A menina é submetida ao sacramento da confissão sem sequer entender o propósito daquilo. Tudo que ela quer é se livrar daquela situação.
Mesmo após algumas semanas de ensaio, não soube como agir diante daquele senhor que, de dentro de uma espécie de caixa de madeira, emitia uma voz que parecia vir do além.
– Você tem alguma a coisa a confessar?
Não havia o que dizer. Aos 7 anos, ela tentava tirar um sentido da situação, alguma coisa que explicasse por que motivo estava sendo obrigada a contar sua vida íntima e profunda a alguém que jamais viu na vida e que continuaria permanecendo anônimo. Até aquele momento, a voz era apenas uma voz e era provável que permanecesse assim – não queria descobrir a pessoa por trás da voz. Teve repulsa.
Era uma invasão. Não iria contar nada para aquele senhor intruso. Ele que morresse lá dentro esperando.
O homem tentou de tudo. Refez a primeira pergunta de várias formas e todas elas receberam um não como resposta.
Era o máximo que conseguia dizer. Estava engasgada.
Os minutos viraram horas. A fila de crianças fora da capela crescia, e nada de a menina confessar. A situação dentro da caixa de ressonância, onde coisas horríveis deveriam ecoar, ficou insustentável. Ela estava louca para sair dali. Mas como? Para sair teria que dizer as palavras íntimas e profundas – a chave da libertação.
Percebeu que o padre também já não aguentava mais, e havia a pressão da escola, dezenas de crianças à espera da vez. Todas ensaiando respostas prontas e rápidas. Por que ela era sempre tão confusa? Tinha sido expulsa uma vez da capela.
O padre sabia de seu histórico?
O tempo passou tanto que, por fim, não houve jeito. O homem cedeu e perguntou algo fatal:
– Você tem pena das pessoas?
Um jogo sujo. Sim, ela sempre teve muita pena. Pena do pipoqueiro carregando o peso de sua pequena loja nas costas ladeira abaixo para ir embora. Do senhor que vendia doces na praça e não via que as pessoas roubavam dele. Pena de tanta gente… Aquele homem maldito tinha descoberto um de seus segredos.
– Tenho, tenho sim.
– Ah, então diga isso ao Senhor e pode ir em paz.
Simples assim. A confissão final era “ter pena”.
Isso era um pecado? Talvez fosse uma virtude. Como não havia a confissão do pecado, que houvesse, então, a confissão de uma virtude.
A menina ficou ainda mais confusa. No que ter pena das pessoas fazia dela alguém melhor aos olhos de Deus? Se ela não fizesse nada daquele sentimento, ela continuaria se torturando por dentro, porque a pena corrói, e as pessoas das quais sentia pena seguiriam suas vidas da mesma forma.
Chegou à conclusão de que, se a confissão fosse algo realmente válido, aquele homem lacrado dentro da caixa de ressonância teria dito a ela o que fazer para transformar a pena em algum sentimento mais libertador. Ainda bem que saiu do colégio e nunca mais na vida foi obrigada a confessar sua vida íntima e profunda.