Somatizar emoções, por trás de uma positividade tóxica, pode gerar ainda mais sofrimentos para os indivíduos. Saiba mais!
A busca pela felicidade é reconhecida como uma verdadeira missão de vida por parte de algumas pessoas. Porém, na contramão de uma positividade tóxica, é preciso aceitar que não se pode ter controle sobre tudo o que acontece, e está tudo bem se as coisas não derem certo algumas vezes.
Permitir-se sentir frustrações e deixar de ser tão radical consigo mesmo é aprender a lidar com a vida, e aceitar que ela não é feita somente de momentos bons.
“A vida de todos nós é demasiadamente complexa, pois o simples ‘estar no mundo’ já nos demanda muita força para lidar com as angústias e demandas do cotidiano. É preciso lidar com sentimentos considerados “negativos”, sobretudo o luto, pois é ele que nos auxilia no processo de elaboração de perdas, de forma lenta e dolorosa”, explicou a psicanalista Tania Nigri.
A grande influência das redes sociais
Mas reconhecer que não é possível controlar tudo pode ser muito difícil, ainda mais vivendo em uma era digital com ampla presença dos adeptos do movimento “Good Vibes Only” (apenas boas energias) nas redes sociais, que são cada vez mais usadas como um canal de entretenimento.
Eles se consideram mais evoluídos espiritualmente e estimulam a criação de uma visão otimista para qualquer situação, gerando a conhecida positividade tóxica. A psicóloga Maria Amaral explica que o tema influencia diretamente na forma como a sociedade convive.
“A positividade tóxica cria uma realidade abstrata, de um mundo em que as questões ora podem ser ignoradas pelos poderes metafísicos do ‘pensamento positivo’ e ora podem ser resolvidas de forma individualistas por cada um, deixando completamente de lado o papel da sociedade tanto no surgimento das questões quanto na sua resolução”, disse a especialista.
Esse termo ainda pode parecer estranho, mas basta refletir. Concentrar-se apenas na procura pelo lado bom de tudo repreende emoções que precisam ser sentidas.
Isso também afeta aqueles que tentam desabafar e só querem ser ouvidos ao invés de receberem uma pronta solução para os seus problemas ou enxergarem a boa lição de um acontecimento que ainda causa sofrimento.
Pessoas jovens, que costumam usar as redes sociais por mais tempo, como os próprios brasileiros, que ficam cerca de 3 horas e 45 minutos conectados todos os dias, segundo a pesquisa Global Digital Overview 2020, tendem a sentir ainda mais a influência dessa imagem irreal de perfeição.
Assim, associam sua aceitação pela sociedade ao número de interações no Facebook ou no Instagram, por exemplo, como explica a psicanalista Tania Nigri.
“Pode parecer óbvio que as redes sociais sejam uma zona inteiramente artificial em que as postagens não guardam, quase nunca, consonância com a realidade -os filtros estão aí para não nos deixar mentir-, mas, ainda assim, muitas pessoas tendem a acreditar que aquelas imagens e representações refletem a realidade, associando sua aceitação social à quantidade de curtidas que obtêm em suas postagens. Isso tudo gera muita ansiedade e, em quadros mais sérios, uma profunda tristeza e sentimento de inadequação. Tem uma frase que, na minha opinião, reflete o mundo cruel da contemporaneidade: ‘O mundo não está interessado nas tempestades que encontraste. Quer saber se trouxeste o navio'”.
A psicóloga graduada pela UFF, Maria Amaral, se refere às redes sociais como “um recorte abstrato e moldado da vida das pessoas, que não raras vezes não condizem com a realidade” e aponta como a cultura do like está relacionada às formas de privilégio entre os brasileiros.
“A cultura do like, dos corpos padronizados -e padronizáveis por dinheiro e cirurgias plásticas – das viagens caras, das vidas “perfeitas” encobrem o que as pessoas deliberadamente escolhem não publicizar. Nesse lugar das meias verdades, que é a internet e as redes sociais, tem crescido bastante a cultura da positividade tóxica. Acho que o que a gente precisa se perguntar é: a quem cabe o privilégio de poder só olhar para o lado bom da vida num contexto como esse em que a realidade da maioria da população é a da extrema miséria e falta de perspectiva? Dizer isso não significa dizer que a essas pessoas só resta aceitar seus destinos. E o Estado tem feito seu papel para possibilitar vidas em que emergem essas potências ou tem dificultado ainda mais?”, refletiu a psicóloga.
A positividade tóxica afeta a saúde física e mental
Um grande problema reflexo desse comportamento é a valorização da imagem da felicidade, ou seja, é necessário mostrar-se feliz o tempo todo, ter uma carreira de sucesso e aparência saudável para ser bem aceito por uma sociedade baseada nesses valores.
Tamanha carga pode fazer com que muitas emoções e sentimentos sejam somatizados, o que interfere diretamente não só na saúde mental, mas no corpo todo, podendo gerar doenças como problemas na pele ou síndrome do intestino irritável.
A psicanalista Tania Nigri explica como isso se desenvolve lentamente no dia a dia e recomenda que pessoas que sentem afetadas busquem ajuda profissional.
“Na sociedade contemporânea, por intuírem que a tristeza tem sido associada à incapacidade e à inadequação social, muitas pessoas, especialmente as mais jovens, ocultam sua melancolia, se afastam dos amigos e evitam buscar ajuda profissional, onde poderiam elaborar essas questões tão inerentes à vida. Isso se dá, em grande parte, porque a sociedade valoriza, de forma cruel, o sucesso, o espetáculo e a imagem, sinalizando, por vias transversas, que ela não tolera a infelicidade.”
Seja positivo(a), mas não seja tóxico
Isso não quer dizer que ser positivo e otimista é algo ruim, muito pelo contrário. Ter uma visão otimista do mundo também é fundamental e pode ajudar a evitar piora da depressão e ansiedade, por exemplo. Ter fé na humanidade também é ter esperança e esses sentimentos tornam tudo mais leve. Só é preciso cuidado para discernir a vida real de algo fantasioso.
“Ser positivo é, indiscutivelmente, uma característica que pode auxiliar no enfrentamento da vida, mas o otimismo cego, quase religioso, parece ser um forte sinal de superficialidade. Ser otimista é totalmente diferente de ser alienado. É possível ser positivo, sem deixar de ser empático”, explicou a psicanalista Tania Nigri.
O ano de 2021 está prestes a começar e tende a ser um ano marcado por muitas mudanças. Por isso, é necessário buscar estar bem consigo e você pode alcançar esse feito de diversas maneiras.
Procure cuidar da sua saúde mental, descobrir novos hobbies e atividades que atraiam leveza para o seu dia a dia. Meditar, aprender chás para relaxar e exercícios de respiração podem ser um bom começo para alcançar a verdadeira positividade e viver melhor.