Quando pacientes e cuidadores se unem em uma rede criativa coisas boas acontecem. Conheça a Patient Innovation e algumas invenções que mudaram vidas.
Quando disseram a Tal Golesworthy que ele precisava operar o coração para salvar a vida, sua reação não foi a que se esperaria. Golesworthy tem síndrome de Marfan, doença genética que afeta a força e a elasticidade dos tecidos do corpo. Em 1993, quando morava em Cheltenham, no oeste da Inglaterra, seu médico lhe disse que a aorta, estava tão dilatada que se romperia, a menos que ele fizesse uma grande cirurgia.
“Eles falaram das opções cirúrgicas”, diz Golesworthy, “e não me interessei. A operação não parecia nada atraente.”
Especificamente, ele não gostou da possibilidade de tomar anticoagulantes pelo resto da vida depois da cirurgia; algo que impediria coágulos mas traria outros riscos: “Na época, eu andava de moto e esquiava, e todo o meu estilo de vida seria afetado.”
No entanto, em 2000, seu estado piorou. Ao perceber que teria de tomar providências, Golesworthy decidiu que consertaria a si mesmo.
O surgimento de novas ideias
“Aprender coisas novas e desenvolver novas ideias era meu trabalho. ” Ele avaliou que a aorta dilatada parecia uma mangueira hidráulica inchada, que precisa de reforço externo. E enrolar algo em torno da parte externa da aorta exigiria uma cirurgia menos invasiva.
Assim, Golesworthy se submeteu a um total de 30 horas numa máquina de ressonância magnética, usou impressão 3D para criar uma réplica física da parte defeituosa do coração (a raiz da aorta) e utilizou uma tela macia e porosa para fazer uma manga que se ajustasse a ela.
A pura determinação, somada à solução prática e original, lhe garantiu o apoio de dois importantes cirurgiões cardiotorácicos e o ajudou a levantar recursos para desenvolver a ideia. Em maio de 2004, aos 47 anos, ele se tornou cobaia da própria invenção, o ExoVasc™ – Reforço Externo Personalizado da Raiz da Aorta (PEARS, na sigla em inglês). A operação foi um sucesso – embora ele admita ter se sentido um pouco nervoso na preparação para a cirurgia.
Hoje, a invenção de Golesworthy é usada por cirurgiões do Reino Unido, da Irlanda, Bélgica, República Tcheca, Nova Zelândia e França, e em breve será empregada na Polônia e nos Países Baixos.
Mais do que isso: a história da invenção de Tal se mostrou inspiradora.
A criação da Patient Innovation
“Soube que Tal faria uma apresentação e a achei muito interessante”, diz Pedro Oliveira.
Pedro é professor adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas e Empresariais da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, e comanda um projeto internacional de pesquisa que investiga inovações em diversos setores.
“Comecei a examinar a área da saúde e encontrei vários exemplos de inovação, alguns desenvolvidos por pacientes, outros por cuidadores.”
Nem todas as ideias eram sofisticadas e científicas, longe disso. Na verdade, a simplicidade de uma solução específica inspirou Oliveira.
Na pesquisa, ele conheceu Joaquina Teixeira, mãe de um menino de 6 anos que sofre de síndrome de Angelman. Apesar de anos de tratamento, seu filho estava confinado à cadeira de rodas, incapaz de andar.
Mas, num aniversário, Joaquina observou-o se esticando para tentar pegar o barbante dos balões que flutuavam e teve uma ideia.
Ao voltar para casa, ela encheu todos os cômodos com balões de cores vivas. O resultado foi extraordinário: o menino se esticava para pegá-los; em pouco tempo, estava em pé para conseguir. Finalmente, começou a andar sozinho.
Oliveira percebeu que compartilhar essa estratégia barata e eficaz seria extremamente benéfico para a família de outras crianças com esse transtorno raro. E começou a pensar. Pacientes e cuidadores do mundo inteiro tinham ideias para lidar com todo tipo de coisa. Se apenas uma fração das melhores ideias fosse compartilhada, isso melhoraria a qualidade de vida de centenas de milhares de pessoas no mundo inteiro. Incentivado por essa ideia, em 2014, ele lançou uma plataforma online chamada Patient Innovation.
Mas o que é a Patient Innovation?
De uso gratuito, multilíngue e global, a plataforma permite que qualquer um busque e apresente sugestões, soluções e conselhos sobre uma grande variedade de doenças.
A sócia de Oliveira no projeto é a professora Helena Canhão, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Como diretora médica, ela é responsável pela revisão das ideias. A segurança do usuário tem importância fundamental, e há diretrizes estritas para a apresentação de ideias. Metade delas é excluída, diz Canhão. “Ainda assim, conseguimos identificar e aprovar 750 inovações, e há 60 mil usuários registrados apresentando soluções ou, na maioria dos casos, procurando-as.”
Entre as ideias e invenções da plataforma Patient Innovation está o reforço da raiz da aorta de Tal Golesworthy. Ele fez uma palestra no lançamento da Patient Innovation em Lisboa, em 2014.
“Fiquei espantado, mas não surpreso, quando vi tantas ideias ótimas vindas de todos os tipos de pacientes e cuidadores, muitos deles com pouquíssimo conhecimento profissional para auxiliá-los em sua luta”, diz ele.
A Patient Innovation montou um conselho consultivo com dois laureados pelo Prêmio Nobel (o bioquímico inglês Sir Richard R. Roberts e o biólogo israelense Aaron Ciechanover), professores importantes de Direito, Administração e Bioengenharia e representantes de uma grande variedade de associações de pacientes.
Alguns inventores da Patient Innovation imaginaram soluções muito sofisticadas. Oliveira cita Amit Goffer, de Israel, que ficou tetraplégico depois de um acidente de trânsito, mas que inventou o exoesqueleto elétrico mais avançado do mercado. Trata-se de um tipo de robô vestível que ajuda pessoas com lesões dos membros inferiores a andar.
Outros apresentaram informações sobre aparelhos feitos em casa e dicas práticas valiosíssimas para quem enfrenta dificuldades semelhantes.
“Não são soluções desenvolvidas por cientistas médicos, mas por pessoas normais, que, em geral, não têm treinamento específico”, diz Oliveira. “Mas o que elas têm é uma necessidade. E, como dizem, a necessidade é a mãe da invenção.”
Um dos exemplos favoritos de Oliveira é Michael Seres, da Inglaterra. Seres tem doença de Crohn e passou a usar uma bolsa de ostomia depois de um transplante de intestino em 2011.
“Não há um jeito fácil de saber se a bolsa está cheia ou não, o que não é agradável, como se pode imaginar… e em situações sociais ninguém quer olhar. Então Michael desenvolveu um sensor para a bolsa que se comunica com seu celular via Bluetooth. Agora, ele só olha o celular. E, se a bolsa se encher rapidamente, há um alarme para avisar a hora da troca.”
Hoje, o Ostom-i™, sensor com alerta de Seres, é vendido em toda a Europa e nos Estados Unidos. Sua criação tem aquele jeitinho de feito em casa. “Comprei algumas peças no eBay”, diz o inventor. “A parte principal era um sensor flexível em forma de tira extraído de uma luva Nintendo Wii.”
“Há cinco milhões de pessoas com bolsas de ostomia”, diz Oliveira. “É difícil acreditar que ainda não houvesse nada parecido à disposição.”
Muitas ideias são simplíssimas, mas bastante eficazes. A locutora americana Lisa Crites projetou uma capa impermeável chamada Shower Shirt™ que facilita o banho de chuveiro de pacientes com câncer de mama após a cirurgia – ideia que teve depois de sua dupla mastectomia. O inventor britânico Chris Peacock teve a ideia da caneca ergonômica Hand-Steady™ depois de ver a dificuldade de um parente com mal de Parkinson para levantar a caneca sem derramar o conteúdo. A caneca tem um cabo rotativo que deixa o recipiente sempre na posição vertical.
O neozelandês Graham Drummond, cozinheiro entusiasmado que sofre de artrite reumatoide, inventou facas de cozinha e tábuas de cortar especiais para que preparar os alimentos ficasse menos doloroso e bem mais seguro.
“Além de ideias que só precisam ser compartilhadas há inovações em estágio inicial que são complexas e que as pessoas não conseguem desenvolver sozinhas. Assim, criaremos um laboratório, uma incubadora, para ajudar pacientes e cuidadores a desenvolver suas ideias e comercializá-las.”
A equipe multidisciplinar da Patient Innovation tem os contatos certos para ligar os inovadores – muitos dos quais presos em casa – ao auxílio necessário. Oliveira vem obtendo o apoio de faculdades de engenharia, cujos alunos estão sempre dispostos a aplicar seu talento em projetos do mundo real.
Vários hospitais mostraram interesse em ajudar com os rigorosos testes clínicos exigidos para que produtos e tratamentos sejam levados ao mercado. Há também filantropos e investidores comerciais dispostos a financiar a fase de pesquisa e desenvolvimento.
Os contatos comerciais são utilíssimos para os muitos inovadores da plataforma Patient Innovation que ainda estudam. Alguns desses jovens são motivados pelo desejo de ajudar familiares; outros canalizam a criatividade e a mente brilhante para abordar desafios próprios.
Algumas ideias: um sensor vestível que permite aos cuidadores acompanhar pacientes deambulantes com Alzheimer; um adaptador que permite enfiar e puxar as chaves do carro, em vez de girar; e um braço robótico que reage a sinais do cérebro.
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Os jovens com essas ideias inteligentes podem não saber desenvolvê-las e produzi-las, mas a Patient Innovation pretende ajudar.
“Há um rapaz português chamado Diogo Lopes”, diz Oliveira. “Ele tem a doença de Charcot-Marie-Tooth, que provoca variações rápidas da temperatura corporal. O rapaz é pianista, mas de repente suas mãos ficam muito frias e enrijecem. Certa vez, isso aconteceu quando ele estava prestes a subir no palco. Então ele teve a ideia de bolsos que mantivessem as mãos aquecidas.
Depois de nos explicar a ideia, nós o pusemos em contato com alunos da Júnior Empresas do Instituto Superior Técnico (Junitec), em Lisboa, que criaram bolsos térmicos removíveis, aquecidos por uma almofada térmica que reage à eletricidade fornecida por pilhas. A motivação foi reduzir o desconforto causado por uma doença rara, mas agora há muita gente dizendo que gostaria de ter bolsos térmicos, mesmo sem a doença. Há investidores dispostos a pôr dinheiro na iniciativa, e estamos ajudando o paciente e os alunos de engenharia a abrirem uma empresa e comercializar o produto.”
O reconhecimento pelo bom trabalho
A plataforma Patient Innovation recebeu muitos elogios desde sua criação, mas o reconhecimento pela comunidade médica como recurso extraordinário é a melhor recompensa.
“Recentemente, depois de fazer uma apresentação no maior hospital cirúrgico de Lisboa”, diz Helena Canhão, “meus colegas de lá me disseram que, nas reuniões semanais do departamento, quando discutem casos, agora eles falam das soluções postadas na plataforma Patient Innovation.”
Oliveira acrescenta: “Há dois anos, compartilhar ideias dos pacientes era demais para os médicos. Mas a situação está mudando. O crowdsourcing ou vaquinha pela internet acontece por toda parte, e não há razão para não ocorrer na assistência médica.”
No Reino Unido, Tal Golesworthy credita à Patient Innovation a divulgação de sua invenção, que lhe valeu um dos primeiros prêmios Patient Innovation, em 2015. Mais de 120 pessoas já receberam o implante.
“A Patient Innovation lançou um desafio à comunidade médica”, diz ele, “de recordar que somos todos pacientes, e que alguns de nós podem dar contribuições significativas para melhorar o tratamento com eficácia e baixo custo.”
Por Sorrel Downer