Cuidado! Golpes podem partir seu coração e zerar sua conta

Estelionatários têm cada vez mais aplicado golpes em idosos, principalmente pela internet. Veja como se proteger.

Redação | 21 de Novembro de 2018 às 17:00

BrianAJackson/iStock -

Em uma tarde gelada de janeiro, Lis Daugaard, de 65 anos, sentia um nó na barriga, enquanto aguardava no desembarque do aeroporto de Copenhague. Vestida com suas melhores roupas, procurava o rosto de Robert Aleksander entre os passageiros que saíam. Tinham se conhecido em um site de encontros pela Internet e, depois de dois meses trocando e-mails e telefonemas, esse seria seu primeiro encontro ao vivo.

Quando a multidão se dissipou, Lis ainda ficou ali, à espera. Onde estava o homem das fotografias, grisalho, bonito, com um sorriso tímido? A caminho de casa, as lágrimas começaram a correr. “Tive de ligar para minha filha e dizer: ‘Acho que cometi um grande erro’”, contou ela.

O golpe do romance

O romance de Lis começou no popular site dinamarquês dating.dk pouco depois de ela se aposentar, em 2013. O marido morrera havia dez anos; criando quatro filhos e fazendo carreira internacional na Câmara de Indústria e Comércio de Leipzig (morando alguns anos fora do país), até então ela ficara ocupada demais para pensar em romance. Quando publicou seu perfil, Robert Aleksander, que afirmava ser diplomata da União Europeia, logo lhe mandou uma mensagem.

Conforme o relacionamento crescia, os e-mails dele ficavam cada vez mais românticos. E, quando ele disse que precisava de um empréstimo para viajar, Lis não hesitou. Mandou-lhe sua poupança de 94 mil coroas (mais de 62 mil reais) para que ele a visitasse. E, quando ele não chegou, Lis ficou desconcertada. “Como uma mulher com meu histórico, que trabalhou na Europa inteira, cai num golpe desses?”, pergunta ela.

A polícia está preocupada com casos assim porque muitos golpes são dados por quadrilhas internacionais que operam na Nigéria, na Malásia ou em Israel, muito além do alcance dos órgãos da lei locais.

A polícia dinamarquesa, assim como os órgãos policiais da Alemanha, da França, do Canadá e dos Estados Unidos, divulgou um duro alerta público:

“A pessoa com quem você se comunica não é, necessariamente, a pessoa que afirma ser.”

Estatísticas mostram que as denúncias de golpes desse tipo vêm aumentando até 20% ao ano em alguns países como os EUA, onde o FBI relata que, na maioria, as vítimas são mulheres com mais de 40 anos, divorciadas, viúvas ou deficientes físicas. O FBI afirma que, em 2016, recebeu quase 15 mil denúncias de golpes de relacionamentos nos EUA – quase 2.500 mais do que no ano anterior –, e que as vítimas tiveram um prejuízo de mais de 230 milhões de dólares.

A unidade policial Action Fraud, do Reino Unido, diz que só em 2017 mais de 3.500 pessoas perderam 41 milhões de libras com esse golpe na Grã-Bretanha. Esses números são só a ponta do iceberg, pois, além de esvaziar contas bancárias, esse tipo de esquema provoca uma sensação duradoura de vergonha.

“Engenharia social”

Golpes do romance não são a única maneira de estelionatários do mundo inteiro atacarem idosos, de acordo com a Europol, órgão policial da União Europeia. Grupos de criminosos usam “engenharia social” para arrancar dinheiro e informações confidenciais de possíveis vítimas. O golpe é dado tanto pela Internet, por e-mail (“phishing”) ou redes sociais, quanto por telefone. Na Suécia, no Reino Unido e na Bélgica, a polícia divulgou recentemente um golpe em que o criminoso liga para a vítima fingindo ser detetive. O “policial” diz que um golpista teve acesso à conta bancária da pessoa e promete ajudar se a vítima lhe confiar seus dados bancários.

“É bem organizado”, revela Peter Depuydt, gerente de fraudes da Europol. “Eles têm gente para lavar dinheiro e abrir contas bancárias e call centers para fraudar as vítimas.” Os estelionatários conseguem roubar até o telefone de instituições financeiras (o chamado “spoofing”).

É difícil saber a escala do problema porque muitos ficam envergonhados demais para prestar queixa desses golpes, diz Depuydt.

Mas ele acrescenta: “Acreditamos que o número esteja crescendo porque os idosos são um alvo muito fácil.” A Action Fraud relatou mais de 92 mil denúncias de golpe no Reino Unido entre outubro de 2016 e setembro de 2017, vindas de pessoas com 50 anos ou mais, que representaram 55% das vítimas. Na região mais populosa da Alemanha, a polícia enfrentou, em 2016, 1.250 casos de fraude em que idosos perderam um total de 8 milhões de euros; em agosto do ano passado, o valor de 2017 já era mais alto do que isso.

Os criminosos trocam “listas de alvos fáceis” – os que já caíram em golpes, em sua maioria aposentados. Só no Reino Unido, o National Trading Standards, entidade que protege empresas e consumidores de crimes, identificou 300 mil alvos desde 2012. Outros golpistas simplesmente vasculham o Facebook em busca de idosos, explica Depuydt, ou publicam anúncios falsos nas mídias sociais.

A Age UK, maior instituição de caridade britânica para idosos, atribui o aumento de golpes nessa população ao fato de que nunca houve na Internet tanta gente com mais de 50 anos. As pessoas também estão vivendo mais, muitas com declínio cognitivo.

“Recebemos constantemente ligações de parentes preocupados com mamãe ou papai que já têm mais de 70 ou 80 anos. Em alguns casos, a preocupação é maior porque sofrem de demência ou perda de memória”, diz o gerente de política Phil Mawhinney.

Um golpe recente atingiu idosos mais frágeis de uma cidadezinha da Bélgica. Leopold, hoje com 92 anos, ia para a cidade em junho de 2016. Quando desceu do carro, um homem se aproximou e disse que ele batera em seu carro e quebrara o retrovisor. E lhe mostrou o grande arranhão preto. O homem sugeriu que Leopold não ligasse para a seguradora, porque era velho e poderia perder o seguro. E ligou imediatamente para um “mecânico”, que lhe disse que a troca do espelho custaria 2.500 euros. Então, levou Leopold ao banco para sacar novecentos euros.

A filha Jicky, que falou à Seleções, explicou: “Papai nos contou que se sentiu ameaçado quando o sujeito levantou a voz”. Quando o homem foi embora, Leopold voltou para casa e chamou as filhas. Por insistência delas, denunciou o crime à polícia. Os golpistas nunca foram pegos. Mas Jicky diz que o impacto foi grave e duradouro. “Agora meu pai vive preocupado”, diz ela.

As falcatruas que envolvem investimentos: ainda mais prejudiciais

Recentemente, Leonie Morris, de 52 anos, de Cúmbria, na Inglaterra, foi vítima de um sofisticadíssimo golpe de investimento. Na época, Leonie, coach que trabalhava com grandes empresas internacionais, mal podia esperar a aposentadoria precoce que planejava financiar investindo o que recebera do seu recente divórcio. Ao pesquisar investimentos, ela encontrou um site que parecia pertencer à respeitada instituição financeira Cater Allen. Ela digitou seus contatos e recebeu um e-mail “do presidente executivo”, com um endereço que parecia oficial.

E marcou uma conversa pela Internet com um rico corretor chamado Jonathan Forbes, que lhe mandou seu telefone pessoal. “Como eu tinha recebido de outros corretores histórias semelhantes à dele sobre investimentos, não desconfiei”, conta Leonie. Depois de conversarem por telefone, ela comprou um título de cinquenta mil libras (mais de 260 mil reais) e começou a receber juros mensais de quinhentas libras (R$ 2.600,00), o que a convenceu de que o investimento era real. Dali a alguns meses, Forbes ofereceu outros investimentos. “Decidi comprar um deles. Então vi os rendimentos no extrato que recebia, supostamente da Cater Allen, e investi mais, no patamar de quatrocentas mil libras”, diz Leonie.

Aprenda a investir com segurança no Tesouro Direto com o nosso passo a passo.

Pouco depois do Natal de 2017, ela recebeu um telefonema do banco. “Eles disseram que um dos rendimentos do investimento tinha passado por uma câmara de compensação e provocara alguma desconfiança”, explica ela. Algo não estava certo. Eles não puderam lhe dar detalhes e a instruíram a falar com o corretor. Então lhe ocorreu telefonar para o número central da Cater Allen, em vez de usar o número direto de Forbes. “Aqui não tem ninguém com essenome”, disse a voz da mulher ao telefone. Leonie se sentiu mal.

O endereço do site do banco, o e-mail e o número do qual ele ligava tinham sido clonados; “Jonathan Forbes” era um estelionatário residente no exterior. Todo o dinheiro de Leonie tinha desaparecido.

Ela abandonou a aposentadoria precoce e voltou a trabalhar em tempo integral. “É como ter 18 anos outra vez. Preciso prestar muita atenção ao que compro e não posso sair de férias”, lamenta ela. Enquanto isso, “Forbes” ainda está por aí, trabalhando com o mesmo nome, embora afirme ser de outros bancos. Leonie se consola por ainda poder ganhar a vida, mas outros não têm a mesma sorte.

Peter Depuydt, da Europol, diz: “Esses golpes de investimento são muito prejudiciais. Acontecem no fim da carreira das pessoas, que perdem muito.”

O contra-ataque das autoridades

Em alguns países tem havido progresso no combate a esses esquemas. Na Grã-Bretanha, o órgão regulador dos sistemas de pagamento solicitou urgentemente aos bancos que ajudassem a prevenir os golpes depois que cerca de 19 mil pessoas perderam mais de 100 milhões de libras nos primeiros seis meses de 2017 com fraudes de estelionatários.

Desde setembro deste ano, o novo código exige procedimentos de verificação para dificultar a abertura de contas por golpistas e facilitar que os clientes verifiquem se o receptor é mesmo quem diz ser. Em 2017, a Câmara de Deputados da Itália deu sinal verde a uma lei que prevê penas de dois a seis anos de prisão a quem aplicasse golpes em pessoas com mais de 65 anos. A proposta, que também prevê multas, será revista antes de se tornar lei, mas indica a disposição de combater golpes contra idosos.

A União Europeia ordenou que as empresas digitais “assumam mais responsabilidade” contra os golpes e mandou Facebook, Google e Twitter removerem as listas de alvos fáceis. Peter Depuydt, da Europol, diz que a força policial da União Europeia vem se esforçando para divulgar os diversos golpes. Em última análise, a Europol visa desmantelar as quadrilhas responsáveis pelos golpes.

Em março de 2018, vinte pessoas foram presas numa operação conjunta da Europol com a polícia romena e italiana acusadas de roubar um milhão de euros depois de obter os dados bancários de centenas de clientes com e-mails falsos. No entanto, ele disse que, se as vítimas não derem parte do crime, a Europol “não poderá fazer muita coisa”.

As organizações que cuidam de idosos, como a entidade sueca de aposentados SPF Seniorerna, acreditam que a solução é aumentar a conscientização:

“Informação, informação, informação. É a única coisa que funciona”, diz o secretário-geral Peter Sikstrom.

Com mais de oitocentas agências no país, a SPF Seniorerna oferece sessões de instrução e distribui folhetos a idosos para deixá-los em alerta.

Enquanto isso, na Holanda, Harry van Schaik, ex-policial e especialista em estelionato, treina centenas de idosos para evitarem golpes. Ele lhes ensina todos os seus truques para se esquivar de fraudes. Por exemplo, diz que não se deve entabular conversas longas com quem aparece à sua porta ou telefona, pois isso dá ao criminoso oportunidade de exercer a influência e a manipulação que estão no âmago do esquema de engenharia social. Van Schaik é apaixonado pelo trabalho porque, como diz, “os mais velhos estão sendo roubados. Em poucas palavras, isso é apavorante”.

Em uma sociedade em que os idosos costumam ficar solitários, o que os deixa mais vulneráveis a golpes, é importante se manter conectado. No fim das sessões de treinamento, Van Schaik diz aos alunos que eles têm de passar seus conhecimentos aos outros.

“Saiam e conversem”, recomenda a eles, “e com isso também receberão energia de volta.”

É uma ideia repetida por Lis Daugaard, que nunca recuperou seu dinheiro, apesar de anos tentando achar o golpista. No entanto, ela encontrou um objetivo nos meses posteriores ao terrível golpe do romance: procurar e ajudar outras vítimas da mesma fraude. “Temos de tornar as pessoas mais conscientes. É a única maneira de acabar com o mercado dos golpistas.”

Por Eleanor Rose