribuem para a doença, como relatado num estudo francês publicado ano passado na European Journal of Public Health.
Os alimentos industrializados mais perigosos, de forma bastante surpreendente, foram as carnes processadas: salames e salsichas, por exemplo. Talvez mais espantoso ainda seja uma revisão analítica espanhola de estudos anteriores, também publicada em 2019, que constatou que a carne em geral – a base da alimentação low carb que muitos diabéticos tipo 2 seguiam – tanto promove a doença quanto a faz piorar.
Mas o que a carne tem a ver com o açúcar no sangue?
A membrana de nossas células é feita parcialmente de gordura, que vem do que comemos. “Assim, quando comemos muita carne, acabamos ingerindo muita gordura, o que deixa a membrana celular mais rígida”,explica a Dra. Hana Kahleova, endocrinologista do Instituto de Medicina Clínica e Experimental, em Praga, República Tcheca. “E, quando a membrana fica mais rígida, o receptor de insulina embutido nela não funciona direito.”
Em outras palavras, as células se tornam “resistentes à insulina”.
Por outro lado, diz a Dra. Kahleova, a gordura de azeitonas, nozes e sementes deixa a membrana celular mais flexível e, em consequência, seus receptores de insulina funcionam melhor.
Michael se comprometeu a comer mais alimentos saudáveis e substituiu as más escolhas anteriores por legumes, verduras e cereais integrais. Passou a fazer mais exercícios. Em poucos meses, sua glicemia baixou o suficiente para ele passar da insulina para a metformina, remédio para o diabetes tomado por via oral, usado geralmente em casos mais brandos.
Estudos e mais estudos confirmam essa relação entre a carne e o diabetes tipo 2. Parece estranho, mas as carnes magras não estão excluídas. Uma metanálise de numerosos estudos anteriores feita em 2017 encontrou forte associação entre comer qualquer tipo de carne, inclusive cortes magros, e o diabetes tipo 2.
Enquanto isso, esse e outros estudos verificaram que cereais integrais davam proteção e, quando incluídos numa alimentação baseada em frutas, legumes, verduras, laticínios e pouco açúcar, baixavam em 42% o risco de desenvolvimento do diabetes.
Novas pesquisas indicam um caminho possível
Também há pesquisas que indicam que uma alimentação saudável sem carne tem a capacidade de reverter o diabetes. Num estudo de 2006 organizado pelo Dr. Neal Barnard, professor adjunto da Escola de Medicina da Universidade George Washington, em Washington, nos EUA, e por sua equipe de pesquisadores, os participantes com diabetes tipo 2 foram divididos em dois grupos. Um deles seguiu uma alimentação completamente vegetal e o outro foi instruído a adotar a alimentação recomendada pela Associação Americana de Diabetes (ADA), que incluía produtos de origem animal. Os que fizeram a alimentação vegetal podiam comer quanto quisessem. Sem limite. Os da dieta ADA restringiram calorias.
No começo do estudo, o nível de hemoglobina glicada (A1C) dos participantes ficou entre 6,5% e 10,5%, com média de 8%. Em 22 semanas, nos que seguiram a alimentação vegetal sem alterar a medicação, a A1C se reduziu, em média, 1,48 ponto percentual, contra apenas 0,81 ponto percentual do grupo da ADA. Para alguns na dieta sem carne, a hemoglobina glicada caiu para 5,7%, ou seja, o diabetes foi efetivamente revertido.
“Uma redução dessa magnitude é maior do que se veria com medicamentos orais típicos”, informa o Dr. Barnard.
Isso não quer dizer que todos os que adotam o veganismo reverterão ou evitarão o diabetes. Um estudo de 2016 com cerca de 200 mil pessoas com 25 anos ou mais, realizado por pesquisadores de Harvard, indica uma possível razão: não basta abandonar os produtos animais. A alimentação tem de ser saudável também. Quem fez uma alimentação essencialmente vegetariana baseada em produtos saudáveis teve risco 34% menor de apresentar diabetes. Mas os que fizeram uma alimentação essencialmente vegetariana, mas com alimentos não saudáveis como refrigerantes, sucos de fruta adoçados, cereais refinados, batata e doces, tiveram um aumento de 16% do risco de desenvolver diabetes.
O diabetes é muito associado à obesidade. Basta estar um pouco acima do peso para aumentar o risco. Mas às vezes emagrecer no começo da doença pode revertê-la, mesmo que você só perca 10% do peso. E já se comprovou que isso reverte o diabetes durante até cinco anos.
O diabetes é muito associado à obesidade. Basta estar um pouco acima do peso para aumentar o risco. Mas às vezes emagrecer no começo da doença pode revertê-la, mesmo que você só perca 10% do peso. E já se comprovou que isso reverte o diabetes durante até cinco anos.
Sobre exames de sangue
Dois exames diferentes são usados para determinar o nível de glicose no sangue (glicemia).
O exame de glicose em jejum em pessoas sem diabetes deveria, idealmente, ter resultado abaixo de 100. Glicose em jejum acima de 125 é sinal de diabetes.
O exame A1C de hemoglobina glicada avalia a média de açúcar na corrente sanguínea nos últimos três meses. Um valor de 5,7% ou menos é normal; 6,5% ou mais indica diabetes.
O alvo para a maioria dos diabéticos com menos de 65 anos é menos de 7%; para os mais jovens, menos de 6,5%.
Diabéticos mais velhos, atenção
Tudo o que é verdadeiro para os jovens com diabetes – alimentação e estilo de vida – também se aplica aos diabéticos com 65 anos ou mais, mas há uma diferença importantíssima. Se você tiver diabetes tipo 2, mais idade e outras doenças crônicas graves, tratamentos intensivos ou agressivos podem causar problemas expressivos.
Quanto mais doenças um idoso tem além do diabetes, maior o risco de crises de hipoglicemia grave (grande queda do açúcar no sangue) que podem aumentar o risco de doença cardíaca, quedas e fraturas ósseas – e até morte. Mesmo pequenas hipoglicemias provocadas por tratamento agressivo reduzem a qualidade de vida sem trazer muito benefício – quando trazem.
Essa é uma das razões para recomendar que pessoas idosas com outras doenças crônicas graves mantenham a hemoglobina glicada abaixo de 8%, diz a Dra. McCoy. Ela explica que o tratamento tem de ser individualizado, e pessoas com 65 anos ou mais sem outra doença crônica podem ter como meta uma A1C de 7,5. Mas, em termos gerais, depois dos 65 anos e com doenças concomitantes, buscar uma A1C de 8,0 em vez de tentar baixar ainda mais traz melhor resultado.
Não deixe o diabetes vencer
Hoje, aos 65 anos, Michael Trailovici está em forma, com 78 quilos e continua tomando apenas metformina. Ele se sente ótimo e realizado, sabendo que assumiu o controle do diabetes em vez de deixar que ele o controlasse.
Se for um dos milhões que receberam diagnóstico da doença, você já conhece as consequências calamitosas. Mas a boa notícia é até que ponto você tem condições de controlar o que acontece. Mudar a alimentação e se exercitar são medidas que asseguram um futuro mais saudável. E, se o diagnóstico for recente, as mudanças de estilo de vida podem levar até à remissão.
Há muita coisa que você pode fazer hoje para se cuidar e garantir um amanhã melhor.
POR ANITA BARTHOLOMEW