Se seu joelho pudesse pensar ou mesmo falar, teria ótimos conselhos sobre saúde para te dar. Confira os pensamentos (e as dores) de um dia na "vida" dele.
Redação | 15 de Abril de 2018 às 17:00
É aconchegante debaixo das cobertas, mas quero sair. Estou dolorido e inflamado, endurecido por uma noite imóvel. Aguardo o Corpo perceber minha rigidez matutina. Ele geme e rola. Ainda não está pronto para começar o dia. Vamos, levante-se logo para podermos dar fim a essa dor?
Ele joga os pés para o lado da cama e os planta no chão. Não vou mentir: endireitar-me debaixo dos seus 95 quilos exige determinação. Preparo-me para suportar o peso. Meu vizinho de cima, o músculo da coxa, se contrai e puxa o tendão do quadríceps, que levanta minha patela para estender a perna. Sou uma dobradiça com roldanas que me dobram e endireitam.
O outro joelho dá uma risada. Ele está em melhores condições que eu e acha que vivo me fazendo de mártir. Os quadríceps e jarretes gostam de brincar que sou sua marionetezinha.
Enquanto se veste, o Corpo liga a ESPN para ver os melhores momentos do jogo de ontem. Ai! O que foi aquilo? O meia do time sofreu uma ruptura do ligamento cruzado anterior? Um carrinho enquanto o peso estava num só pé. Corpo, tape os olhos, por favor! Por que me obriga a ver isso? Você está fazendo uma careta também, pois sofri essa mesma lesão há 20 anos. E ainda dói em nós.
Já fazia uns dez anos que o Corpo saíra da faculdade e deixara que nós (músculos, ligamentos e tendões) nos deteriorássemos. Não que eu o condene. Sabe como é: passar o dia inteiro sentado a uma mesa, sair com os amigos depois do trabalho. Quem tem tempo para exercícios? Então, num fim de semana, ele foi jogar basquete com os colegas. Entrou correndo na quadra como o atleta universitário que não era mais – sem aquecimento – e tec! Rompeu meu ligamento cruzado anterior. Esse ligamento passa por meu centro, liga o osso da coxa ao da canela e impede que eu fique mole. Foi o pior dia da minha vida. Ouvi um estalo e senti uma onda de dor me invadir quando o Corpo caiu no chão.
Por isso já sou ranzinza (e tenho só 49 anos). Cirurgia e fisioterapia me deixaram bem. Mas as rupturas de ligamento dão aos joelhos uma probabilidade de 50% de sofrer artrite dali a 10 ou 20 anos. Eu não apostaria contra uma probabilidade dessas. Minha cartilagem, tecido protetor nas extremidades dos ossos que impede que entrem em atrito, pode não se recuperar.
Finalmente, o Corpo decide trocar os esportes pela previsão do tempo. O meteorologista diz que haverá céu claro. Nada disso. Fico mais doído quando vai chover, e estou latejando. O médico do Corpo diz que ouve essa queixa o tempo todo, mas não sabe direito por que a dor piora. O palpite dele é que, quando a pressão atmosférica cai, a articulação já inflamada incha mais e irrita os nervos. Antes de sair mancando pela porta, o Corpo pega o guarda-chuva para se prevenir.
A caminho do trabalho, o Corpo passa numa lanchonete para tomar café. Ainda bem que desistiu do sanduíche de ovo e queijo. Com o peso adicional que acumulou, sou como um palito sustentando uma bigorna. Além de me aleijar, a barriga do Corpo está pondo minha cara-metade, o “joelho bom”, em risco de artrite. Meu parceiro tem probabilidade três vezes maior por causa do tamanho GG do Corpo.
Ainda bem que ultimamente a balança mostra a tendência de queda. No mês passado, o Corpo perdeu dois quilos e meio, o que tirou de cima de mim dez quilos de pressão.
Ele entra no escritório arrastando os pés. Caramba, como está apertado debaixo da escrivaninha! O Corpo sente meu desconforto e toma um analgésico, que ajudará a aliviar a dor por algumas horas, mas é uma pena que não seja uma solução permanente. O médico disse que chegará uma hora em que o Corpo terá de – ui! – me substituir.
Na verdade, parece pior do que é. Vou dizer adeus à cartilagem desgastada. Meus ossos serão revestidos de metal. É fato que mal conseguirei me reconhecer. Mas qual é a alternativa do Corpo? Mancar pelo resto da vida? Também não é muito divertido para mim.
Ah, é a mulher dele ao telefone. Vamos à academia depois do trabalho… oba!
Quando vamos entrando, o Corpo vê a mulher, de salto alto, correndo em sua direção. Ufa! Ainda bem que não sou seu joelho! Ela não trouxe guarda-chuva e não quer se molhar. Ei, moça, preocupe-se com as articulações, não com a chuva. Salto alto é uma tortura para nós, e as mulheres têm mais tendência que os homens a ter problemas no joelho.
Não gosto dos “tênis com estabilidade” do Corpo. Quanto mais rígido o calçado, maior é a pressão sobre mim. Gostaria que ele os trocasse por pisantes planos e flexíveis, com solas que deixassem os pés se dobrar.
O Corpo olha com saudade a quadra de basquete. Há muitas atividades que ainda pode praticar – natação, ciclismo, tai-chi – mas ele diz que são exercícios de velho. Eu, porém, adoro, porque impedem que eu enferruje e me desgaste. Antigamente, se eu me machucasse me punham no gesso. Que burrice! Para se regenerar, a cartilagem precisa se mexer e praticar atividades que suportem peso. O Corpo faz uma série no elíptico. Beleza! Estou me sentindo melhor que há muitos dias. Mal posso esperar pela musculação. Músculos fortes ajudam a me sustentar e estabilizar.
Em casa, a mulher do Corpo prepara salmão, batata-doce e brócolis para o jantar. Fico feliz! O Corpo não imagina quanto a sua alimentação me afeta! Tenho uma inflamação de baixa intensidade, e peixes gordurosos como o salmão retardam minha doença. A inflamação é a defesa do Corpo contra lesões. Provoca inchaço e dor. É ótima quando há um inimigo real. Mas na inflamação crônica o corpo continua lutando, mesmo quando não há nenhuma ameaça. E toda essa artilharia pesada contribui para minha artrite.
O Corpo boceja e fico aliviado. Ele gosta de ficar acordado até tarde e não percebe que o sono alivia minha dor. Acho que a sessão de hoje na academia o cansou.
Esta noite o Corpo está sendo bonzinho comigo: vai dormir de lado, com um travesseiro entre mim e o outro joelho. Ele prefere dormir de bruços, mas gosto mais dessa posição. E, quando fico feliz, o Corpo tem uma boa noite de sono. Isso é que é trabalho em conjunto.