Neste mês Claudia Nina reflete sobre "Origens", um livro repleto de histórias de família e de memórias. Afinal, todos nós temos uma história de origem.
Redação | 17 de Dezembro de 2019 às 18:00
Outro dia, em um almoço de família, descobri que meu lado paterno pode também ter vindo da Itália. Eu que pensava que estes ancestrais eram de Portugal. Que diferença isso faz? Não quanto à origem em si, mas em relação ao desdobramento da descoberta. Há indícios de uma família Nina vindo da cidade de Assis. Imediatamente, comecei a viajar para lá e senti uma urgência de Itália como nunca. Sempre quis conhecer de perto as histórias dessas pessoas que fizeram a minha existência possível. A frustração é que jamais consegui dados precisos, os documentos sempre perdidos, retratos esparsos, sem identificação. Como eram aqueles primeiros navegantes? Mistério.
É intrigante a pouca ou quase nenhuma curiosidade dos que vieram em seguida. Se eu fosse filha direta de um imigrante, faria uma interrogação interminável para construir o quebra-cabeça de que sou feita; não deixaria as preciosas informações naufragarem no tempo, mas passaria de ouvido em ouvido para filhos e netos.
“Preciso escutar agora senão o passado vai se perder…”, dizia a avó da autora Eliane Potiguara, em “Cartas à terra”, uma das histórias que compõem a antologia Origens, que reúne ainda textos de Alexandre de Castro Gomes, André Kondo, Luis Eduardo Matta e Sonia Rosa. Cada um escreve um conto em primeira pessoa reconstruindo suas árvores genealógicas – de Portugal ao Japão, gira-se o mundo a partir de relatos emocionantes. Pais, avós, avôs, tataravós… Personagens que antes habitavam os retratos em caixas ou estantes ganham vida nas páginas.
“Ainda hoje, quando lanço o olhar ao mar, imagino a vida de meus avós como ilhas distantes, cercadas pela vastidão de um oceano de histórias (muitas delas guardadas na linha de um horizonte que não pode mais ser lido). No alto do Morro de São Sebastião, contemplo o sol nascente e me inspiro a iniciar estas linhas… Talvez elas não contenham toda a verdade, talvez haja imprecisões e deslizes históricos, mas foi assim que eu as recebi pela boca dos que sobreviveram…”, escreve André Kondo em “Sol nascente”.
Fiquei imaginando o pouco que consigo me lembrar do pouco que me contaram. Que meu bisavô materno, italiano, chegou ao Brasil ainda menino e foi parar na cidade mineira de Juiz de Fora a fim de trabalhar em uma fábrica. Nunca aprendeu a ler, mas fez fortuna: conseguiu comprar uma boa parte da cidade em imóveis. Tinha os olhos cor de mel. Do outro lado da família, que supostamente veio de Assis, não sei nada. Mas confesso que, por teimosia, decidi fabricar meu próprio relato. Comecei a criar uma ficção. Vou acreditar nela, pois é disso que os escritores vivem…