No interior da Bahia, o maior ensinamento que uma mãe dá à sua filha é prepará-la para enfrentar todas as dificuldades de ser mulher.
A mãe desde cedo contou-lhe verdades.
– Escute, minha filha: já nasceu mulher, agora tem que correr fora do prejuízo. Estude e trabalhe para ser alguém na vida.
Era de uma cidade bem pequena no interior da Bahia. A mãe guardou para a filha o mundo – nada menos. Não se achava uma “ninguém”, mas sempre soubera que seguiria com rigor a sabedoria da mãe. Já nasceu mulher, repetia para si mesma. Seria dobrado o esforço para ganhar respeito e posição.
O tempo passou com dificuldades imensas em sua terra natal. Tudo era sofrido, ardido, pequeno – ela, para quem estava guardado o mundo, queria sair logo dali e colocar à prova seu destino desafiador. Já nasceu mulher…
Até que o grande dia chegou
Fez as malas e partiu. Não tinha emprego garantido, nada. A vizinhança duvidou, todos duvidaram que conseguiria. Mas quem disse que seria fácil? Tinha o endereço de uma amiga distante da tia da avó no Rio de Janeiro. Era para lá que ela ia, não importava o que viesse depois. Estava pronta para a luta. Ficar no espaço acanhado onde nascera poderia lhe podar as pernas. E ela tinha fôlego de mundo – era a herança, o brado, a voz de acalanto desde o berço. Já nasceu mulher…
E foi. Não olhou para trás até porque a mãe também não esperava que ela olhasse. Estava na cozinha ocupada com o bolo formigueiro para o resto da família. Os irmãos, todos homens, para quem a mãe não separou o mundo nem o brado, nem o grito de guerra.
Afinal, haviam nascido homens.
Seguiu a viagem e o roteiro
Nada poderia dar mais errado – já nasceu mulher, era a frase que ressoava estrada afora. Depois de alguns anos, conseguiu tudo o que quis: emprego, morada, casamento e filhos. Nada lhe escapou das mãos. Ela era a voz de comando do seu lar e de seus desejos, vontades e sonhos.
Para a filha que nasceu primeiro, seguida de dois meninos, ela guardou o mundo e a frase-camafeu: Já nasceu mulher.
Às vezes, a maior herança é uma frase.
Por Claudia Nina – [email protected]
Jornalista e escritora – autora, entre outros livros, de Amor de longe (Editora Ficções)
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