Você já ouviu falar sobre os encantos de Taiwan, na Ásia? Leia esse relato de viagem emocionante presente na edição de novembro da Seleções!
Redação | 1 de Novembro de 2020 às 08:00
Com um toque do apito e um guincho metálico, o trem da Ferrovia da Floresta Alisha parte ribombando de Chiayi, cidade de tamanho médio no sudoeste de Taiwan.
A confusão úmida de motocicletas rugindo e lojas de chá de bolhas (bubble tea) é trocada por plantações de noz-de-bétele e roupas penduradas nos quintais de cidadezinhas que vão de um lado a outro dos trilhos, construídos inicialmente para lenhadores.
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O trem, uma atração popular que leva os viajantes para cima e para baixo
nas montanhas, passa por arrozais e laranjais tão próximos que eu quase
consigo estender a mão pela janela e pegar as frutas. Bambu e cana-de açúcar fazem cócegas nas laterais do trem.
Enquanto serpenteamos rumo ao pico, fazendo curvas em Z e passando por túneis cobertos de limo, a vista some atrás de um véu de névoa fria presa a antigos ciprestes-de-folha-caduca, cujas raízes do tamanho de cobras cobrem o chão como macarrão na sopa.
Esta é uma terra onde o viajante pode ir da costa tropical às montanhas elevadas e à floresta densa em menos de duas horas – parte do encanto de explorar esse país em forma de berinjela, com cerca de metade do tamanho da Irlanda.
Alishan é uma de minhas paradas favoritas numa viagem terrestre pelo
país que começa na capital, Taipei, no norte, continua por alguns dos nove parques nacionais, cheios de fontes de água quente, cachoeiras, desfiladeiros e floresta tropical, por picos de montanhas envoltos em nuvens e chega às praias cristalinas do extremo sul.
Taiwan mora em meu coração desde que vim pela primeira vez em 2012, numa viagem de oito meses pela Ásia durante um ano sabático.
Minha guia foi uma garota chamada Etty, com quem fiz contato através da rede de hospitalidade CouchSurfing e me encontrei para um café em Bangcoc a fim de trocar dicas de viagem (ela planejava visitar a Holanda, meu país natal).
Por acaso, estivemos em Taiwan na mesma época, e acabei conhecendo seus pais na segunda cidade do país, Taichung, cheia de arranha-céus e feiras noturnas fumegantes, iluminadas por luz neon.
Logo planejávamos viagens por Japão, Camboja e Sri Lanka, e percebemos que aquele era mais do que um namorico de férias. Assim, nos mudamos para Bangcoc e hoje estamos casados e temos um filho de 1 ano que tem sobrenomes taiwanês e holandês.
Em visitas a Taichung duas ou três vezes por ano, passei a ver a cidade pelos olhos da minha mulher como um tipo de lar, um lugar de mesa lotada no jantar e brindes a Popo, a falecida avó de Etty, com licor de sorgo kaoliang.
Às vezes, com a sopa de macarrão e carne da tia Chao na mesa, meu sogro fica com os olhos marejados ao falar do nascer do sol no Yushan, o pico culminante de Taiwan, ou das paisagens vulcânicas, das cerejeiras floridas e das cachoeiras borbulhantes do Parque Nacional de Yangmingshan, na
extremidade norte de Taipei.
Gestor florestal aposentado, meu sogro ajudou a criar alguns parques
nacionais e foi enviado a muitos cantos selvagens do país. Ele nos lembra
que 60% da ilha são cobertos de florestas e que foi por bons motivos que
os marinheiros portugueses a chamaram de Formosa quando vieram parar
aqui no século 16.
No século 17, Taiwan foi dominada por holandeses e espanhóis; depois,
completamente controlada pelos chineses continentais, até ser invadida
pelos japoneses em 1895.
Os novos governantes construíram ferrovias, túneis e fábricas e transformaram Taiwan num fornecedor para a indústria próspera do Japão até serem expulsos após a Segunda Guerra Mundial.
Chiang Kai-shek, o líder nacionalista chinês que fugiu dos comunistas da China continental para criar seu baluarte em Taiwan, vislumbrou uma sociedade confuciana com respeito ao passado, ao lado de uma forma de capitalismo favorável ao Ocidente.
Mesmo quando o país emergiu como um dos quatro Tigres Asiáticos, a cultura gentil que ele alimentou permaneceu.
Sinto a influência japonesa em Jiufen, cidade nas montanhas luxuriantes a leste de Taipei e uma de minhas primeiras paradas. Suas casas de chá nas encostas e becos forrados de lanternas foram construídas principalmente por garimpeiros japoneses atrás de ouro no fim do século 19.
Hoje, a maioria dos visitantes ainda é de japoneses, embora venham principalmente porque dizem que Jiufen é uma das inspirações para o cenário do desenho animado A viagem de Chihiro.
Subimos a pé as planícies gramadas até uma pilha de rochedos colossais no alto da Montanha da Chaleira (Teapot Mountain) enquanto o guia taiwanês de voz mansa Steven Chang fala das mô-sîn-á, criaturas do folclore que fariam os caminhantes se perderem.
Do pico, vejo um solitário pavilhão octogonal no alto de uma montanha escarpada e distante. No vale atrás de mim ficam as ruínas de um santuário xintoísta japonês; mais além, o nada azul-escuro do Mar da China Oriental.
Suas cúpulas se elevam nos bairros suburbanos e nas florestas distantes, encimados por fênix e dragões multicoloridos e cenas complexas que dançam nas empenas de um telhado a outro.
Cada pena, cada garra escamosa, cada suíça é meticulosamente criada com cacos de louça e ladrilhos – um artesanato chinês tradicional que murchou no continente junto com a religião. Em Taiwan, taoísmo, budismo, cristianismo e costumes folclóricos singulares prosperaram juntos.
Vamos de carro a Shitoushan, 90 minutos a sudoeste de Taipei, passando por arrozais verdejantes e vilarejos de uma só rua onde mulheres com chapéus xadrez pegam toranjas graúdas e repolhos do tamanho de bolas de futebol na traseira de caminhões abertos.
Esta noite, nosso lar é o templo taoísta Quanhua, uma mistura de escadas, pagodes e grous de cerâmica construída num penhasco de arenito.
Vou à varanda e encontro um céu dourado, o ar docemente perfumado pelo incenso fumegante. O vale ressoa com o canto dos grilos e o murmúrio da oração, só interrompido pelo toque ocasional de um gongo.
Em algum ponto a distância, ouço um gemido. Saio do templo para rastrear
a fonte e descubro um pequeno santuário embutido numa caverna. Uma mulher vestida com um agasalho atlético cor-de-rosa chora diante do altar.
Um homem baixo e grisalho vem até mim e explica que a mulher está ouvindo vozes do outro mundo.
“É a língua dos deuses”, conclui enquanto a mulher dá saltos extasiados de bailarina. “Ela tem o dom.”
Naquela noite, vou me deitar às oito, ainda ouvindo versos de orações vindos dos alto-falantes do mosteiro.
Ao sul de Shitoushan, a estrada central que cruza a ilha liga o oeste populoso de Taiwan ao leste selvagem, passando pelos picos e desfiladeiros do Parque Nacional Taroko, e chega finalmente ao penhasco de Qingshui, 21 quilômetros de precipícios cobertos de floresta que mergulham quase verticalmente no Oceano Pacífico.
Paramos no belvedere do Túnel das Nove Curvas, onde vozes coreanas,
tailandesas e japonesas se misturam ao gorgolejar hipnótico das cataratas
que caem milhares de metros na garganta.
Andorinhas mergulham e sobem de penhascos que são como camadas de bolo de mármore. Lá embaixo, o Rio Liwu esbraveja em torno de pedras gigantescas.
Mais para o interior, somos só nós e a estrada, túneis negros e silenciosos
se abrindo em florestas de bambu ou aldeias interessantes cobertas de
musgo.
O Sr. Wang, motorista nesse trecho da viagem, às vezes rompe o silêncio para falar de encontros com o urso-negro de Formosa, as caçadas de javalis e as emboscadas de macacos selvagens.
Uma história é interrompida pelo som de um tiro a distância. “Ratos da montanha”, resmunga ele, falando dos caçadores ilegais que matam javalis selvagens e muntiacos, um tipo de cervo. “Mas nada comparado às tribos de caçadores de cabeças que já percorreram essas florestas.”
Latas de cerveja, cigarros e nozes da areca enroladas em folhas de bétele estão dispostos em muros em ruínas à beira da estrada como gritos folclóricos evocando a boa sorte.
Quando subimos e a pressão aumenta em nossos tímpanos, agulhas substituem a folhagem tropical. Os picos cobertos de coníferas se aconchegam como gigantes de costas peludas.
A estrada finalmente chega ao Lago do Sol e da Lua. Entramos num restaurante sem graça para comer sopa de macarrão com carne em mesas redondas de fórmica, a luz fluorescente refletida na película oleosa da sopa. Da cozinha vem o chaque-chaque da colher de pau batendo num wok no fogo.
Atrás de nós, uma senhora vende “bebida de ovo de rã” – limonada de quincã com sementes de manjericão.
Passo a maior parte da tarde reclinado à beira do lago, observando esquilos de rabo peludo furtarem mamão dos vendedores e ouvindo um violinista solitário arranhar canções folclóricas chinesas.
Ao sul do lago, paramos para visitar uma das plantações de chá da região, que produz um oolong tão valorizado quanto champanhe. Entre duas dos milhares de filas arrumadas de arbustos, encontramos um grupo de colhedores de chá, com o chapéu tradicional coberto com panos coloridos decorados com Hello Kitty.
Um cinquentão com o sorriso negro de noz-de-bétele nos chama com a mão e me mostra uma lâmina de barbear colada com fita adesiva no dedo indicador da luva.
“Colhemos todo o nosso chá à mão”, diz ele. “Nada de máquina. Só as folhas mais novas, a melhor qualidade.”
Mais para o sul surge uma Taiwan diferente que recordo desde a primeira viagem. Os dialetos são mais complicados do que o mandarim nítido do norte, a comida mais doce. Todos os lugares parecem se banhar num brilho dourado permanente.
Paramos num gigantesco abacaxi de fibra de vidro, guarnecido por uma mulher chilreante de chapéu de palha esfarrapado. “Nunca vi estrangeiros pararem aqui”, comenta ela ao me entregar uma fatia de abacaxi.
Mal consigo terminar uma fatia e há outra em minha mão; quando tentamos ir embora, ela sai correndo com três garrafas de suco da fruta.
Quem já visitou Taiwan ou conheceu minha sogra sabe que isso é típico de um país onde “Já comeu?” é a primeira pergunta que todos fazem.
Na manhã seguinte, chegamos a Dulan, cidade à beira-mar onde palmeiras
sopradas pelo vento cobrem a terra entre o mar e as montanhas. Lojinhas
de bairro se alternam com pousadas e duas escolas de surfe na rua principal.
Na pousada WaGaLiGong, onde murais psicodélicos cobrem a fachada ladrilhada, conheço Mark Jackson, um dos donos, surfista de Durban, na
África do Sul, que chegou 17 anos atrás.
“Quando vi este lugar pela primeira vez, as cores me impressionaram”, recorda ele. “Aqui tem um ritmo próprio.”
Sobre as obras de construção de um resort nas montanhas próximas, Mark
dá de ombros e diz: “Não vai ficar assim para sempre.”
Nada fica. Mas, sentado na praia de areia preta a leste de Dulan, observando os surfistas remarem rumo às ondas, tenho aquela sensação feliz de estranhamento de minha primeira viagem para cá. Taiwan ainda parece diferente do resto da Ásia.
Talvez tenha se tornado quase um lar, mas continua a ser um lugar totalmente diferente.
A melhor época para visitar Taiwan é entre novembro e abril, quando o clima geralmente é seco e agradável. Os verões são muito quentes (mais de 30°C) e úmidos, e a temporada de tufões vai de junho a outubro.
A China Airlines, empresa aérea nacional de Taiwan, tem voos sem escalas de Amsterdã, Frankfurt, Paris e Londres a Taipei. As principais empresas europeias e asiáticas, como KLM e EVA Air, têm voos para Taipei, sem escalas ou com conexões na Ásia.
Hoshinoya Guguan, cercado por montanhas de 3 mil metros no enclave de fontes quentes de Guguan, tem 50 quartos, cada um com seu onsen vindo da montanha.
Quartos duplos a partir de 455 euros, hoshinoya.com/guguan; Villa 32, nas fontes quentes de Beitou, no verdejante Parque Nacional de Yangmingshan, ao norte de Taipei, com opção de suítes ocidentais com piso de mármore ou japonesas com tatame, quartos duplos a partir de 655 euros, villa32.com; The Lalu ocupa o ponto com vista mais bonito do Lago do Sol e da Lua, quartos duplos a partir de 615 euros, thelalu.com.tw.
Remote Lands realiza viagens de sete dias em Taiwan, a partir de 520 euros por pessoa por dia, com base em quartos duplos, remotelands.com; Intrepid Travel tem viagens a partir de 210 euros por pessoa por dia, intrepidtravel.com.