Texto sobre o projeto Abraço Virtual, que leva cartas escritas à mão para os pacientes de Covid-19 do Hospital das Clínicas de Campinas.
“O sentimento é de gratidão por transmitir uma palavra de amor a cada paciente que está isolado”. É desta forma que Bruna Dias tem se sentido a cada novo envelope que abre do Abraço Virtual.
O projeto foi criado por um grupo de enfermeiras do Hospital das Clínicas da Unicamp, no qual elas lêem as cartas, que são depositadas em uma caixa de papelão e, escritas à mão por familiares e amigos de pacientes internados e isolados por conta do diagnóstico da Covid-19.
“Nós achávamos que não haveria tanta adesão, já que vivemos num mundo cheio de tecnologia. Para a nossa surpresa as cartas não param de chegar”, conta Bruna, que há dois anos trabalha como enfermeira no HC.
A ideia de ir além dos plantões e criar o “cantinho do abraço virtual” surgiu quando Bruna, durante um dos plantões, encontrou-se com um pai que estava angustiado por notícias da esposa e pedia a liberação de sua filha para visitar a mãe – entubada e sedada na ala de coronavírus.
“Por questões de contaminação, disse que não era permitido, mas que a menina poderia escrever uma carta à mão, que eu me comprometia a ler no outro dia. Foi quando me lembrei de uma professora de português, que perdeu o filho jovem, vítima de um infarto e, desde então, não parou mais de escrever textos falando sobre abraçar de forma interna. Foi aí que surgiu a idéia de criarmos o nosso ‘cantinho do abraço virtual’”, explica.
Muito amor envolvido
Com caligrafias variadas e mensagens das mais diversas – algumas com direito a desenhos e pinturas –, Bruna conta que a reação dos pacientes ao receberem dos familiares estas cartas cheias de histórias e esperanças é de muita emoção. Afinal, muitos relembram em um simples pedaço de papel momentos com a família, desabafam sobre a ausência e contam sobre a vida.
“É indescritível. Não tem como conter a emoção. Não tenho ideia da quantidade de cartas que já li até hoje. Foram muitas… Lembro que um dia, só para um mesmo paciente, eu li onze. E não conseguia parar. Ele estava acordado e entendendo tudo”, relembra.
“Os pacientes entubados, esses nos surpreenderam. A cada carta era uma lágrima escorrendo no conato dos olhos, a frequência cardíaca e respiratória aumentando e, até mesmo, uma tentativa de mexer as mãos ou piscar os olhos”, completa Bruna.
Histórias de amor
Mexida com toda essa experiência, Bruna afirma que passou a ver a vida por outro ângulo.
“Ler aquelas palavras com tanto amor, fé e carinho, ressignificou todo o que é a vida. A primeira carta foi inesquecível, a que falei acima, do pai que estava angustiado por notícias da esposa e me pediu para filha visitar a mãe na ala da Covid-19. Chorei muito quando li essa carta porque estava sensível com toda a situação da pandemia. Depois de passarmos por essas experiências, a gente começa a ver a vida de outra forma. É impossível não mudar”, conta.
A ideia implantada pelas enfermeiras do HC deu tão certo que as cartas, muito bem-vindas, passaram a fazer parte do tratamento dos pacientes da ala da Covid-19.
“Elas foram fundamentais na recuperação de muitas pessoas. Um exemplo é a devolutiva de uma paciente que não aguentava mais sofrer na luta contra a doença, tinha até pedido para que se desligasse o respirador. Ao receber a carta da filha, ela criou forças para enfrentar a situação e após um longo período de internação, foi curada e teve alta”, diz.
Questionada como se sente por participar de um projeto tão bonito, Bruna é direta.
“Nós, profissionais de saúde, sairemos mais humanos dessa pandemia. Não basta ser tecnicamente bom e seguir protocolos. É preciso mais! Precisamos de empatia para cuidar dos outros, de muito amor e isso nós estamos conseguindo”, conclui.