Ter um câncer terminal significa controlar a dor de maneira cuidadosa e constante. E significa tomar um perigoso opioide, fentanil, que alivia muito a dor.
Ter um câncer terminal significa controlar a dor de maneira cuidadosa e constante. E significa tomar um perigoso opioide que há muito vem melhorando a vida de pessoas como eu.
Todo dia, a primeira coisa que faço é olhar meu telefone. É assim que controlo minha medicação. Mas para o meu adesivo de fentanil, que troco a cada dois dias, uso o alarme do calendário. Controlar as horas é importante porque não posso deixar que a dose basal de fentanil varie, ou minha dor volta. Meus adesivos são de plástico fino e transparente, com dizeres azuis discretos.
Minha vida não foi sempre assim. Lembro-me de quando eu nem sabia o caminho para os hospitais do centro da cidade de Toronto. Recordo-me de recusar tomar ibuprofeno porque queria sentir minha dor, para rastrear a cura do meu corpo por meio da diminuição de seu ruído. Aquilo foi antes, e isto é agora.
Em 2011, aos 35 anos, eu trabalhava no Nature Conservancy of Canada. Meu marido e eu tínhamos acabado de comprar nossa casa. Eu estava treinando para a meia-maratona. E sentia dor – uma dor excruciante que eu controlava tomando Advil e Tylenol com tanta frequência quanto a embalagem permitia. Não ajudou muito. A dor se tornou tão intensa que fui parar na Emergência, mas os médicos só me deram mais analgésicos e me mandaram para casa. Ficar sentada doía muito, então eu ficava de pé ou reclinada durante as reuniões de trabalho.
A dor finalmente fez sentido quando recebi o diagnóstico em 2013: câncer de mama metastático (CMM). Não foi o estresse de treinar em excesso que me causava dor, como eu pensara inicialmente; era câncer nos meus ossos – câncer que havia metastatizado para outras partes do corpo a fim de formar novos tumores. Apesar de eu ter câncer no fígado, nos pulmões e em outros lugares, é tudo câncer de mama – e é terminal. Mas o CMM pode ser tratado por tempo indeterminado. A média de sobrevida ainda é de dois ou três anos, mas um pequeno número de pessoas vive mais – algumas, até por mais de uma década.
O fentanil não foi a primeira ferramenta que meus médicos e eu tentamos para controlar minha dor. Inicialmente, meu oncologista prescreveu hidromorfona de liberação lenta (um opioide tomado em forma de comprimido), e isso me deu um tremendo alívio. O problema foi quando o efeito passou. Então meu oncologista me passou da hidromorfona de liberação lenta para a de liberação controlada. Isso melhorou o controle da minha dor, mas passei a lutar contra os efeitos colaterais.
Em seguida, meu oncologista me encaminhou para um especialista em cuidados paliativos que me sugeriu experimentar os adesivos de fentanil. Como o método de administração do medicamento é epidérmico – através da pele em vez do estômago –, o adesivo parecia ter menos impacto sobre o trato digestivo. E, por ser o fentanil tão potente, foi necessária uma dose muito baixa para alcançar a equivalência da hidromorfona que eu tomava antes.
“Os adesivos de fentanil não só aliviaram a minha dor: eles devolveram a minha vida.”
Ao fazer a mudança, consegui alcançar o mesmo nível de controle da dor com uma quantidade muito menor de medicamento e bem menos efeitos colaterais. Tomar uma medicação mais forte ainda me deixava preocupada por poder aumentar o risco de overdose. Eu percebi a gentileza na voz da minha enfermeira paliativa quando ela explicou que o fentanil nunca é prescrito como um tratamento de primeira linha para o que eles chamam de paciente “inexperiente a opioide”. Mas eu estava recebendo a dose mais baixa, o equivalente a um pouco menos do que a hidromorfona de liberação controlada que eu tinha tomado.
Os adesivos de fentanil não só têm me aliviado da dor há três anos; eles me devolveram a vida. Eu geralmente consigo dormir a noite toda. Posso me sentar à mesa para uma refeição ou para escrever. Ainda não consigo correr, mas posso andar. E o fentanil não diminui meus movimentos intestinais a ponto de quase pararem. Eu nunca preciso experimentar a agonia de sentir minha medicação perder completamente o efeito – aquela dor nua e crua, consumindo tudo.
“Há um verdadeiro frisson sobre o assunto, e ele desperta um medo legítimo nas pessoas.”
A dor e como controlá-la não dominam mais meus pensamentos a cada minuto do dia. E, porque estou acostumada aos narcóticos e usando apenas o suficiente, nem o desconforto nem os opioides nublam a minha mente. O adesivo de fentanil mudou radicalmente a minha experiência com a dor. Ouvimos tanto nos noticiários sobre os perigos do fentanil, perigos reais que precisamos saber; mas essa droga existe há anos, ajudando silenciosamente as pessoas com câncer, como eu, a recuperar pedaços de nossas vidas.
Com todo o falatório sobre a crise de opioides, e particularmente sobre o fentanil, venho escutando muitas vozes. Ouço entes queridos desamparados pela dor da sua perda. Ouço chefes de polícia e políticos. Ouço especialistas em redução de danos e médicos. Há um verdadeiro frisson sobre o assunto, e ele desperta um medo legítimo nas pessoas. Os médicos não chamam algo de crise à toa.
Mas o que eu não venho ouvindo muito são as vozes dos pacientes. Vozes como a minha. As vozes das pessoas que vivem com desconforto debilitante tolerável apenas graças a opioides como os meus adesivos de fentanil. Sou profundamente grata pelo efeito paliativo eficaz dessa droga sobre a minha dor. Sem ele, eu teria de lutar mais ainda do que eu luto.
Por Teva Harrisson
→ Teva Harrisson documentou experiências com sua doença terminal em ilustrações e ensaios compilados em uma novela gráfica chamada In-Between Days.