A história de Mary Montagu e a inoculação da Varíola

Veja como uma aristocrata, um remédio popular oriental e algumas humildes leiteiras ajudaram a deter a difusão da varíola.

Redação | 18 de Junho de 2019 às 17:00

Charles Jervas -

Os chineses já conheciam a varíola e tinham sua maneira de combater a doença mortífera: introduziam crostas infectadas no nariz de indivíduos sãos. Tal procedimento é hoje conhecido como inoculação – transplantar matéria infectada de um doente para uma pessoa sã, a fim de produzir apenas uma “reação” mais branda e em seguida a imunidade. Outras formas de inoculação tinham sido praticadas durante séculos, como remédios populares, na Arábia, África do Norte, Pérsia, Índia e Turquia. A ideia, porém, não chegara à Europa, o que só aconteceu graças ao talento de divulgadora de uma indomável aristocrata inglesa, no início do século XVIII.

Lady Mary Wortley Montagu testemunhou a prática da inoculação na Turquia, quando o marido serviu como embaixador britânico naquele país, de 1716 a 1718. Em 1717, documentou em pormenores como as mulheres turcas injetavam algo com uma agulha em milhares de crianças todos os anos. As crianças teriam então sintomas ligeiros de varíola, mas restabeleciam-se depressa e nunca contraíam a doença. Suas observações foram confirmadas por vários médicos europeus, incluindo Charles Maitland, o médico da embaixada em Constantinopla (Istambul). Este, ainda no mesmo ano, ajudou a inocular o filho de Lady Montagu – um dos primeiros casos conhecidos de imunização de um europeu.

Aceitação social

Já na Inglaterra, a própria Lady Montagu sofreu um violento ataque de varíola, que a desfigurou justamente quando começava a se destacar no meio social, o que a fez agir. Em 1721, sua filha foi inoculada em Londres por Maitland – pela primeira vez na Europa.

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Graças às relações de Lady Montagu na corte, logo membros da família real inglesa ouviram falar da eficácia desse meio de prevenção da varíola e mandaram inocular os próprios filhos. Apesar da aprovação real, a classe médica se manteve na defensiva, porque a técnica não fora desenvolvida por qualquer de seus membros, mas viera da medicina popular do Oriente através de uma mulher sem experiência clínica.

Só a inoculação, porém, não eliminaria por completo a varíola, porque a infecção transplantada podia se tornar até fatal, e uma pessoa inoculada podia transmitir a doença a outras. Foram necessárias as observações de Edward Jenner, um médico rural inglês, para que a imunidade total contra a doença fosse conquistada.

Jenner ouvira um agricultor local dizer que as mulheres que trabalhavam no curral das vacas nunca contraíam varíola. No entanto, muitas vezes contraíam a varíola vacum (cowpox) – uma infecção relativamente inofensiva – dos animais com que lidavam. Em 1796, Jenner extraiu material das lesões do dedo de uma mulher e inoculou James Phipps, um menino de oito anos. Este não tardou a apresentar uma ligeira febre. Jenner inoculou então o garoto com varíola – e a doença não se manifestou.

Desaparecida para sempre

Assim, Jenner demonstrou que um indivíduo podia ser infectado por um agente relativamente não virulento, como o vírus da varíola vacum, e ficar imunizado contra a varíola. Jenner continuou a defender a inoculação com varíola vacum – ou vacinação, como o seu método veio a ser chamado. Em menos de 200 anos, a vacinação em grande escala permitiu à Organização Mundial de Saúde declarar oficialmente a erradicação da varíola.

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