Estudo indica que memória é tendenciosa ao lembrar de detalhes

Estudo demonstra que os detalhes da nossa memória se tornam menos vibrantes e detalhadas com o tempo, mantendo só a essência preservada.

Rayane Santos | 29 de Novembro de 2021 às 13:00

Radachynskyi/iStock -

Você já se perguntou por que você lembra de um determinado acontecimento, mas esquece de alguns detalhes? Um estudo recente publicado na Nature Communications parece ter descoberto a resposta para essa pergunta.

Diversos estudos já comprovaram que uma maneira poderosa de proteger as memórias contra o esquecimento é recuperá-las com frequência. No entanto, não se sabe se todos os aspectos da memória se beneficiam igualmente dessa recordação ativa.

É comum que algumas memórias sejam preservadas durante toda a vida enquanto outras acabam sendo esquecidas. Mas o que os cientistas estão tentando entender é por que os detalhes de algumas informações que são retidas na memória se perdem ao longo do tempo.

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Embora, ainda seja difícil medir com exatidão em ambientes de laboratório como nossas memórias diferem das experiências originais, e como elas são transformadas ao longo do tempo, o estudo publicado na revista Nature conseguiu demonstrar que nossas memórias se tornam menos vibrantes e detalhadas com o tempo, mantendo apenas a essência central eventualmente preservada.

“Embora as memórias não sejam cópias de carbono exatas do passado – a lembrança é considerada um processo altamente reconstrutivo – os especialistas sugeriram que o conteúdo de uma memória pode mudar cada vez que a trazemos de volta à mente”, explica o Dr. Gabriel Novaes de Rezende Batistella, médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA).

Como foi conduzida a pesquisa

Para este estudo, os pesquisadores desenvolveram uma tarefa computadorizada simples que mede a rapidez com que as pessoas podem recuperar certas características das memórias visuais quando solicitadas.

Os participantes memorizaram pares de palavras e imagens, e mais tarde foram questionados se conseguiam se lembrar de diferentes elementos da imagem quando acompanhados pela palavra. Por exemplo, os participantes foram solicitados a indicar, o mais rápido possível, se a imagem era colorida ou em escala de cinza (um detalhe perceptivo), ou se mostrava um objeto animado ou inanimado (um elemento semântico).

“Esses testes, sondando a qualidade das memórias visuais, aconteceram imediatamente após o aprendizado e também após um atraso de dois dias”, explica o médico. “Os padrões de tempo de reação mostraram que os participantes eram mais rápidos em lembrar elementos semânticos significativos do que os perceptuais superficiais.”

“Muitas teorias da memória assumem que, com o tempo, e à medida que as pessoas recontam suas histórias, elas tendem a esquecer os detalhes superficiais, mas retêm o conteúdo semântico significativo de um evento. Imagine relembrar o último jantar com seu amigo: você sabe exatamente o que comeu, se lembra da conversa com o garçom, mas não consegue se lembrar da decoração da mesa ou qual a cor da camisa que estava vestindo”, explica o Dr. Gabriel.

Memória semântica

Especialistas em memória ligam este fenômeno ao elemento semântico. “O padrão para a lembrança de elementos semânticos significativos demonstrados neste estudo indica que as memórias são tendenciosas para o conteúdo significativo em primeiro lugar. Queremos que nossas memórias retenham as informações que provavelmente serão úteis no futuro, quando encontrarmos situações semelhantes”, conta o médico.

Os pesquisadores descobriram que o ‘preconceito’ em relação ao conteúdo da memória semântica se torna significativamente mais forte com o passar do tempo e com a lembrança repetida. Quando os participantes voltaram ao laboratório dois dias depois, eles demoraram muito para responder às perguntas perceptivo-detalhadas, mas mostraram uma memória relativamente preservada para o conteúdo semântico das imagens. No entanto, a mudança de memórias ricas em detalhes para memórias mais baseadas em conceitos foi muito menos pronunciada em um grupo de indivíduos que visualizou as imagens repetidamente, em vez de ser solicitado a ativamente trazê-las de volta à mente.

Embora possam parecer simples, as descobertas feitas nesse estudo, elas contribuem para a investigação da natureza das memórias na saúde e na doença.

“Ele [o estudo] fornece uma ferramenta para estudar mudanças desadaptativas, por exemplo, no transtorno de estresse pós-traumático, em que os pacientes frequentemente sofrem de memórias intrusivas e traumáticas e tendem a generalizar excessivamente essas experiências para novas situações. As descobertas também são altamente relevantes para a compreensão de como as memórias de testemunhas oculares podem ser influenciadas por entrevistas frequentes e por relembrar repetidamente o mesmo evento”, explica o Dr. Gabriel. “As descobertas também demonstram que testar a si mesmo antes de um exame (por exemplo, usando flashcards) fará com que a informação significativa permaneça por mais tempo, especialmente quando seguida por períodos de descanso e sono”, finaliza o neuro-oncologista.


FONTE: Dr. Gabriel Novaes de Rezende Batistella

Médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA). Formado em Neurologia e Neuro-oncologia pela Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, hoje é assistente de Neuro-Oncologia Clínica na mesma instituição. O médico é o representante brasileiro do International Outreach Committee da Society for Neuro-Oncology (IOC-SNO).