Dê uma olhada em Bruxelas, capital belga, e encontrará muita arte de vanguarda, antiguidades e ousadia na culinária e nos coquetéis!
“Literalmente, não há nada para fazer aqui”, disse certa vez o músico britânico Noel Gallagher sobre Bruxelas, essa incubadora de diretivas políticas. Ele não foi o primeiro. Em toda a Europa, a capital belga, sede de muitas instituições da União Europeia, não é muito conhecida pelo espírito do rock’n’roll. Mas Gallagher e muitos de nós deveríamos olhar Bruxelas com mais atenção.
É claro que ele não teve a oportunidade de admirar os grafites, as instalações de vanguarda nem as criações conceituais nos novos espaços artísticos da cidade. Nem comprar antiguidades nos muitos antiquários e butiques de peças retrô. Ou provar os pratos inovadores dos restaurantes de culinária neobelga e fusion belga. Nem tomar os coquetéis primorosos de um dos bares mais chiques.
Os ataques terroristas de Paris em novembro de 2015, planejados em Bruxelas, e os ataques suicidas ao aeroporto e à estação de metrô da cidade em março de 2016 foram uma tragédia. Mas Bruxelas se recuperou.
Sexta-feira
16h – Meio Kitsch, mas legal
Nova York tem a Estátua da Liberdade, Paris tem a Torre Eiffel e Bruxelas se gaba de uma enorme estrutura prateada no modelo de um cristal de ferro ampliado 165 bilhões de vezes chamado Atomium. Construído na década de 1950, a treliça de esferas e tubos com uns 90 metros de altura é meio kitsch. Mas legal, principalmente pela vista do café retrô-futurista no alto. Relíquias mais fascinantes do século 20 aguardam depois da esquina, no ADAM, o Museu do Design de Bruxelas, inaugurado em 2015.
Passe pela entrada projetada pelo arquiteto francês Jean Nouvel e entre no Plasticarium, uma coleção enorme e permanente de cerca de 2 mil peças: mobília, eletrodomésticos, interiores e obras de arte de plástico de cores vivas. De cadeiras de bolha à recriação de uma boate da década de 1960, as obras formam uma fascinante cápsula do tempo e vitrine de design. A entrada combinada para o Atomium e o ADAM custa 15 euros.
20h – Tratamento especial
Projetado pelo famoso arquiteto belga Victor Horta, o Palais des Beaux-Arts (também chamado de Bozar) é famoso pelas exposições internacionais de arte, filmes e concertos. E agora também é um destino gastronômico graças ao Bozar Restaurant, que ganhou sua primeira estrela do guia Michelin em 2016. No interior art déco, a chef Karen Torosyan cria cardápios com vários pratos que mudam sempre (a partir de 49 euros) e uma seleção à la carte de pratos sazonais neobelgas.
Os patês com crosta de pão podem incluir uma mistura de pato, ganso e porco preto, acompanhados por uma espiral de legumes coloridos, como cenoura e beterraba, enquanto o guisado tradicional de coelho vem lentamente cozido, com involtinis que lembram rocambole de carne e um molho cítrico feito de Kriek, a cerveja belga de ginja. Três pratos custam a partir de 100 euros.
22h – Remédio singular
A sobriedade é uma doença? Se for, La Pharmacie Anglaise (“a farmácia inglesa”) receita remédios alcoólicos num ambiente que sugere o salão do século 19 de um depravado lorde inglês. Revestido de madeira, o bar é decorado com tapetes orientais, poltronas, equipamento antiquado de laboratório. E, mais notadamente, ossos, maxilares e vidros que conservam roedores, répteis e outras criaturas.
A ciência mais gostosa acontece atrás do balcão, onde os bartenders produzem os coquetéis da casa. Como Sunny G&T (gim Hendrick’s, cordial de hibisco e pepino, água tônica, 14 euros) e Honeymoon (uísque, cordial de mel de pera, Amaro Montenegro e bitter de noz-preta, 14 euros).
Sábado
10h – Hábitats naturais
Victor Horta e seus contemporâneos foram pioneiros do Art Nouveau, estilo que levou as cores e formas da natureza à mobília, à arte e à arquitetura, e seu trabalho é visível na cidade em fachadas dos bairros vizinhos de Saint-Gilles e Châtelain. Admire a decoração de trepadeiras do próprio Horta na Rue Américaine, 25 (que abriga o Horta Museum), antes de ir para a Rue Africaine, 92, notável pela grande janela circular.
O prédio da Rue de Florence, 13, é um espécime sóbrio de pedra, enquanto o da Rue Faider, 83, exibe um mural maravilhoso no andar de cima, com mulheres num mar de flores e estrelas. Dois edifícios acenam na Rue Defacqz. O número 48 é adornado com imagens mitológicas douradas e o número 72 incorpora grades de ferro que parecem plantas verdes.
12h – O prato da vez
Se não tiver uma boa tia belga para cozinhar para você, recorra a Magalie Boutemy. Enfiado na elegante Rue du Page, seu restaurante L’épicerie mais parece uma residência. Graças ao assoalho de tábua corrida, às mesas de fazenda e à cozinha simples no estilo Velho Mundo. Os frequentadores vêm apreciar o clima amistoso e o saudável prato especial do dia – é um só, sem cardápio –, que pode ser carne de porco ao molho de missô com folhas de shissô ou arroz e bacalhau ao mel e shoyu com legumes crocantes. Não perca a sobremesa do dia, que recentemente era um pão de ló de cereja. Almoço para dois por cerca de 35 euros.
14h – A trilha de papel
Digamos que você quisesse calçar os patins de gelo, pôr um CD do Scorpions para tocar e tilintar ao longo de um piano de armário enquanto toma cerveja num copo antigo. Esses sonhos podem se realizar em Les Petits Riens, um empório vizinho com vários andares de coisas usadas que variam de tambores africanos a malas antigas. O bairro também atrai o povo literário, graças à Peinture Fraîche – uma livraria e galeria de arte que vende volumes sobre arte, design e arquitetura impecavelmente escolhidos. E à Le Typographe, o éden dos amantes do papel, com cadernos feitos à mão, diários, papel de carta e outros produtos impressos no local.
16h – Estudos urbanos
Coisas legais acontecem no novo Millennium Iconoclast Museum of Art (MIMA), uma antiga cervejaria cujas instalações industriais reformadas agora borbulham arte contemporânea. A coleção permanente do museu tende à arte das ruas, ao grafite, ao design gráfico e a obras pop cheias de cor, irreverência e peraltice. Basta observar a grande escultura do artista holandês Parra: um tomate com pernas, que jaz indefeso no chão. Múltiplas exposições temporárias também enchem a programação. Entrada, 9,50 euros.
19h – Uma viagem culinária
Pronto para voar? O nome de destinos internacionais – Quioto, Berlim, México – está escrito com estêncil nas paredes coloridas do San, um lugar aconchegante aberto em 2015 pelo chef belga-coreano Sang-Hoon Degeimbre. Os nomes também adornam o cardápio (65 euros), no qual cada um dos cinco pratos noturnos tem o nome e a inspiração de algum lugar da Terra.
Meu itinerário começou em Murringen, na Bélgica (um veludoso tartar de carne bovina com amêijoas bem temperadas num caldo floral de bergamota), foi para Deshaies, em Guadalupe (carolinas de bacalhau num pesto picante de pimentão-vermelho), voltou para Liernu, na Bélgica (legumes temperados num molho doce de cebola), antes de seguir para a ilha sul-coreana de Jeju (suculentos cubos de carne de porco com repolho e trigo-sarraceno tostado) e Dublin (panna cotta de uísque com sorbet de chocolate e lascas queimadas de queijo Gruyère). A almofada de pescoço não é fornecida.
21h – Cerveja e plantas
“Saia da abadia, venha brincar na pracinha” é o lema do Brussels Beer Project, uma microcervejaria dedicada a trazer para o século 21 a histórica tradição cervejeira belga. Relaxe num saco de cevada e faça seu pedido numa seleção sempre diferente que pode incluir a Delta Ipa (revigorante, amarga e floral). Eles oferecem 20 minutos de visita de prova de cervejas por 14 euros. Ali perto, no Life Is Beautiful, cactos pendem do teto e vasos de planta se espalham pelo salão à luz de velas. Nesse espaço aberto em 2016, os coquetéis inspirados na flora nos transportam para o Caribe. Com um Tempestade Caribenha com base de rum ou O Vovô Está Maluco, com creme de castanha. Os coquetéis custam entre 10 e 13 euros.
Domingo
11h – A Bruxela de Bruegel
No que tange à arte, esta é a cidade de Magritte. Dois museus são inteiramente dedicados ao mestre da estranheza, e as imagens de seu homem com chapéu-coco enchem a cidade. Mas Pieter Bruegel, o Velho, também morou em Bruxelas, e as ações do pintor do Renascimento vêm subindo, porque neste ano se comemora o 450-º aniversário de sua morte.
No Museu de Arte Antiga há uma sala cinematográfica e numerosos tutoriais interativos dedicados a suas obras-primas. Entre elas está A queda dos anjos rebeldes, um sonho febril apocalíptico com o arcanjo Miguel combatendo um dragão de sete cabeças. Rubens, Rembrandt e Bosch estão entre os outros sucessos da coleção. Entrada, 10 euros.
13h – Compre belga
O orgulho belga banha a Rue Haute, onde butiques chiques promovem produtos e design nacionais, alguns feitos à mão no local. O Atelier en Ville, um espaço vasto como um hangar, é uma combinação de café, loja de roupas e estúdio de móveis que constrói e vende de tudo. Desde estantes neoindustriais a abajures artísticos.
Belge Une Fois se concentra em roupas, joias, obras de arte e outros itens de dezenas de projetistas e marcas belgas, com luminárias em forma de garra jacaré e sacolas com letras grandes. E, se você ainda não descobriu totalmente a cidade, o volume The 500 Hidden Secrets of Brussels [“Os 500 segredos ocultos de Bruxelas”] está entre os muitos livros, cartazes e cartões-postais que mostram a cidade na Vanclever.
por Seth Sherwood, adaptado do New York Times