Aumento de casos de sífilis no Brasil preocupa especialistas, entenda os motivos e descubra como se prevenir da doença.
Iana Faini | 5 de Novembro de 2019 às 18:00
Apesar de sucessivos alertas nos últimos anos, o Brasil ainda não conseguiu frear o avanço da sífilis e registra o maior número de casos da doença desde 2010, quando a notificação passou a ocorrer de forma regular, segundo dados do Ministério da Saúde.
Só em 2018, foram 158 mil casos de sífilis adquirida, o equivalente a 75,8 casos a cada 100 mil habitantes. Para comparação, um ano antes, esse índice era de 59,1 casos a cada 100 mil.
Dados preliminares de 2019 indicam que a tendência não deve se reverter neste ano. Essa tendência de avanço é global e preocupa a Organização Mundial da Saúde, embora a entidade não tenha números atualizados da prevalência da doença.
Também tem crescido o número de casos da doença em grávidas e bebês. Entre elas, foram 62,6 mil casos no último ano. Já entre os bebês, foram registrados 26 mil.
Causada por uma bactéria transmitida por relações sexuais desprotegidas com pessoas infectadas ou da mãe para o bebê, durante gestação ou parto, a sífilis é uma doença silenciosa que tem diferentes fases:
No estágio inicial, pacientes apresentam pequenas feridas nos órgãos sexuais e caroços nas virilhas, que não doem nem ardem e desaparecem semanas depois, dando falsa impressão de cura.
Na fase secundária, podem ocorrer manchas no corpo, incluindo nas palmas das mãos e plantas dos pés, além de febre, dor de cabeça, mal-estar e ínguas pelo corpo.
Em seguida, a doença pode ficar dormente por vários anos, o que dificulta o diagnóstico, até voltar de forma mais grave. Na fase terciária, podem ocorrer complicações graves, como cegueira, paralisia, doença cardíaca, lesões neurológicas. Se não tratada, pode levar à morte.
O diagnóstico é feito por meio de teste rápido, disponível no SUS. Já o tratamento é feito com penicilina, cujo esquema de administração varia conforme o estágio da doença.
Para especialistas ouvidos pela reportagem, os dados representam tanto uma melhora na identificação dos casos por meio de exames quanto uma dificuldade em controlar o avanço da doença no país.
“Pelo menos três vezes por semana recebo resultados de exames que apontam sífilis. Muitos são de pacientes que já tiveram tratamento, mas se infectaram novamente. A cada dia isso fica mais frequente”, diz a infectologista Eliana Bicudo, consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).
“É uma doença cujo primeiro exame foi descrito em 1906, e aprimorado na década de 1940, sendo simples e barato. Já o tratamento, penicilina, foi descoberto em 1928. O que falta? Determinação de gestão”, afirma Mauro Romero Leal Passos, professor titular do setor de doenças sexualmente transmissíveis da UFF (Universidade Federal Fluminense) e um dos maiores especialistas em sífilis do país.
“Quando falo em gestão, não é só do governo, mas do chefe do posto de saúde, de equipes e de sociedades médicas”, completa.
De acordo com o Ministério da Saúde, além da maior oferta de exames, sobretudo em gestantes, há ainda outros fatores que colaboram para o aumento de casos.
“Existe avanço da doença, o que nos preocupa, e esse aumento está relacionado tanto a maior capacidade de detecção quanto à redução de medidas preventivas”, afirma o secretário de Vigilância em Saúde da pasta, Wanderson Oliveira. A principal, diz ele, é a redução no uso de camisinha, em um contexto em que as pessoas têm mais parceiros sexuais.
Ainda de acordo com o secretário, problemas no abastecimento de penicilina nos últimos anos também colaboraram para dar impulso à doença em diferentes países. No Brasil, diz ele, o estoque foi regularizado após a retomada da oferta por fabricantes.
Ele admite, porém, que ainda há entraves na assistência. “Temos visto lugares que definem horário e dia para fazer o teste ou tratamento. Isso acaba gerando dificuldade de acesso”, afirma Oliveira. “Também vemos resistência de muitos profissionais em aplicar a penicilina [benzetacil] na unidade de saúde, por medo de reação.”
Segundo ele, a pasta analisa medidas para orientar postos sobre o tratamento e ampliar a oferta de testes de sífilis em diferentes momentos de atendimento na rede de saúde.
Especialistas, porém, defendem que sejam discutidas também outras ações.
Para Passos, da UFF, o alto número de casos de sífilis congênita (transmitidos de mãe para filho) indica que há falhas na rede de saúde em identificar e tratar a doença em tempo oportuno.
Um exemplo é que, de 26 mil casos de transmissão congênita registrados em 2018, 82% são de bebês cujas mães passaram pelo pré-natal, momento em que são indicados testes de sífilis. “Se a maioria fez pré-natal e o bebê teve a doença, que pré-natal foi esse?”, questiona Passos.
Dados de boletim recente do Ministério da Saúde dão sinais desse problema. Em 2018, do total de casos de sífilis congênita, 55,1% são de bebês cujas mães passaram por esquema de tratamento classificado como “inadequado”, quando houve recebimento de ampolas abaixo do necessário ou início do tratamento menos de um mês antes do parto, por exemplo. Outras 26,4% não tiveram tratamento; 13,4% não tiveram os dados informados e só 5,1% receberam tratamento registrado como “adequado”. Segundo Oliveira, do ministério, a falta de um tratamento vinculado ao parceiro faz com que a gestante seja frequentemente reinfectada pela doença.
Uma série de reuniões com especialistas para definir estratégias contra sífilis congênita está programada para este mês. Entre as propostas, está estimular a realização de pré-natal em parceria, o que estimularia testes também aos homens.
Bicudo, da SBI, cita tentativas anteriores de parte da rede de saúde de “busca ativa” do parceiro em casa para tratamento. Para ela, é preciso aumentar a conscientização sobre a doença. “Falamos pouco de sífilis. É uma doença que pode causar sequelas graves se não tratada, principalmente na sífilis congênita”, afirma.
O Ministério da Saúde lançou uma campanha para estimular o uso da camisinha entre jovens como forma de evitar essa e outras infecções.