Na volta às aulas, comece com estas dicas sobre a crase, fusão de duas letras A, e use o acento grave com toda a confiança.
Elen Ribera | 18 de Fevereiro de 2020 às 09:00
Primeiro, vamos deixar claro: crase não é o sinal gráfico sobre a letra A. Esse é o acento grave. Crase é “a fusão ou contração de duas vogais, uma final e outra inicial, em palavras unidas pelo sentido”, segundo o Dicionário Houaiss, e é indicada pelo acento grave (`).
Crase é um fato linguístico que acontece espontaneamente, e ele não depende de nós.
Quantas vezes você já se perguntou: “Hum… aqui tem crase?” Talvez este seja o mais misterioso dos assuntos misteriosos da língua portuguesa. Mas, na verdade, não é tão difícil assim. Leia também explicações para dificuldades da língua portuguesa.
Vamos fazer um exercício de imaginação: forme uma frase com ir – praia – sextas.
Talvez você tenha pensado em “ir à praia às sextas”, ou talvez você não goste tanto assim de praia e tenha pensado imediatamente em “ir ao museu aos domingos”.
Note que a crase apareceu apenas no primeiro caso, porque ela ocorre SOMENTE antes de palavras FEMININAS determinadas pelo artigo a(s).
Isso porque a crase é a fusão de duas letras A: a primeira vem com o verbo: quem vai vai a algum lugar; a segunda vem com o substantivo praia, afinal são “a praia” e “o museu”.
Lembrando: para haver crase precisamos de duas letras A (mais à frente veremos com pronomes demonstrativos):
A – preposição + A(S) – artigo definido
No Dicionário Aurélio temos: “palavra gramatical, invariável, que liga dois elementos de uma frase, estabelecendo uma relação entre eles.” Simples!
No total, são 18 preposições, mas não se assuste, só vamos precisar da primeira: “A”.
Na mesma fonte, encontramos: “subcategoria de determinantes do nome (em português, é sempre anteposto ao substantivo) – definidos e indefinidos.”
Como precisamos da letra A, vamos ficar apenas com os pronomes definidos femininos, que são a e as.
– “Ela não assiste a filmes de terror.”
Não há crase porque filmes é uma palavra masculina e está no plural. Este A é uma preposição do conjunto assistir a.
– “Começaram a discutir.”
– “Saio do trabalho a partir das 17h.”
Não há crase porque discutir e partir são verbos, o A é uma preposição e não há artigo antes de verbo.
– “Educação a distância”
Ainda que nos pareça estranho na locução a distância, não é usado o acento grave quando a distância de que se fala não é especificada (viram algo movendo-se a distância); usa-se obrigatoriamente se é especificada (o portão ficava à distância de 4 metros).
– DE 17 horas A 19 horas – DE… A é uma expressão que determina o tempo de duração, o tempo que o acontecimento vai demorar para acabar. Tanto que podemos pensar: “Nossa, tudo isso?”
– DAS 17h ÀS 19h – DAS… ÀS é o período de uma sessão de cinema, ou qualquer outro compromisso que vai durar duas horas. Viu como é simples? A mistura dos dois não existe.
Lembrando que há crase em à uma da tarde, pois neste caso “uma” representa o numeral 1 e não o artigo indefinido.
Alguém conhece esta trova? A única coisa difícil é o craseio, que ficaria mais claro “coloco o acento grave”, mas ficaria impossível rimar.
Exemplos:
Venho da Bahia / Vou à Bahia.
Venho de Manaus / Vou a Manaus.
Com “Venho do Rio de Janeiro /Vou ao Rio de Janeiro” não há crase de jeito nenhum porque o nome Rio tem seu artigo masculino O.
Apenas por curiosidade: quem vai no rio é para se molhar ou para pescar.
“Iremos a Salvador nas férias” – A cidade não tem artigo junto a seu nome, mas, se formos à Salvador do tempo da colônia, o artigo se refere à cidade em um período específico.
Exemplos:
Gostaria de ir à Salvador do século 19.
Quero voltar à Paris dos anos 1920 para gravar o filme.
Mas atenção, pois há variações regionais. Isto é, um carioca, de férias, pode ir a Recife, mas um pernambucano que o receba pode saudá-lo: “Bem-vindo ao Recife”. Eles tratam como o Recife.
“Maria, José e Jesus tiveram suas histórias contadas.”
“Agora, a infeliz Inês de Castro já é morta.”
Na gramática de Evanildo Bechara, encontramos a explicação: “quando representa a pura preposição A que rege um substantivo feminino no singular, formando uma locução adverbial que, por motivo de clareza, vem assinalada com acento diferencial”: levado à força, morto à bala, ferido à faca, voltou à noite, saiu à tarde etc. E à direita, à esquerda, (marcha) à ré, à toa, à mesa, à janela, às pressas… e à tinta, à caneta, à mão etc.
Sem o acento grave pareceria que alguém teria ferido a faca, ou virar a direita, poderia ser a mão direita, e poderia ser pintar a mão, a própria mão.
Não há acento grave antes de pronomes pessoais: a ele, a ela, a nós… Nestes casos há apenas a preposição A. E nem em expressões como cara a cara, frente a frente, face a face, por se tratar de pura preposição também.
“Prefiro este sapato àquele.”
“Fomos juntos àquela cidade.”
“Não dei muita importância àquilo.”
“Àquela ordem estranha, eu estremeci.”
Na dúvida, troque por este (es,a,as), esse (es,a,as), isto e isso. Se o A continuar na frase, como a esta(s), a esse(s), a isto, é porque a preposição é indispensável. Logo, os exemplos acima terão o acento grave.
Essa é fácil. Só não tem quando fazemos as vezes de outra pessoa, quando desempenhamos as funções que competem a outro (pouco usado, mas existe), como no exemplo: “Sofia faz as vezes de diretora da escola. Mas somente às vezes.”
“Às vezes vou a duas exposições na mesma semana.”
“No verão, às vezes, chove no fim da tarde.”
Lembrando que precisamos da preposição A e do artigo A(S). Por isso, “As vezes em que você levou o guarda-chuva e não choveu” não poderá ter acento grave também. Temos, nesse caso, apenas o artigo.
É assim mesmo, às vezes, ficamos em dúvida.
Acabe com suas dúvidas sobre o uso dos porquês depois de ler nosso artigo sobre o assunto.