Desde criança podemos lutar para conquistar a liberdade de fazer o que consideramos correto. É o que mostra a história da pequena Clara.
Todos a postos para o cochilo da tarde, os pequenos colchões espalhados pelo chão da ampla sala de aula. Alguém havia decretado que crianças de cinco anos têm sono à tarde, depois do lanche, e precisam dormir. Clara estava à procura da pessoa que tinha inventado o descanso depois do breve recreio. Seria a mesma a quem ela perguntaria: por que, em vez de dormir, eles não tinham um recreio maior?
Ninguém se prestava a responder, e Clara vagava segurando seu colchão para todos os cantos da sala. Tentava disfarçar a falta de sono e o desejo louco de fugir para o pátio, descendo as escadas com fome de areia e balanço. Ela precisava entender o motivo da regra absurda: nem todas as crianças queriam dormir. Por “nem todas” lia-se: Clara não queria dormir, porque o restante da turma logo caía no sono e até babavam.
Clara não conseguia dormir de jeito nenhum mesmo antes de tentar.
Considerava uma perda de tempo aqueles minutos enormes dedicados a algo que deveria fazer apenas em casa, onde não havia pátio. O recreio só existia no colégio e nada poderia substituir aqueles momentos de liberdade. A regra do sono à tarde era um aprisionamento.
Ela bem que tentou uma solução pacífica para não dormir. Mas, sem sucesso, resolveu agir de outra forma. Esperou que todos desfalecessem sem resistência. Fingiu ser ela também uma presa fácil do comando sem sentido. Fechou os olhos e esperou que a inspetora do sono recostasse a cabeça para trás como sempre fazia. Ela também gostava de cochilar – como podiam dormir com tanta claridade lá fora?
Esperou a hora certa, levantou-se com passos de esperança-inseto e fez uma linha reta invisível no ar para seu voo em liberdade. Quando chegou do lado de fora da porta da sala, nem acreditou: desceu as escadas engolindo o grito de alegria por ter conseguido fugir.
Naquela tarde, o recreio, o pátio, a areia, o balanço e o escorrega seriam só dela.
Poderia, inclusive, deter-se em uma das brincadeiras de que mais gostava: escavar a areia à procura de brinquedos perdidos. Um dia, encontrou um carrinho e, como ninguém se proclamou dono, entendeu que daria de presente ao irmão menor. Chegou em casa com o tesouro escavado nas mãos e dali em diante decidiu que faria outras escavações em busca de novos tesouros perdidos. O dia da fuga seria ideal para fazer do pátio sua ilha de Pirata.
Até que.
De repente, do alto da grande janela quase porta da sala de tortura-dormitório, eis que a tal inspetora vê a menina em liberdade no pátio. Os olhares se cruzaram por segundos e não houve nada a fazer a não ser suspirar: Clara tinha sido capturada em sua aventura.
Em poucos minutos, seria resgatada e teria que se resignar a deitar no colchão e trocar a claridade transbordante por uma sala fechada e escura.
O retorno escadaria acima foi um cortejo infeliz. Ao chegar de volta à sala, as crianças estavam acordadas e remelentas, sem entender o que significava a entrada repentina da fugitiva.
Humilhada em seu desejo de descobrir tesouros enterrados, a menina foi levada para a coordenação. Havia, afinal, cometido um grande delito que precisava ser advertido com firmeza: ela quisera ser livre.
Como podem ser tão cruéis os adultos? Clara fez uma promessa de nunca ser cruel. Aliás, a promessa era outra: ela nunca seria uma pessoa realmente e de fato… adulta.
Por Claudia Nina – [email protected]
Jornalista e escritora – autora, entre outros livros,
de Amor de longe (Editora Ficções)
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