Novos avanços podem ajudar a combater a perda auditiva

As soluções de hoje, além de devolver a facilidade de conversar, também reduzem a probabilidade de quedas, depressão e muito mais.

Susannah Hickling e editado por Douglas Ferreira | 4 de Março de 2023 às 08:00

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Uma pesquisa de 2020, feita por três organizações europeias ligadas à audição, revelou que pouco mais da metade das pessoas com mais de 65 anos admite ter perda auditiva. E o dado mais assustador é que estima-se que cerca de dois terços das pessoas que sofrem com este problema não corrigem a audição.

De acordo com a Hear-It, entidade com sede em Bruxelas dedicada a aumentar a conscientização sobre o problema, cerca de 48 milhões de pessoas na Europa sofrem com perda auditiva incapacitante. A entidade estima que isso custe à União Europeia cerca de 55 bilhões de euros por ano em queda da produtividade.

Quais são as principais causas da perda auditiva?

Cerca de 90% dessa perda auditiva se deve ao desgaste do ouvido interno, às vezes desde os 40 anos, e 40% das pessoas com mais de 50 apresentam algum nível de perda auditiva. Quando as vibrações chegam ao ouvido, minúsculas células ciliadas (em formato de fio) as transformam em sinais elétricos, enviados pelo nervo auditivo até o cérebro, que interpreta o som. Quando morrem, essas células não se renovam.

Um estudo conjunto feito em 2019 pelo Instituto Locomotiva e a Semana da Acessibilidade Surda revela a existência, no Brasil, de 10,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva. Desse total, 2,3 milhões têm deficiência severa.

Depois da perda de audição ligada à idade, a próxima causa mais importante é a exposição a excesso de ruído a longo prazo, que pode começar na adolescência. Trabalhar em fábricas ou com armas de fogo prejudica a audição, assim como escutar música alta, com fones ou ao vivo.

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Fatores de riscos

Além da idade e dos hábitos, algumas doenças, como sarampo, diabetes tipo 2, cardiopatia e pressão alta, também aumentam a probabilidade de perda auditiva. Outros fatores de risco são histórico familiar, lesão na cabeça, tabagismo e remédios como o antibiótico gentamicina e alguns quimioterápicos.

Como a perda auditiva afeta a vida das pessoas

Imagem: Ridofranz/iStock

 

O efeito da perda auditiva vai muito além de perder as conversas. A surdez tem um impacto profundo sobre a saúde mental.

“A audição é nosso sentido primário de comunicação, e perdê-la leva ao isolamento social”, adverte o médico Birger Kollmeier, da Universidade de Oldenburg, na Alemanha. Ele é presidente da Federação Europeia de Sociedades de Audiologia e chefe do grupo de pesquisa Hearing4All, que reúne especialistas de três universidades alemãs.

Os pesquisadores constataram que os problemas auditivos duplicam o risco de depressão. E não é só isso. A perda de audição contribui em até 8% para a probabilidade de desenvolver demência – e é o maior fator de risco modificável da doença, de acordo com uma comissão da revista Lancet sobre demência em 2020. Quando não se ouve bem, “o cérebro não é suficientemente estimulado”, diz o Dr. Paul Van de Heyning, do Hospital Universitário da Antuérpia, na Bélgica.

Há sinais claros de que os aparelhos auditivos protegem da demência. Um estudo de 2018 com quase 4 mil pessoas, realizado durante 25 anos pela entidade francesa de pesquisa de saúde Inserm, mostrou que os problemas auditivos não corrigidos aumentavam o risco de incapacidade e demência, ao passo que quem usava aparelho auditivo tinha a mesma probabilidade de se manter independente que as pessoas com audição normal. E, com base em dados do recente estudo longitudinal on-line PROTECT, pesquisadores da Universidade de Exeter e do King’s College London, no Reino Unido, acreditam que os aparelhos auditivos reduzem em até cinco anos o risco de declínio cognitivo.

Talvez, de modo surpreendente, a perda da audição também seja importante para a saúde física. Até uma perda leve triplica o risco de quedas, que podem ser fatais em idosos.

Como a tecnologia pode ajudar

A tecnologia mais recente em aparelhos auditivos pode ajudar muito. “A qualidade aumentou imensamente nos últimos 20 anos”, revela a audiologista Francesca Oliver, do Real Instituto Nacional de Surdos (RNID), uma instituição do Reino Unido. “Os aparelhos podem ser programados para a perda auditiva do indivíduo.” Um algoritmo determina quanta amplificação é necessária em diversas frequências.

Mas um dos avanços mais empolgantes é a capacidade de conectar o aparelho ao celular via Bluetooth. É possível usar o celular como controle remoto para ajustar o volume e trocar de modo, como restaurantes, reuniões ou música ao vivo. Antes, os aparelhos não tinham conectividade com os celulares e era preciso aumentar o volume diretamente neles. “Houve um vasto progresso na conectividade com aparelhos de comunicação, inclusive com sistemas de som para comunicação pública”, diz Kollmeier.

Além disso, toda essa tecnologia espantosa está contida em aparelhos muito menores. Há até um deles – o Lyric, de uso prolongado – que pode ser utilizado sem ser visto, dentro do canal auditivo.

“Não dá para sentir, e é possível dormir e tomar banho com ele”, diz o audiologista Paul Checkley, diretor clínico da Harley Street Hearing em Londres. “É como uma lente de contato para o ouvido.”

Dois aparelhos auditivos populares: ReSound One, da fabricante dinamarquesa GN (à esquerda), e Lyric, da empresa suíça Phonak (à direita). (Fotos cortesia de (à esquerda) GN, (à direita) Phonak.)

A maior parte das perdas auditivas é bilateral. Nesses casos, é melhor usar dois aparelhos atrás das orelhas. Há uma interação sem fio entre eles, dando ao usuário uma ideia melhor de onde vem o som – reproduzindo o que os ouvidos fazem. Em seguida, acredita Checkley, vêm os aparelhos “inteligentes”.

“Alguns fabricantes estão pondo tecnologia auditiva em fones de ouvido inteligentes”, explica ele. Esses microcomputadores, semelhantes aos pequenos fones empregados para ouvir música, usam tecnologia sem fio e permitem que seus dados auditivos pessoais sejam inseridos para melhorar a audição.

Implantes cocleares

Imagem: peakSTOCK/iStock

 

Quando os aparelhos auditivos não fazem mais o serviço, há uma solução cirúrgica capaz de revolucionar vidas. Os implantes cocleares permitem a melhora de até 98% da percepção da fala em pessoas que, mesmo com os aparelhos, não conseguem conversar normalmente, de acordo com o Dr. Van de Heyning, do Hospital Universitário da Antuérpia.

“Oitenta por cento dos que fazem o implante coclear podem voltar a usar o telefone”, informa ele. E, para pessoas que também têm zumbido no ouvido, ele diz que os ruídos caem de 50% a 80% quando se liga o implante.

O implante coclear tem duas partes. Uma é usada atrás da orelha, a outra é implantada cirurgicamente sob o couro cabeludo, com um fio que vai até os eletrodos na cóclea, a parte “ouvinte” do ouvido interno. Um microfone externo, no ouvido ou perto dele, capta os sons, que são analisados por um chip e enviados como código para os eletrodos implantados. Estes enviam uma corrente elétrica ao nervo auditivo. “O aparelho substitui o funcionamento das células ciliadas”, diz o Dr. Van de Heyning, esclarecendo que não há cirurgia cerebral envolvida.

Na verdade, o risco de complicações e a taxa de fracasso são baixos. Os implantes são adequados para pessoas cuja perda auditiva se deve a problemas do ouvido interno – a imensa maioria –, e a idade não é impeditivo. “A única barreira é a demência grave”, alerta o Dr. Van de Heyning. Esses pacientes não têm a acuidade cognitiva necessária para interpretar os sons a princípio desconhecidos que escutam.

Ainda assim, a conscientização e o entendimento sobre esses implantes continuam baixos. Nos países de renda mais alta, menos de 10% das pessoas cuja vida poderia melhorar com um implante coclear o fazem. Por que tão poucos? “Boa pergunta!”, exclama o Dr. Van de Heyning, que diz que até otorrinolaringologistas mostram não conhecer as vantagens nem quais pacientes se beneficiariam da cirurgia. “Persiste a ideia de que é preciso ser completamente surdo para se beneficiar.” Não é verdade.

Jacques Verdière, 88, de Perros Guirec, na Bretanha, França, é a prova de que o implante coclear restaura a audição mesmo em idosos. Depois de anos de infecções no ouvido, o bibliotecário aposentado ficou completamente surdo do ouvido esquerdo. Quando o otorrino sugeriu o implante coclear, ele hesitou. “Mas minha filha, enfermeira, me convenceu”, conta Verdière. Em 2016, ele fez o implante coclear, e no ano seguinte fez o segundo quando perdeu a audição no ouvido direito.

Embora fizesse reabilitação depois do primeiro implante para retreinar o cérebro a entender os sons metálicos produzidos, Verdière não precisou disso no segundo. “Consegui ouvir perfeitamente. Foi maravilhoso.”

Com os aparelhos auditivos, quanto mais cedo se começa, melhor

“Pesquisas mostram que as pessoas esperam cerca de 10 anos até procurar ajuda”, diz Francesca Oliver, da RNID. Por quê? Não é só o estigma associado à surdez; também é porque a perda auditiva é gradual, e muita gente não percebe que está acontecendo.

“A perda auditiva ligada à idade afeta primeiro as frequências mais altas, ou seja, as pessoas ouvem o som das vogais, mas perdem as consoantes”, diz Checkley. “Elas podem se enganar e achar que sua audição é normal.”

Mas não espere até não escutar nada. “Comece a intervir cedo, porque o cérebro tende a esquecer a capacidade central de audição se ela não for mais ativada adequadamente”, esclarece Kollmeier. Negligenciar o problema torna mais demorada a adaptação aos aparelhos auditivos.

Uma descoberta que pode mudar tudo

A perda de audição no ouvido interno sempre foi considerada irreversível, mas a ciência pode estar prestes a refutar essa ideia. Um novo medicamento testado na Grécia, no Reino Unido e na Alemanha vem causando grande empolgação.

“Esse tratamento medicamentoso visa regenerar as células ciliares do ouvido interno, perdidas quando a surdez progride”, diz a Dra. Anne G. M. Schilder, otorrinolaringologista e pesquisadora da audição no Centro de Pesquisa Biomédica dos hospitais da University College London, onde foi feita a pesquisa.

A Dra. Schilder encabeçou o estudo financiado pela União Europeia, denominado REGAIN. Em pessoas com perda de audição leve a moderada, o otorrino injeta o medicamento, um inibidor da gama-secretase, no ouvido médio, de onde ele se difunde até o ouvido interno para formar novas células ciliares. A Dra. Schilder acredita que esse e outros tratamentos inovadores capazes de reverter a perda auditiva podem estar disponíveis daqui a cinco a dez anos.

Mas agora é importante prevenir, o máximo possível, os danos a essas células importantíssimas. “Há tapa-ouvidos de ótima qualidade a preço razoável para filtrar os sons prejudiciais e que não atrapalham a experiência”, sugere Francesca Oliver. Quando ouvir música, experimente fones que cancelam ruídos, não aumente demais o volume e não ouça por muito tempo. Faça uma pausa de pelo menos cinco minutos a cada hora e, se estiver num show, a cada 15 minutos. Muitos audiologistas acreditam que é bom fazer exames regulares de audição, como se tem o hábito com a visão.

Afinal de contas, por que sofrer em silêncio? Embora você talvez tenha de pagar parte ou todo o custo dos melhores aparelhos auditivos, Lynne Kingston acha que vale muito a pena. “Com eles, me sinto melhor”, diz ela. “É um investimento em mim.”

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