Descoberta mostra que imunizantes de mRNA podem ajudar o sistema imunológico a “acordar” tumores resistentes e melhorar a resposta a tratamentos contra o câncer.
Douglas Neves | 28 de Outubro de 2025 às 14:00
As vacinas contra a Covid-19 foram desenvolvidas para proteger contra o coronavírus, mas cientistas descobriram que elas podem estar fazendo algo ainda mais poderoso. Um novo estudo, apresentado no Congresso Europeu de Oncologia, em Berlim, e publicado na revista Nature, indica que as vacinas de mRNA, como as da Pfizer/BioNTech e Moderna, podem tornar tumores resistentes mais sensíveis à imunoterapia — um dos tratamentos mais promissores contra o câncer.
Pesquisadores do MD Anderson Cancer Center e da Universidade da Flórida observaram que os imunizantes provocam uma intensa resposta de interferon tipo I, uma molécula que ativa as defesas do organismo. Esse “acordar” imunológico ajuda as células de defesa a reconhecer e atacar tumores que antes passavam despercebidos.
Nos experimentos com animais e em análises clínicas de mais de 880 pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (NSCLC) e melanoma metastático, o efeito foi claro: quem recebeu uma vacina de mRNA até 100 dias antes ou depois do início da imunoterapia viveu mais.
O mesmo benefício não foi observado em quem tomou vacinas tradicionais, como as da gripe ou da pneumonia, mostrando que o efeito é específico da tecnologia de mRNA.
De acordo com o oncologista Stephen Stefani, da Oncoclínicas e da Americas Health Foundation, o estudo revela um mecanismo inédito. Segundo ele, as vacinas de mRNA parecem modificar o microambiente tumoral, tornando as células cancerígenas mais "visíveis" ao sistema imunológico.
De acordo com Stefani, as vacinas de mRNA estimulam a produção de interferon, que ativa macrófagos e células dendríticas — responsáveis por apresentar fragmentos de proteínas tumorais aos linfócitos T.
Com isso, o sistema imunológico “aprende” novamente a identificar o tumor e reagir a ele.
Além disso, o estudo observou aumento na expressão de uma proteína chamada PD-L1, que costuma funcionar como uma “capa de invisibilidade” dos tumores. As drogas anti-PD-L1, usadas na imunoterapia, retiram essa capa. Portanto, quanto mais PD-L1 o tumor expressa, melhor o alvo para o tratamento — e as vacinas parecem justamente elevar esse nível, ampliando a eficácia da imunoterapia.
Simplificando a descoberta, é como se as vacinas de mRNA contra a Covid “reprogramassem” o sistema imune para que ele volte a identificar o tumor, facilitando a cura.
Nos testes com camundongos, os pesquisadores reproduziram a fórmula da vacina da Pfizer e observaram que ela ativava fortemente o interferon, desencadeando uma resposta inflamatória controlada.
Esse processo transformou tumores “frios” — com pouca presença de células de defesa — em tumores “quentes”, altamente reconhecidos pelo sistema imune. É como se a vacina desse um empurrão ao sistema imunológico, ajudando as terapias a desmascarar as células cancerígenas.
Já em amostras humanas, o mesmo fenômeno foi visto: pacientes vacinados nos 100 dias anteriores à coleta apresentaram 24% mais PD-L1 nos tumores e eram 29% mais propensos a responder bem à imunoterapia isolada, sem necessidade de quimioterapia.
“O estudo também mostra que existe um momento ideal para vacinar”, reforça Stefani. “Quanto mais recente e robusta a imunidade, melhor a resposta ao tratamento oncológico subsequente.”
Apesar da descoberta ser bastante positiva, os cientistas deixam claro que as vacinas contra a Covid-19 não tratam o câncer. Contudo, para Stefani, os resultados abrem um novo horizonte para a oncologia de precisão. “Talvez, no futuro, protocolos combinem vacinas de mRNA não apenas contra o vírus, mas desenhadas para reprogramar o sistema imune em benefício do tratamento do câncer”, afirma o especialista.
A tecnologia de mRNA pode se tornar uma ferramenta para potencializar o tratamento de tumores resistentes, servindo como uma espécie de “reinicializador” do sistema imune.
Gostou deste conteúdo? A Revista Seleções traz informações confiáveis sobre ciência, saúde e bem-estar — sempre com uma dose de esperança. Clique aqui e veja como assinar Seleções para receber todos os meses histórias inspiradoras, descobertas médicas e dicas para viver melhor.
O que é metástase? Entenda o caso raro de paciente que recebeu órgão com câncer
Fake news sobre vacinas: como identificar e não cair em boatos
Poluição pode aumentar risco de câncer de pulmão? Veja o que diz especialista
Ministério da Saúde incorpora medicamentos contra câncer de pulmão e outras doenças ao SUS