Conheça a emocionante história do encontro com uma senhora com câncer de mama no trem.
Redação | 11 de Janeiro de 2019 às 17:00
Às vezes, conversas casuais com desconhecidos podem nos ensinar preciosas lições. Conheça a história do encontro de Rima com uma senhora no trem:
Ela entra no trem em Salzburgo.
Quando saímos da estação, vejo-a em pé no corredor, diante de meu compartimento. Uma mulher de 40 e tantos anos, elegantemente vestida com um casaco de camurça cor de pêssego e uma saia comprida de seda preta. Observo-a de soslaio, na esperança de que encontre outro lugar.
Ela, no entanto, se demora, olhando
o corredor de um lado para o outro, indecisa.
Então, enfia a cabeça pela porta e pergunta se os outros cinco lugares estão ocupados. Não estão. Só que estou com os pés em cima de um deles. Começo a puxá-los, achando inadequado, neste país tão formal, pôr os pés descalços num assento vazio. “Ah, pode deixar. Era exatamente o que eu queria fazer”, diz a mulher enquanto enfia a bolsa na prateleira alta.
Depois que se instala, tira o sapato alto de couro preto e põe os pés para cima e começamos um pingue-pongue de amenidades. Pergunto se vai a Viena.
– Só até St. Valentin. É lá que moro – conta ela. – E você?
– Vou a Viena visitar uma amiga. Mas moro na Alemanha, em Heidelberg.
– Ah, é lá que fica minha nova médica homeopata – diz ela. – Não a conheço pessoalmente, mas mantemos contato regular por e-mail.
Ela passa a mão no cabelo. Parece penteado no salão, com as pontas viradas de leve para dentro e mechas castanhas mais escuras.
– Ela está tratando meu câncer – acrescenta.
Tão pessoal. Tão impossível de deixar sem comentário. Homeopatia contra o câncer! Tenho lembranças de minha amiga Gina, que recorreu à medicina alternativa em busca de cura do câncer de mama. Sua desconfiança da quimioterapia, a dedicação teimosa às terapias “verdes” e a fé em seu “médico” foram suicidas. Durante seis meses torturantes, o terapeuta lhe negou analgésicos, dizendo que ela precisava vivenciar a luta de seu corpo contra o invasor. No fim, vencida e sitiada, ela teve uma morte dolorosa.
Minha cara de ceticismo deve ter ficado clara.
– Estou fazendo o tratamento junto da medicina convencional – esclarece ela. – Sei que tenho de tentar tudo.
– Ah, isso é bom – digo, sem saber se posso perguntar mais.
Ela adivinha minha pergunta tácita.
– É câncer de mama – diz ela, pesarosa.
– Acharam o tumor três anos atrás. Na época, era grande demais para operar, e fiz cinco meses de quimioterapia para que encolhesse. Junto com a químio, decidi fazer o tratamento homeopático.
Ela foi encaminhada a um médico homeopata de Zurique.
– O ar limpo e revigorante da Suíça, os dias de sol, o silêncio, o som dos cincerros nas encostas verdes, a pausa do trabalho, sim, até dos filhos… tudo isso ajudou – conta ela. – O tumor desapareceu em poucos meses!
Dei uma gargalhada de surpresa, mas ela sorri tristonha com meu entusiasmo.
– Bem, ele saiu do seio. Mas três meses atrás descobriram que há metástase no cérebro. Em seis lugares. Demais para operar.
Ficamos caladas. De repente, o barulho do trem se torna muito alto – o compartimento se sacode, as janelas chocalham, as rodas giram. Metal contra metal, o trem contra o vento, nosso tempo aqui e agora contra o tempo que se esgota.
– Mal acabamos outra rodada de quimioterapia – observa ela.
Com um sorriso confessional, ela baixa a cabeça, tira a peruca e me mostra o couro cabeludo.
– O cabelo já está voltando a crescer. Veja – diz ela, esfregando a mão suavemente na cabeça.
À luz dura do compartimento, vejo os fiapinhos finos na superfície brilhante da pele. Parecem brancos e secos, como restolho de trigo num campo nevado.
Ela põe a peruca de volta e inclina a cabeça para trás, contra o encosto. E me olha. Sinto-me arrasada. A dor é torturante ao ver o cabelo crescendo de volta num campo envenenado. Penso em campos minados, os tumores à espera do pé incauto, do passo descuidado.
Sem saber como continuar, mas com necessidade de falar, digo, de forma trivial, que hoje a probabilidade de recuperação é muito maior do que no passado, que três ou quatro amigas minhas tiveram tumores, mas hoje estão todas bem. Não menciono Gina.
Ela não se deixa enganar.
– Talvez estivessem numa fase anterior à minha. Sei que esperei demais. Seis semanas, pelo menos, depois de sentir o primeiro nódulo. Pensei: vou amanhã, vou semana que vem.
Ela se vira para seu reflexo na janela e ajeita a peruca.
– Ou talvez suas amigas tivessem a vida menos estressante do que a minha. Meu marido me deixou sozinha com os filhos quando eu não tinha nem 30 anos. Tive de procurar emprego, cuidar das crianças, cuidar da casa. Foi muito estressante.
– Quantos filhos você tem?
– Três, entre doze e dezoito anos. Além disso, a gente se acostuma a sempre pôr os filhos em primeiro lugar. – Ela diz isso de forma objetiva.
– É, eu sei – acrescentei, embora só tenha criado um filho sozinha.
– Nunca cuidei de mim. Nunca comprei nada para mim que não fosse muito necessário. Agora, quando talvez seja tarde demais, estou mudando.
Ela acaricia a camurça macia do casaco e alisa a saia de seda. Obviamente, são aquisições recentes.
– Agora faço coisas que me deixam feliz – confidencia ela, abrindo um grande sorriso. – Coisas boas para mim. Comecei a praticar Qi Gong! Os exercícios são maravilhosos, e eu me sinto rejuvenescida.
O trem está desacelerando. As luzes de St. Valentin perfuram a escuridão além da janela.
Fico comovida com sua coragem silenciosa. Nem uma única vez houve raiva ou autopiedade. Só a aceitação calma diante do inaceitável.
Ela calça os sapatos, se levanta e ajeita a peruca.
Quando o trem para na estação, ela se vira para mim. Levanto-me para apertar sua mão. Em vez disso, ela me dá um abraço. Ambas sabemos que nunca mais nos veremos.
Veja também: De olho na prevenção do câncer de mama.