Navegamos rumo oeste até o centro da baía de Skjálfandi. Em torno da embarcação, tudo – terra, céu, mar – é alguma variação de cinza, a não ser nossos
Redação | 1 de Abril de 2020 às 01:01
Navegamos rumo oeste até o centro da baía de Skjálfandi. Em torno da embarcação, tudo – terra, céu, mar – é alguma variação de cinza, a não ser nossos macacões de sobrevivência vermelho-cereja. Meus colegas enjoados com o mar se inclinam na amurada e espiam estoicamente a distância.
A princípio, os animais selvagens se limitam a aves: albatrozes, andorinhas-do-ártico, araus negros com manchas brancas nas asas. Mas não estamos aqui atrás de aves.
Todos nós – ouço japonês, francês, inglês, alemão e idiomas escandinavos que não consigo distinguir entre si – estamos atrás de baleias. Não dá para confiar que elas vão aparecer quando quisermos, diz nosso guia da North Sailing. Aqui é o Atlântico Norte, não o Sea World.
Assim, esperamos. Mando e-mail para meu senhorio, meu chefe e uma mulher que quer me comprar um jarro antigo. Então, ouvimos: uma baleia vem à superfície e solta o ar pelas narinas. Soa como um puf imenso e úmido. Então, de repente, uma cauda preta e lustrosa sobe e desce na água. Todos no barco correm na direção do cetáceo, escorregando no convés molhado.
A jubarte desliza inconstante perto da superfície antes de voltar a mergulhar. Logo, é seguida por um barco de uma empresa turística concorrente, cujos passageiros são exatamente iguais a nós, só que com roupas pretas e amarelo fluorescente. Às vezes, a baleia passa logo abaixo da superfície, talvez a 15 metros de nós, e só vemos seu contorno imenso.
Outro barco chega, os passageiros vestidos de laranja-néon. Os barcos seguem as baleias. Às vezes, temos o melhor ângulo de visão; às vezes, outro barco é que tem.
Um ritmo se estabelece: tédio, a majestade das baleias, tédio, a majestade das baleias. No entanto, a majestade é cumulativa: antes de darmos meia-volta e retornar ao pequeno porto da cidade de Húsavík, capital da observação de baleias da Islândia, vimos uma dúzia delas (ou a mesma baleia 12 vezes; quem pode ter certeza?), dando reviravoltas, nadando e batendo a cauda na água.
Quando desembarcamos, me sinto eufórico. Quero que as baleias do mundo inteiro sejam felizes e vivam em segurança.
Não faz muito tempo, o país das maravilhas da Islândia, com beleza espetacular mas raramente visitado, era uma terra de cachoeiras, vulcões e gêiseres no solitário Atlântico Norte, ainda procurando seu lugar depois de séculos de domínio norueguês e dinamarquês. Então a crise econômica de 2008-2009 virou o país de cabeça para baixo e tornou barato o destino antes caríssimo.
Um ano depois, a erupção do vulcão Eyjafjallajökull, que interrompeu o tráfego aéreo, pôs a Islândia, com todo o seu esplendor geotérmico, nos noticiários do mundo inteiro. Hoje, esse país extremamente fotogênico recebe tantos turistas – 2,3 milhões em 2018 – que os visitantes superam o número de habitantes numa razão de quase sete para um.
Já estive várias vezes na Islândia, mas, como muitos visitantes, fiquei em Reykjavík, a capital, e nos arredores, indo apenas até o Círculo Dourado. As atrações desse circuito tão conhecido – o Parque Nacional Þingvellir, a cachoeira de Gullfoss, o gêiser Geysir – são espetaculares. Também são popularíssimas, ou seja, de certo modo são vítimas do próprio sucesso excepcional.
Assim, no dia seguinte à observação de baleias, decidi embarcar numa versão com carro alugado do equivalente nortista do Círculo Dourado: o Círculo de Diamante. Saio de Húsavík às 6h30 da manhã e pego 80 quilômetros de estrada sinuosa até Dettifoss, a cachoeira de maior volume da Europa, e usada na cena de abertura de Prometheus, de Ridley Scott. É impressionante e monumental.
De lá, vou para o sul até Mývatn, um lago de grande extensão que parece escocês e meditativo quando o sol fica atrás das nuvens e um campo cintilante de turquesas quando sai de lá.
A próxima parada é Goðafoss, outra cachoeira. É mais acessível do que Dettifoss – literalmente, porque não parece tanto o tipo de coisa em que alguém cai por acidente para nunca mais ser visto. Levando tudo em conta, prefiro Goðafoss (bonita) a Dettifoss (existencial).
A quarta parada é a razão de meu ritmo nada vagaroso: Deplar Farm, um hotel despretensioso mas belíssimo no vale de Fljót que é um ímã para o tipo de celebridade ou executivo de finanças que busca férias sem poupar despesas. “Você vai a Deplar!”, exclama um guia que encontro em Mývatn quando lhe mostro meu itinerário. “Eles têm a maior caixa de brinquedos do país.” E acrescenta que Justin Timberlake é fã.
Só entendo o que significa “caixa de brinquedos” algumas horas depois, quando a vejo ao seguir meu guia, um artista e montanhista chamado Thorlakur Ingolfsson. Ele usa o apelido Laki, que se pronuncia “Loki”, como o deus-vilão de Os Vingadores. Os hóspedes de Deplar têm sempre um guia, e foi uma sorte Laki ser o meu.
A pousada oferece uma miríade de atividades, de esqui com helicóptero no inverno a pescarias de salmão e passeios de caiaque no fiorde próximo, nos meses mais quentes. O equipamento para todas essas atividades fica guardado na “caixa de brinquedos”, uma cabana cheia de motoneves, botas de caminhada, raquetes de neve… tudo o que é necessário para expedições grandes e pequenas.
Por não me sentir muito esportivo, opto por uma caminhada pelos morros circundantes. Isso dá a mim e Laki tempo para discutir a melhor maneira de viajar pela Islândia. “O clima tem um impacto imenso sobre o que podemos fazer aqui”, explica ele. “O melhor a fazer é olhar a previsão pela manhã e ir aonde o tempo estiver bom.”
Isso é fácil, digo, se a gente não reservasse hotel com seis meses de antecedência. “Se puder, ser flexível é melhor”, responde ele. “Imagine o tipo de aventura que teria se alugasse um carro e seguisse o clima, se realmente explorasse um mundo que é lindo e intocado.” Consigo imaginar.
Depois, há ioga, massagem e a oportunidade de mergulhar numa piscina ao ar livre. (Espero ver a aurora boreal, mas as nuvens frustram meu desejo.) O jantar é servido às 21h e é fantástico: medalhões de carne com beterraba e alcachofra-de-jerusalém, tudo produzido no local.
Já me hospedei em hotéis do mundo inteiro, e Deplar talvez seja o melhor. Antes de adormecer, mando e-mails suplicantes aos amigos com fotos da propriedade – mesmo com neblina o dia inteiro e nuvens baixas e cinzentas, é estonteante –, pedindo que retornem comigo.
Pela manhã, saio com remorso do Deplar Farm, depois de um café da manhã com as deliciosas panquecas islandesas parecidas com crepes, polvilhadas de açúcar e frutinhas vermelhas. Dali, são cinco horas de carro até Reykjavik com céu encoberto. Mesmo sem sol, a paisagem é deslumbrante: tenho de combater o impulso de parar e tirar fotos a cada curva.
Reykjavik é tão compacta que fica fácil ver muita coisa em pouco tempo. Começo com o marco mais típico da cidade: a igreja luterana de Hallgrímskirkja, que parece ao mesmo tempo antiga e art-déco. O exterior lembra um caça a jato em pé ou, talvez, o lugar onde os elfos de um livro de Tolkien realizariam seu culto, e o interior lembra as igrejas luteranas de minha infância (leia-se: como o salão de baile de um hotel suburbano). Com 73 metros de altura, a torre de observação oferece 360 graus de uma vista soberba de Reykjavik, do porto e das montanhas ao norte.
Trezentos quilômetros ao volante, seguidos por visitas intensas a igrejas, me deixam, ao mesmo tempo, disposto a caminhar e morto de fome; assim, vou para Grandi, uma área junto ao porto que já foi industrial e hoje está mais elitizada e que é o lar do Kaffivagninn, o restaurante mais antigo da cidade. Ali, peço um prato de peixe leve e crocante com batatas (basicamente, a refeição oficial de Reykjavik).
Revigorado, sigo para minha segunda parada em Grandi: o ateliê de Olafur Eliasson. Se não reconhece o nome, talvez você conheça a obra: em 2008, ele instalou cachoeiras que pareciam flutuar 30 metros acima do rio East, em Nova York, e, mais tarde, acima do Grande Canal do palácio de Versalhes. Ele também é autor de meu livro favorito sobre a Islândia, uma coletânea de 35 imagens enviadas por islandeses de seus carros presos em rios (título: Carros em rios).
O ateliê aberto ao público fica numa antiga fábrica de peixe. Passo pelas obras de Eliasson, como Sem título (Espiral), uma espiral elevada de metal que sobe (ou desce), e então vejo o artista em pessoa. Sei que faz sentido o artista trabalhar no próprio ateliê, mas isso é demais. Fico parado, fitando, depois saio correndo o mais depressa possível. (Se você ainda não percebeu, sou fã.)
Tenho mais uma parada em Reykjavik: a Brauð & Co., que faz pretzels que talvez sejam os melhores do mundo. Compro três (um para agora, um para o futuro bem próximo, um para depois do jantar) e sigo para o heliporto. O tempo limpou, e o céu está sem nuvens para meu voo com a Reykjavik Helicopters, que divido com uma inglesa e sua filha adolescente.
Voamos da cidade para uma região geotérmica, com poças quentes borbulhantes e escapamento de vapor. Ovelhas se agarram a uma encosta, sem dúvida aproveitando o calor: é como ficar sobre a exaustão de uma lavanderia, só que o cheiro é de enxofre, e não de amaciante.
As britânicas e eu trocamos sugestões de viagem. Elas demonstram entusiasmo pelo passeio para ver a aurora boreal. “Vimos na primeira noite e não foi nada de mais”, conta a mãe. “Mas na segunda noite foi realmente uma das coisas mais maravilhosas que já vi.” Elas me mostram um aplicativo que informa a previsão positiva da aurora boreal de hoje. Como as baleias, a aurora pode aparecer. Ou não.
Quando voamos de volta para Reykjavik, concordamos que tudo é espetacular: os lagos, as montanhas, o vulcão Eyjafjallajökull a distância. Mas isso é mais maravilhoso do que as baleias? Do que a cachoeira mais volumosa do continente? Do que a vista de Hallgrímskirkja?
Se há algum problema na Islândia, é que o espetacular se torna cotidiano. Dá para se cansar da beleza natural? Posso ter chegado a esse ponto. Vou para The Retreat, o novo hotel cinco estrelas anexo ao complexo de águas termais Blue Lagoon, perto do aeroporto de Keflavík.
Na piscina, observo um influenciador do Instagram tirando fotos, sem dúvida uma ocorrência cotidiana aqui. Nesse momento, aceito a sugestão do nome do complexo de águas, “lagoa azul”, e vou para meu quarto – especificamente, para a banheira posicionada diante da vidraça que vai do chão ao teto e da chocante água turquesa lá fora.
Está na hora de dormir, mas antes dou uma olhada à procura da aurora boreal. Não a vejo, mas não sinto decepção; fico aliviado. Em certo momento, tanta beleza parece exagerada. Também é bom ter mais um motivo – além das baleias, dos vulcões, dos papagaios-do-mar e do silêncio – para voltar.
Dicas de viagem
HOSPEDAGEM:
Cercado pelas melhores lojas e restaurantes da cidade, o Alda Hotel fica a pequena distância de todas as atrações de Reykjavik, a partir de 136 euros, aldahotel.is. O elegantérrimo Hotel Berg, perto do aeroporto de Keflavík, tem piscina no último andar (ideal para ver a aurora boreal), serviço gratuito de traslado do aeroporto e aula de design escandinavo a partir de 121 euros, hotelberg.is
ATIVIDADES:
De setembro a abril é a melhor época para ver a aurora boreal. Se possível, afaste-se de áreas construídas e de outras fontes de luz artificial, planeje a tentativa de vê-la em noites claras e consulte a previsão (en.vedur.is/weather/forecasts/aurora). A observação de baleias ocorre o ano inteiro em Húsavík, Reykjavik e outros portos. As ricas áreas de alimentação da Islândia atraem mais de 20 espécies de baleia; qual você verá depende da época do ano e de onde estiver. O preço começa em 68 euros.
ETIQUETA NA PISCINA:
Segundo Alda Sigmundsdóttir, autora do The Little Book of Tourists in Iceland (O livrinho dos turistas na Islândia), as piscinas são fundamentais na cultura islandesa, e seus costumes devem ser respeitados. Antes de entrar numa piscina pública, tome um banho de chuveiro. (Sem roupas. Sem opção.) “É preciso tomar banho nu junto à piscina antes de entrar”, diz ela. “Não se banhar realmente irrita a população local.”
Mais informações: guidetoiceland.is