Conheça a cidade de Baku, capital do Azerbaijão, que ressurge impulsionada pela riqueza do petróleo.
Redação | 7 de Fevereiro de 2019 às 12:30
Viaje por Baku, a capital que está se refazendo como uma cidade ousada e vibrante, abrandada por hábitos tradicionais:
Estamos jantando em mesas vizinhas, Afa e eu, em Firuze, um restaurante popular no centro de Baku, capital do Azerbaijão. Com cerca de 50 anos, Afa passou metade da vida livre da hegemonia soviética. Mas fala russo com a filha adolescente. Bebe vodca. E pede Frango à Kiev, prato que leva o nome de outra capital que os soviéticos dominavam.
Aytac, a filha de Afa, poderia ter saído diretamente de um desfile de moda. Usa uma blusa branca que deixa os braços e ombros à mostra e não poupou delineador. Está comendo sulukhingal, prato azeri tradicional de carneiro, grão-de-bico e macarrão. Ela me diz que prefere o idioma azeri ao russo e que está se esforçando para dominar o inglês, “porque é o futuro”.
É quarta-feira à noite. Acabei de chegar a Baku, que fica empoleirada no Mar Cáspio entre a Rússia, ao norte, e o Irã, ao sul. Já sinto a turbulência cultural desta capital.
Não é apenas intergeracional; na mesa à esquerda há um homem sentado com duas mulheres vestidas com o hijabe islâmico. “Estamos vendo isso cada vez mais”, observa Aytac.
Sua família é muçulmana, como 97% dos azerbaijanos, mas ela nunca foi praticante. A fé, porém, faz parte de sua vida. “Sou deísta”, explica. Quando lhe pergunto se a mãe é muçulmana, Aytac dá de ombros. “Ela não sabe o que é.”
Baku sempre ficou numa encruzilhada.
Durante séculos, foi negligenciada sob o controle dos persas, russos ou turcos. Agora, a cidade e o país vivem um surto de progresso, embora turvado pelo governo autoritário, pelas vicissitudes da economia do petróleo e pelo desafio de integrar costumes islâmicos a secularismo ocidental. “Falamos russo, nossos nomes são islâmicos ou persas, tentamos ser turcos”, me diz o cineasta azeri Teymur Hajiyev na noite seguinte, num restaurante tradicional ao lado de um muro de pedra com quase mil anos. “Temos uma cultura frankenstein. Ainda não descobrimos o que significa ser azerbaijano.”
Enquanto se esforçam para se definir, os mais de 2 milhões de habitantes de Baku moram num lugar que não se parece com nenhum outro. Seus governantes sempre apreciaram gestos arquitetônicos grandiosos, desde o palácio dos Shirvanshás, com sua cúpula do século 15, até as mansões ornamentadas do início da extração do petróleo e os robustos prédios comerciais construídos pela União Soviética. Agora a família Aliyev, que preside o Azerbaijão desde 1993, deu um novo nível de ambição à construção civil, com um aeroporto ultramoderno, instalações esportivas cintilantes, um grande monumento de guerra e shoppings que parecem espaçonaves.
O presidente Ilham Aliyev, que sucedeu ao pai Heydar, ex-líder do Politburo, governa o país como um emir do Golfo Pérsico e usa o dinheiro do governo, abundante quando o preço do petróleo sobe, para fazer o mundo tomar consciência da cidade.
Baku recebeu a Olimpíada Mundial de Xadrez, os Jogos Europeus, o Festival de Música Eurovision e corridas do Grand Prix de Fórmula 1 e, sem sucesso, foi candidata a sediar as Olimpíadas.
O imenso centro Heydar Aliyev já foi comparado com uma baleia, uma geleira e um terminal de aeroporto. Nenhuma dessas comparações é justa com o prédio. Visto de qualquer ângulo, ele parece estar em movimento, com sua brancura sinuosa atingindo um pico e descendo em ondas pelo outro lado. A oeste, à beira-d’água, há outro prédio extraordinário. O Museu do Tapete do Azerbaijão, baixo e tubular, foi projetado para lembrar um tapete enrolado. Toda vez que passo por ele, sorrio.
E, embora dois dos três arranha-céus curvos e revestidos de vidro conhecidos como as Torres das Três Chamas tenham poucos moradores, eles se tornaram o novo símbolo de Baku, superando a milenar Torre da Donzela, que já fez parte das fortificações da cidade. Nem todo mundo está contente com isso.
“Baku era uma pequena Paris”,me diz a artista e ativista social Sitara Ibrahimova. “Agora se tornou uma pequena Dubai.”
Ibrahimova me leva para ver duas instalações suas no Centro Yarat de Arte Contemporânea. Numa, ela se filmou no Mar Cáspio, esfregando óleo negro nos braços. E explica que é uma “reflexão sobre a importância avassaladora do recurso no enquadramento do inconsciente coletivo do país”.
Naquela noite, vou com ela ao Kefli, um reluzente barzinho no centro de Baku. Eu poderia estar em Moscou ou no Brooklyn, só que todos os mais de 90 vinhos da carta são azeris. Rufat Shirinov, advogado de 30 anos que é um dos donos do Kefli, me diz que abriu o bar como um tipo de ato patriótico. “Muitas coisas tipicamente azeris se perderam nos anos soviéticos”, diz ele.
Shirinov me serve dois vinhos feitos com a uva local Madrasa e em seguida um Bayan Shira branco. São melhores como declarações políticas do que como bebida, mas os vinhos se mostram palatáveis para os jovens de 20 e poucos anos que me cercam. A cena me lembra Budapeste ou Praga logo depois da queda do bloco oriental – só que esses não são novos turistas numa aventura juvenil. São moradores locais que conversam em russo e azeri e aproveitam o fruto da prosperidade crescente do país.
Com o passar dos séculos, os azeris adaptaram-se para sobreviver.
Curvaram-se à vontade dos persas e alinharam-se com os russos, mas nunca se submeteram. “A melhor maneira de manter nossa identidade, esse núcleo de idioma, música e culinária que nos diferencia dos vizinhos, foi pela flexibilidade”, explica Fuad Akhundov, entusiasta da história. Isso levou à tolerância. Não é por acaso que três comunidades judaicas distintas sobre- viveram a paxás, califas e comissários.
Apesar dos temores de Ibrahimova, Baku nunca se transformaria em Dubai. Este é um lugar antigo. De manhã cedo, perambulo pela Cidade Interior murada, boa parte dela construída entre os séculos 12 e 16. Observo a Mesquita Maomé e seu minarete, chamado de Torre Quebrada após ser bombardeado por navios de guerra russos na década de 1720 (depois, reconstruído). Quando passa uma fila de pré-adolescentes de uniforme azul e branco, percebo que o labirinto de ruas e becos à minha volta é mais do que uma atração turística e um patrimônio da humanidade. É um bairro vivo.
A maioria das cidades prefere prédios sólidos e bonitos a estruturas em ruínas, mas fico me perguntando se a mania de restauração de Baku não foi longe demais.
“O problema”, diz uma moça chamada Ayan, “é que a gente não consegue mais saber o que é novo e o que é velho.” A Mesquita Maomé foi devolvida à cor dourada original com a remoção de séculos de história. As mansões históricas, construídas no século 19 com dinheiro vindo do petróleo, extraído em Baku desde o século 3º, também foram areadas numa limpeza genérica.
“O petróleo fez Baku”, me conta o engenheiro mecânico Zohrab Huseynov, que trabalha no setor petrolífero, na noite em que dividimos um táxi. “A razão de Baku ser grande, bela, feia e lotada é o petróleo.”
Entre as primorosas residências do petróleo estão a Mansão Mukhtarov, reprodução de um palácio veneziano que hoje serve de cenário para casamentos, e a Mansão Hajinski, que abriga apartamentos e lojas de luxo.
Parecem ter sido construídas com o dinheiro do petróleo de hoje, não há um século.
Não consigo me inquietar muito com isso. A história dos lugares transcende seus prédios. Num fim de manhã, entro no Taze Bey Hammam, banho turco tradicional que funciona sem parar há mais de um século. Estou num saguão decorado com esculturas em madeira, animais empalhados, fotos e mais miscelânea. O lugar cheira a cigarros turcos.
Registro-me e troco minhas roupas por uma toalha. Quando entro na sauna, perco o fôlego: é a mais quente que já vi. “Cem graus”, me avisa o atendente – e ele não fala em graus Fahrenheit.
Calor, um mergulho em água fria e sou levado para a sala do vapor. Em meio à névoa, vejo o atendente que põe ramos com folhas sob um chafariz. Quando ele os sacode sobre mim, as gotículas d’água me dão um arrepio de prazer. Então ele bate as folhas ritmicamente em minhas costas e meus braços. Fecho os olhos e penso nas centenas de milhares de homens que, com o passar dos séculos, se submeteram ao mesmo tratamento nesta parte do mundo. Raramente senti uma ligação tão viva com o passado. Quando a sessão termina, levo alguns instantes para me lembrar de onde estou. E de quem sou.
Baku tem cerca de 150 hotéis. O Premier Old Gates Hotel, de preços módicos, deixa tudo aconchegante com tapetes azeris e papel de parede com arabescos; os quartos de cima têm vista para o Mar Cáspio e as antigas muralhas de Baku. Quartos duplos a 65 euros. O Fairmont Baku Flame Towers oferece janelas do chão ao teto e decoração moderna. Quartos duplos a partir de 140 euros.
Pratos de carne são servidos no estilo da Rota da Seda no Manqal, coberto de tapetes; rua Kichik Gala, 126; em média, a conta fica abaixo de 12 euros. Minúsculo e sempre cheio, o restaurante Piti-Haneh ficou famoso, no boca a boca, pela carne de porco. Há kutab (pão árabe recheado) e outras comidas de rua nos quiosques junto aos portões da cidade.
O legado do Azerbaijão como cruzamento de culturas ganha vida no Taza Bazaar, mercado que vende temperos aromáticos, frutas secas, queijos, chás locais e frutos do mar.