Uso de máscaras pode induzir produção de anticorpos contra Covid-19

Cientistas americanos defendem que usar máscara pode levar à produção de anticorpos contra a Covid-19. Entenda o caso!

Douglas Ferreira | 17 de Setembro de 2020 às 19:00

Rattankun Thongbun/iStok -

A hipótese de que usar máscaras pode induzir a produção de anticorpos contra a Covid-19, movimentou a internet. A hipótese foi levantada na semana passada por pesquisadores da Universidade da Califórnia e publicada como nota na revista científica The New England Journal of Medicin, uma das mais prestigiadas da área.

A ideia, segundo defendem os autores, é que as máscaras amplamente usadas pela população diminuem em muito, mas não impedem totalmente, a passagem das gotículas de saliva ou partículas aerossóis que podem transmitir o vírus.

Com isso, uma fração pequena de partículas virais passaria pelo equipamento e seria transmitida a outras pessoas, mas com carga viral mais baixa. Essa baixa carga viral não levaria a formas mais severas da Covid-19, mas seria o suficiente para induzir uma resposta imune no organismo.

O uso de máscara poderia explicar os casos assintomáticos

Imagem: benzoix/iStock

O fenômeno já é conhecido da medicina e foi o precursor das vacinas: a variolação, processo de imunização utilizando material retirado de um paciente – à época, raspagem de uma vesícula de varíola – e inoculando-o em outro para garantir a resposta imune, mas sem provocar infecção.

Os cientistas argumentam que o uso de máscaras em toda a população elevaria a taxa de assintomáticos, uma vez que as pessoas conseguem se proteger parcialmente de uma quantidade elevada do vírus; alguns estudos apontam que a quantidade de vírus inoculado pode estar relacionada ao grau de severidade da doença.

Além disso, estudos comprovaram a eficácia do uso de máscaras tanto para prevenção por pessoas não contaminadas quanto no bloqueio da transmissão por pessoas infectadas com o vírus.

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Para Raquel Stucchi, professora da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, a teoria levantada pelos cientistas é muito interessante e reforça a importância do uso de máscaras por todo mundo e em todos os lugares, principalmente no momento de retomada às atividades.

“Supondo que hoje eu esteja contaminada, mas não sei, porque não tenho sintomas ou só vou desenvolver os sintomas em alguns dias, a máscara vai conseguir conter uma parcela razoável do Sars-CoV-2 para não transmitir ao outro, mas ainda assim suficiente para gerar uma resposta imune.”

Qual máscara é a melhor opção?

Imagem: pinkomelet/iStock

As máscaras mais eficazes para bloquear a transmissão são as cirúrgicas. As máscaras caseiras com duas camadas de tecido, no entanto, conseguem limitar a transmissão das partículas a uma distância menor quando uma pessoa espirra ou tosse.

“Qualquer máscara é melhor do que nenhuma máscara. As máscaras cirúrgicas devem ser reservadas aos profissionais de saúde para não faltar, mas a máscara caseira pode me proteger e ainda proteger os outros”, diz Stucchi.

Ainda é incerto por quanto tempo dura a imunidade para o Sars-CoV-2. Contudo, a resposta imune gerada pelos linfócitos T parece ser mais permanente do que aquela produzida por anticorpos. Estudos das principais vacinas em testes contra a Covid-19 mostraram boas respostas imunes tanto de anticorpos quanto de células T.

Os pesquisadores concluem ainda que para testar a hipótese de uma estratégia de proteção global pelo uso de máscaras é necessário um estudo sobre taxa de assintomáticos diante do uso ou não das máscaras.

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Dados mais robustos sobre essa resposta imune, no entanto, como quantidade de células T em assintomáticos, são necessários para saber a real proteção das máscaras, afirmam os autores.

Esses estudos, no entanto, encontrariam dificuldades no Brasil, onde a quantidade de testes na população ainda é baixa, o que dificulta identificar casos assintomáticos.

Exames para detecção de células T também ainda não se encontram amplamente disponíveis.

Em relação à teoria de variolação, seria essencial também conhecer o grau de infecção das cepas em circulação do vírus nas populações combinando o uso de máscaras e pessoas sintomáticas e assintomáticas.

Da mesma forma, seria necessário comprovar a diminuição da taxa de contágio em populações com índice elevado de assintomáticos. Tais hipóteses, no entanto, são difíceis de serem testadas.

Os autores citam um caso de um cruzeiro na Argentina no qual todos os tripulantes eram obrigados a portar máscaras N95. Após um surto de Covid-19 a bordo, viu-se que 81% dos infectados eram assintomáticos – uma taxa consideravelmente elevada se compararmos à estimativa de que eles são 20% na população.

Estudos no Brasil

Não há nenhum estudo feito no Brasil até o momento que busque entender taxas de assintomáticos e uso de máscaras. Segundo pesquisa do Datafolha, nove em cada dez (92%) brasileiros declararam sempre utilizar máscara ao sair de casa. Outros 5% dizem usar de vez em quando, 1% utilizar raramente e 2% declararam não usar nunca o equipamento de proteção.

Stucchi acredita que no país, devido ao fato de que cada município ou estado determina a obrigatoriedade ou não do uso de máscaras, é possível que uma parcela cada vez maior da população adquira algum tipo de imunidade por algum tempo, com uma quantidade menor de pessoas correndo o risco de adoecer.

“Como os próprios autores falaram, não dá para afirmar, teríamos que fazer um estudo científico, mas é uma boa reflexão”, finaliza.

ANA BOTTALLO || FOLHAPRESS