Uma excursão com desconhecidos pode trazer algumas surpresas, nem sempre agradáveis. A autora, nessa situação, toma uma atitude inesperada.
Claudia Nina | 27 de Setembro de 2020 às 10:00
Estavam saindo para um passeio a pé pela parte mais bonita da cidade histórica, o que, claro, seria muito mais interessante fazer de forma andarilha do que dentro de um ônibus. Foi então que o sujeito, sentado no último banco ao lado da mulher silente, berrou: “Se eu gostasse de andar a pé não teria três carros.” Naquele momento, a pedrinha caiu na fonte e fez o barulhinho-pergunta: o que estou fazendo aqui?
Ela já havia pressentido que a viagem tinha sido um erro – juntar-se a um grupo de pessoas que nunca viu na vida e que talvez só tivessem em comum o interesse pelos países que iriam conhecer de ônibus. Tentava se concentrar na estrada, na aventura de cruzar as fronteiras, na beleza da diferença das paisagens e no encontro com as diversas línguas. Ela poderia ter experimentado tudo isso fora de uma excursão! A combinação muitas+pessoas+estranhas+juntas era algo de que definitivamente ela não gostava.
A frase do homem sentado ao lado da mulher silente criou no ônibus um mal-estar. A moça que conduzia a excursão tentou suavizar. Disse que não havia outro modo de conhecer aquela parte da cidade a não ser a pé. Depois de algum tempo, o casal se levantou ao comando do homem, que se arrastou de tênis-branco-impecável, óculos escuros, bermuda e mãos no bolso. A mulher do lado, como se fosse uma bolsa ou uma sacola ou algum outro inanimado, não disse nenhuma palavra, sequer um gesto de rosto. Parecia movida por controle-remoto.
Era uma espécie de frase-bomba que despertou a certeza de que aquela excursão tinha sido um equívoco. Os demais não se importaram com o mau humor do homem, nem acharam tão inadequado o comentário. Ao menos não esboçaram grandes reações.
Ela, porém, não conseguiria prosseguir. Desceu do ônibus, pediu sua mala. O motorista não entendeu nada. Pegou suas coisas e saiu andando no sentido oposto ao grupo. A partir dali se dispersaria. Faria uma excursão a seu modo, sozinha, encontrando estranhos com quem só iria interagir se realmente quisesse.
“Se eu gostasse de andar a pé não teria três carros.”
A frase continuou ecoando e durante muito tempo ela esmiuçaria cada palavra para justificar o acerto que foi ter fugido daquele ônibus.