Uma pesquisa comprova que o preconceito que os LGBTs sofrem afeta sua saúde mental. Assim como o medo e a violência decorrentes dele.
Thaynara Firmiano | 4 de Setembro de 2020 às 15:00
O preconceito pode causar danos graves à saúde mental. Uma agressão, seja ela física ou verbal, pode resultar em traumas profundos. A homofobia faz com que episódios de agressão sejam comuns. O medo constante de ser agredido, apenas por ser quem é, pode se tornar o principal companheiro de uma pessoa LGBTQIA+.
Segundo a pesquisa Diagnóstico LGBTQIA+ na pandemia, do coletivo Vote LGBT, a saúde mental é o maior ponto de preocupação entre pessoas que estão fora da normatividade de gênero e sexualidade. Dentre os principais motivos estão: piora na saúde mental, afastamento da rede de apoio e perda da renda.
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De acordo com a pesquisa, um dos pontos mais críticos para as pessoas LGBTQIA+ é a solidão. Isso se deve ao fato de que, muitas vezes, o ambiente familiar, profissional e social é extremamente hostil com pessoas não-héteros e a impossibilidade de estar nos ambientes de apoio os coloca em uma situação de completa solidão.
A pesquisa faz referência a um outro estudo para explicar a preocupação com a saúde mental na quarentena. A razão para essa preocupação não é somente a ausência de contato com redes de apoio ou questões financeiras. Ela vem bem antes disso.
A solidão LGBTQIA+ vem do que o estudo chama de Ciclo de Exclusão. O Ciclo, na maioria dos casos, começa no seio familia. A pessoa LGBTQIA+ não é aceita e começa a sofrer violência e exclusão. Perpassa pelo convívio social – educativo e profissional – e interfere na saúde. Somado a isso, há também a falta de direitos básicos. Estes são pautados e discutidos, gerando mais vulnerabilidade e culminando nos mais diversos tipos de violência.
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Como vimos, os problemas relacionados à saúde mental da população LGBTQIA+ não surgiram na quarentena. São transtornos psicológicos que podem ser causados desde muito cedo e que tendem a se desenvolver com o passar dos anos. É o que explica a psicóloga Mariana Ramos:
“É possível que esse transtorno possa ser desenvolvido na infância e também possa ser desencadeado mais na frente. A criança ou adolescente pode ter sofrido esses ataques e reprimido este sentimento. No entanto, em um momento ele vai explodir”, explicou a profissional.
A sexualidade é um dos principais motivos pelos quais crianças sofrem bullying. Essas crianças, quando não sofrem agressões físicas ou verbais, são isoladas e impedidas de participar de algo. Também é comum que elas cresçam com a ideia de que o que sentem é errado. Ou mesmo uma visão religiosa de pecado. Os estereótipos de gênero colocam crianças em caixinhas que podem gerar sofrimentos no futuro.
A situação de vulnerabilidade pode levar pessoas LGBTQIA+ a aceitar relacionamentos abusivos. O trauma de uma expulsão, a não aceitação da família ou mesmo o medo da exposição podem levá-los a crer que não vão conseguir uma relação melhor do que aquela.
Léo Motta, 24, é um homem trans e conta que começou a terapia em busca de ajuda para sair de um relacionamento abusivo.
“Quando iniciei um tratamento foi porque, além da ansiedade, percebi que estava em um relacionamento abusivo do qual não conseguia sair. Então procurei uma terapeuta particular para me ajudar a lidar com essas questões e estou em tratamento com ela desde então”, conta o jovem.
A Psicóloga Mariana Ramos falou um pouco sobre como os relacionamentos, ou a ausência deles, podem influenciar na saúde mental:
“Quando uma pessoa está numa relação que, de alguma forma, a fere, desrespeita ou a impede de ser ela mesma, essa relação vai gerar questões emocionais. Essas questões, sendo cumulativas, podem desencadear um transtorno mental. O mesmo acontece na ausência de relações interpessoais.”
Já a Pérola (nome trocado para preservar a identidade da entrevistada) procurou a terapia por um motivo diferente do de Léo. Pérola havia acabado de se formar em Direito, passado na prova da OAB e estava em um relacionamento estável quando percebeu que havia algo errado: ela era infeliz.
“Eu era uma mulher de 24 anos que tinha conquistado tudo que a sociedade espera de uma mulher. Eu tinha um diploma, ia me casar com um homem, engravidar e ter um filho com ele. E ser feliz para sempre. Não existia nada que me trouxesse mais tristeza e desespero do que pensar que minha vida seria isso. E fui para a psicóloga pedindo socorro para me enquadrar nessa vida”, contou a jovem.
Leonardo Figueiredo é um homem gay, de 30 anos e estudante de Museologia na UNIRIO. Em entrevista à Seleções, ele conta que possui diagnóstico de depressão e transtorno de ansiedade. O estudante relata que não faz tratamento desde Junho de 2019, quando sua psicóloga, que atendia na rede municipal de saúde, foi substituída.
“A minha psicóloga não está mais na clínica da família onde eu fazia o tratamento. Houve aquele desmonte da saúde municipal do Rio e muitos profissionais estavam trabalhando sem receber. Quando você vai ao psicólogo, precisa se encontrar e ter abertura e afinidade para falar sobre seus problemas. Então é bem difícil buscar outro profissional. Você fica em uma enorme fila de espera por uma consulta e quando consegue, não dá certo. É diferente de quando você pode pagar”, relata Leonardo, que fazia tratamento na Clínica da Família Edma Valadão, em Acari.
Mariana é pós-graduanda em Fenomenologia Existencial e atende a preço popular em uma clínica. A profissional acredita na psicoeducação como forma de instruir e incentivar que mais pessoas busquem a terapia para aprenderem a lidar com suas emoções.
“É preciso educar a população de uma forma geral. Existem profissionais dispostos a disponibilizar esse acesso a pessoas que já são vistas como não pertencentes em tudo. É mostrar que a psicologia pode ser acessível e que existe a possibilidade de cuidar das suas emoções e questões psíquicas.”
Um dos vários pontos em comum citados pelos nossos entrevistados foi a força e autonomia que a terapia lhes proporcionou. O processo terapêutico foi capaz de permitir que nossos entrevistados conseguissem lidar melhor com certas situações.
Léo Motta conta sobre sua segunda necessidade de se assumir. Aos 15 anos, Léo ainda era Carol, uma jovem lésbica que decidira contar aos pais que gostava de meninas. A reação não foi boa: “Eles reagiram negativamente. Minha mãe chorou muito e meu pai não falou comigo por uma semana. Só voltou a falar quando prometi terminar com a minha namorada da época”, relata. “Quando contei novamente, aos 22 anos, eles foram bem mais tranquilos. Ainda assim tiveram uma reação negativa no início. Mas não foi surpresa para eles e hoje eles se dão superbem com a minha namorada”, completa o jovem professor.
No entanto, no início de 2019, Léo começou a se entender como homem trans. E hoje vive mais uma vez a tensão de estar escondendo um segredo dos pais:
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“Eu espero dos meus pais a mesma rejeição que tive quando tinha 15. Até pior, porque para eles, é pior ser trans do que ser lésbica. É como se eu voltasse ao armário. E saber que vou ter que sair novamente.”
Além da idade, Léo relata a diferença de quando se assumiu lésbica e, agora, quando pretende se assumir trans. Para o jovem professor, o processo terapêutico foi importante para sua saúde mental e para se entender bem como LGBT.
“Hoje eu tenho o apoio da minha namorada e fazer terapia me ajuda a me preparar para essas possíveis reações negativas”, relata o jovem.
Pérola contou como seu processo terapêutico contribuiu para que ela pudesse lidar com sua sexualidade. Mesmo com problemas com a própria psicóloga. “A terapia me ajudou a lidar com as minhas inseguranças, mas com a sexualidade foi um processo mais longo”, revela.
“Eu lembro de ouvir que era impossível eu ser lésbica, pois tinha namorado um homem por nove anos. Que eu certamente era bissexual. Mas eu tinha certeza que não queria ficar com homens e, com o trabalho terapêutico, pude entender o motivo de ter ficado com homens por tanto tempo”, conta.
Leonardo F. se assumiu muito jovem para a família e, ao contrário do que acontece com muitos, a relação entre ele e seu pai se tornou melhor. Estar bem com a família, ter uma rede de apoio é importante para a saúde mental de pessoas LGBT.
“Meu pai e eu brigávamos muito. A gente tinha uma relação complicada, pois os vizinhos ficavam comentando e fazendo fofoquinhas dizendo que eu era gay. Quando me assumi foi mais fácil porque ele pôde responder às pessoas. Quando alguém chegava dizendo: ‘Ah, seu filho é gay’, ele respondia: ‘Sim, ele é gay, algum problema?’ Hoje toda a minha família, dos mais velhos aos mais novos, sabe da minha sexualidade e lida bem com isso”, afirma o estudante de museologia.
Já no caso da Pérola, ela conta que a relação com sua mãe ficou conturbada no início. A advogada não fala com o pai, mas acredita que ele saiba, só não toca no assunto. O seu irmão foi o primeiro a saber, desde que ela era uma jovem tentando se entender.
Léo Motta ainda não assumiu sua identidade de gênero para os pais, mas conta do medo que cerca essa situação.
“Meu maior medo é ser excluído da família por causa do meu gênero. Apesar de tudo, tenho uma relação muito próxima com a minha família e perdê-los é uma ideia bem dolorosa, ainda mais por algo tão simples como querer ser quem eu sou de verdade.”
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A violência contra pessoas LGBTQIA+ é um fato e a criminalização da homofobia foi uma necessidade. Muitos são os relatos de agressões físicas, verbais, psicológicas, estupros corretivos e até a famosa “cura gay”. Algumas violências inclusive levam à morte dos agredidos.
Além das agressões de fato, há também a convivência com as ameaças constantes. Os nossos entrevistados já passaram por situações de extremo medo, por ameaças sofridas. Esse medo pode causar sérios problemas na saúde mental de pessoas LGBT.
“Antes das últimas eleições presidenciais eu e a minha namorada estávamos voltando abraçadas de uma passeata quando um motoqueiro que passava por nós e um grupo de pessoas próximas gritaram que os nossos dias estavam contados. Apesar da raiva, também sentimos medo, pois estávamos num grupo pequeno de pessoas andando sozinhas de noite”, relata o professor, que na época ainda se identificava como mulher cis lésbica.
O estudante de museologia Leonardo Figueiredo também passou por uma situação parecida, no mesmo período, mas no Rio de Janeiro.
“A pior situação de preconceito que passei foi quando estava andando com meu ex-namorado de mãos dadas e um policial falou que viado (sic) tinha que morrer. Ali eu senti que, se eu apanhasse e dependesse daquele policial, ia apanhar mais”, conta Leonardo.