Dor incapacitante. Ruídos insuportáveis. Vômitos constantes. Esses pacientes juraram fazer de tudo para encontrar a cura de suas doenças.
Douglas Ferreira | 24 de Setembro de 2021 às 12:00
Para a maioria, uma doença ou dor significa uma ida ao médico, um diagnóstico e, finalmente, a cura. Mas às vezes os sintomas deixam aturdidos até os melhores médicos. O que os três casos abaixo têm em comum – além de gente muito doente e alguns médicos perplexos – é a persistência dos pacientes em melhorar e a atenção generosa dos especialistas bem-sucedidos no tratamento.
Acordei certa manhã para arrumar os meninos para a escola, e o quarto estava rodando. Tentei me levantar, mas desisti e passei o dia inteiro na cama. Eu me senti tonta durante a semana toda. Depois meu ouvido esquerdo ficou esquisito e meu marido me levou ao pronto-socorro. A médica fez uma tomografia e, como não encontrou nada errado, disse que talvez eu estivesse com algum vírus.
Continuei me sentindo mal e fui à minha médica. Ela me pediu que andasse em linha reta, e não consegui! Então me encaminhou a um otorrinolaringologista, que descobriu que eu perdera audição nos dois ouvidos. Ele disse que a causa podia ser alergia ou sinusite e pediu outra tomografia, que também foi normal, e um exame de equilíbrio, no qual passei.
Uns três meses depois, acordei em pânico porque conseguia ouvir o coração batendo no ouvido esquerdo: bum, bum, bum. A partir daí, ouvia meu coração bater o dia inteiro, todos os dias. Isso encobria todos os sons comuns. Mesmo com a TV no volume máximo meu coração batia mais alto. Comecei a ouvir minha voz ecoar no ouvido esquerdo, como se eu estivesse dentro de um barril, e passei a falar menos. Se comesse algo duro, como batata chips, a mastigação soava como um canhão disparado bem rente à orelha. Fiquei com medo de sair de casa, perdi o apetite e chorava o tempo todo. Detestava que meus filhos me vissem daquele jeito.
Eu ia da minha médica para o otorrino e dele para o pronto-socorro, mas ninguém tinha respostas. Os médicos do pronto-socorro jogavam a culpa em alergias ou nervos e me davam ansiolíticos e anti-histamínicos. Um dos otorrinos sugeriu que eu usasse aparelho de audição e comprasse uma máquina de ruído branco para atenuar o batimento cardíaco. Então, no fim do mês, tive um colapso mental. Gritava, chorava, implorava a ajuda de Deus… era simplesmente horrível.
Quatro meses depois de meu sofrimento ter início, consultei outro otorrino que me recomendou um especialista em ouvido da Universidade da Califórnia. Foi lá que encontrei o médico que mudou a minha vida.
Karrie estava bastante incapacitada e deprimida, emagrecera muito. A perda de audição poderia ter várias causas, mas quando ela disse que estava tonta e escutava o coração bater, tive quase certeza de que era uma doença rara chamada deiscência do canal semicircular superior, que surge com um furo no ouvido interno do tamanho da cabeça de um alfinete. Isso pode provocar perda de audição, tontura e uma estranha amplificação de sons internos, e os pacientes ouvem o coração bater ou ruídos da digestão – alguns chegam a dizer que escutam os olhos “guinchar” quando olham em volta. A doença só foi descoberta no fim da década de 1990.
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A tomografia que Karrie levou era de má qualidade, mas fizemos outra na UCLA. Mostrei-lhe, apontei o ouvido e disse: “É isso aqui, eis o furo.” Depois de confirmado o diagnóstico, marcamos a cirurgia. Para o procedimento, o neurocirurgião fez uma incisão acima da orelha, abriu uma janela no crânio e tirou do caminho a base do cérebro para expor o ouvido interno. Depois, usei uma substância aderente e, com cuidado, fechei o furo. O resultado é quase imediato e a cirurgia traz a cura.
Eu me lembro de acordar depois da cirurgia e escutar as máquinas bipando e as enfermeiras falando, e não o meu coração batendo – e simplesmente chorei. Achei mesmo que era um recomeço para mim, tinha minha vida de volta. Passei uns quatro dias no hospital. Fiquei com a cabeça meio leve, mas isso acabou sumindo. Hoje estou ótima. Engordei tanto que já estou pensando em fazer dieta! Aprecio tudo melhor e voltei a gostar de coisas como nadar e andar de patins com meus filhos. Agora eles dizem: “Mamãe voltou ao normal!”
Numa noite de março, quando ainda cursava o secundário, eu estava comendo espaguete e de repente não consegui engolir. Não sei como, mas a comida voltou pelo esôfago e me sufocou. Tive de correr para o banheiro e vomitar. Tentei comer de novo, mas isso continuou a ocorrer.
Na semana seguinte, comi muito pouco, e a maior parte voltava. Tentei esconder, mas acabei tão apavorado que contei à minha mãe, e ela me levou ao médico da família. Ele não fazia ideia do que estava acontecendo e me encaminhou para um especialista. O resto daquele ano foi uma grande confusão, com todos os tipos de exame de esôfago que se pode imaginar. Mesmo assim, ninguém descobria o que era aquilo.
Não dizia nada aos meus amigos, mas tenho certeza de que ficaram curiosos, porque eu ia ao banheiro cinco vezes a cada refeição. Tinha dificuldade até para engolir água. Minha alimentação acabou se reduzindo a sanduíches de manteiga de amendoim com mel: por alguma razão, era só o que eu conseguia engolir. Minha altura é 1,80 m e meu peso despencou para 52 quilos – pele e osso. Fiquei deprimido.
As coisas normais do curso secundário ficaram impossíveis. Certo dia, tomei um gole d’água a caminho da aula e, assim que me sentei, percebi que tinha de vomitar. Tentei sair, mas a professora me mandou voltar, e fiquei ali sentado me segurando. Senti-me humilhado e incompreendido. Quando participei da peça O pai da noiva, a semana do espetáculo foi horrível: nas noites de ensaio, os pais levavam pizza, e eu comia tão pouco que alguns colegas acharam que eu tinha um transtorno alimentar. Pensei que não teria futuro, porque nunca me livraria disso.
Em dezembro me mandaram fazer um exame com contraste – uma radiografia antes da qual eu tinha de tomar um fluido, que parecia gesso, para os médicos observarem como descia e tentarem descobrir o que estava errado. Vomitei o fluido na mesma hora. O médico disse que foi aí que soube que “algo grave” estava acontecendo. Ele suspeitou de uma doença chamada acalasia, um transtorno raro do engolimento. Depois de todo aquele tempo sem respostas, bastou ouvir uma palavra que descrevesse o que eu tinha para me dar alívio.
Aquele médico me encaminhou para a Universidade de Iowa a fim de estudar opções de tratamento. Lá eles fizeram mais exames para se certificar, inclusive um que exigia que eu ficasse com um tubo na garganta durante 24 horas. Era tão insuportável que o arranquei em apenas cinco. Os médicos queriam fazer uma cirurgia chamada miotomia de Heller. Mas minha mãe quis uma segunda opinião. Pesquisou, encontrou um grupo de apoio a pacientes com acalasia e obteve o nome de um especialista.
Quando Nick e a mãe vieram me ver, percebi logo que os sintomas indicavam acalasia, que afeta apenas uma em cada cem mil pessoas. O esôfago perde a capacidade de se contrair, e o esfíncter entre o esôfago e o estômago não se abre direito quando o paciente engole, de modo que a comida fica no esôfago e é regurgitada. Para confirmar, pedi outra radiografia com contraste e uma manometria esofágica (exame no qual um tubo colocado no esôfago mede as contrações quando o paciente engole).
Como não sabemos o que provoca a acalasia, não sabemos curá-la, mas a cirurgia elimina os sintomas. A miotomia de Heller é um procedimento laparoscópico no qual o cirurgião faz cinco pequenas incisões para ter acesso à válvula entre o esôfago e o estômago e a abre para permitir que alimentos desçam com a gravidade. Nick e a mãe foram inteligentes ao procurar um especialista para fazer a operação. Como a acalasia é muito rara, a maioria dos cirurgiões faz apenas um ou dois procedimentos desses na vida inteira, mas os especialistas fazem centenas – e quanto mais se pratica essa operação, melhor o resultado.
Na manhã seguinte ao procedimento, fui ao quarto de Nick e lhe dei um copo d’água. Ele hesitou, mas então vi a absoluta surpresa nos seus olhos enquanto continuava bebendo e bebendo. Isso foi muito gratificante. Jovens como Nick podem precisar de tratamento adicional mais tarde, porque às vezes os sintomas voltam, por isso pedi que ele mandasse e-mails de vez em quando para me dizer como está.
O que eu disse ao Dr. Patti depois da cirurgia foi: “Obrigado por me devolver a vida.” Foi a melhor maneira que encontrei de explicar. Se não houvesse tratamento, eu não sei o que faria. Saí do hospital no dia seguinte, e minha primeira comida de verdade foi macarrão com queijo. Maravilhoso!
Agora como devagar, tomo antiácido todos os dias e fico longe de certos alimentos, como pão e arroz, que ainda me atrapalham. Mas, se tiver algum problema maior no futuro, tenho fé em que o Dr. Patti conseguirá dar um jeito. Por ora, agradeço por ter minha vida de volta.
No trabalho, passei a notar aquelas dorezinhas fracas no lado esquerdo do fundo da boca. Também comecei a ter dores de cabeça que duravam apenas alguns segundos. Naquele verão, tive de fazer um tratamento de canal depois de uma infecção e, como as dores duraram mais de três semanas, fui de novo ao dentista. Mas ele não conseguiu encontrar nada errado.
No outono, as dores de cabeça ficaram mais frequentes e os dentes e o pescoço começaram a doer, sempre do lado esquerdo. Voltei ao dentista, ele achou que o problema podia ser o dente do siso, e extraiu o superior esquerdo. Na semana antes do Natal, passei a ter aqueles episódios inacreditáveis de dor perfurante, como se
alguém atingisse minha mandíbula com uma picareta. Dois dias antes do Natal, a dor foi tão forte que desmaiei.
Naquela noite, marquei uma consulta com o médico da família, que pediu exames de tudo, até gripe suína. Não encontrou nada errado, mas, quando mencionei o canal e a infecção, ele receitou um antibiótico e um analgésico. Eu me lembro de ter chorado histericamente naquela noite porque ninguém conseguia me dizer o que estava acontecendo.
Tenho três filhos pequenos, mas mal consegui comemorar o Natal naquele ano. Passei o dia chorando no sofá, mas não queria ir ao pronto-socorro no feriado. Na manhã seguinte, quando chegamos lá, a dor era tão intensa que parecia que eu era eletrocutada em intervalos de poucos minutos. O coração estava disparado, a pressão tinha subido até o teto. Fizeram exames para ver se havia derrame e infarto, fizeram ressonância, tomografia, tudo – e tudo normal.
Quatro horas depois, eu dizia ao médico: “O senhor não pode afirmar que está tudo bem”, e mostrei onde era a dor esticando a mão para cobrir a têmpora esquerda, a mandíbula e o ponto debaixo do nariz. Nesse exato momento, passou outro médico que, ao ver o que eu fazia, pediu: “Querida, pode fazer isso de novo?” Quando repeti o gesto, ele disse: “Já ouviu falar de nevralgia do trigêmeo?” Disse que não, mal conseguiria pronunciar o nome. E ele perguntou: “A dor é provocada por algo como o vento batendo no rosto?” e respondi: “Meu Deus, é sim!” Ele me recomendou um neurologista. Até hoje não sei quem era aquele médico, mas ele salvou minha vida.
Comecei a ler tudo o que consegui encontrar na Internet sobre o assunto, e foi assim que soube de uma cirurgia na Johns Hopkins que poderia curar essa doença.
Quando veio me consultar, Diane estava desesperada em busca de alívio duradouro, além da confirmação de que tinha mesmo nevralgia do trigêmeo. A descrição – dor aguda e perfurante com intervalos regulares, e o tipo de deflagrador – era claramente dos sintomas clássicos, que, pelo que se acredita, são causados por uma artéria que pressiona o nervo trigêmeo do rosto. Com o passar dos anos, o pulsar da artéria desgasta o isolamento do nervo (a chamada bainha de mielina) até expor as terminações nervosas, resultando em dor extrema.
A nevralgia do trigêmeo não é comum, mas é conhecida há muito tempo. Chegou até a ser mencionada no romance Moby Dick. Também é chamada de doença do suicídio, porque a dor faz algumas pessoas quererem se matar. Na literatura médica, temos algumas pequenas citações sobre nevralgia do trigêmeo enterradas no meio de outros deflagradores de dor facial, e é compreensível que os médicos de Diane não tenham pensado nisso.
Pedi uma ressonância magnética de alta resolução, que mostrou que a artéria de Diane comprimia o nervo, e conversei com ela sobre um procedimento cirúrgico chamado descompressão microvascular, que costumo recomendar a pacientes jovens como ela por ser o tratamento mais durável. Fizemos a operação de Diane naquele mês de julho, com uma incisão atrás da orelha e a perfuração do osso para afastar a artéria do nervo e pôr entre eles uma almofada de Teflon. A artéria de Diane pressionava o nervo com tanta intensidade que, quando a soltei, vi que deixara uma marquinha no nervo. A maioria dos pacientes fica grogue depois da cirurgia, mas lembro que Diane abriu os olhos e literalmente chorou de alegria.
Nunca esquecerei a hora em que acordei e disse “não posso acreditar que a dor sumiu!” e o Dr. Lim sorriu de orelha a orelha. Senti que meu rosto estava inteiro de novo. O Dr. Lim disse que, quando me abriu, os vasos comprimiam tanto o nervo que poderiam estar assim havia muito tempo, e acredito que o canal tenha exacerbado o problema.
Hoje, estou perfeita. Houve uma época em que não conseguia pensar que seria capaz de voltar a sorrir e ser feliz com minha família. Depois da cirurgia, passei a cuidar bem melhor da saúde e a frequentar a academia cinco dias por semana. Nem preciso mais tomar analgésicos, estou curada mesmo!