Especialistas revelam pontos aos quais as mulheres devem ficar mais atentas para evitar problemas de saúde cardiovascular.
Douglas Ferreira | 18 de Março de 2022 às 15:00
Certo dia de maio de 2018, Marie Bernhardt (nome trocado para proteger a privacidade), de Marbach am Neckar, na Alemanha, hoje com 62 anos, teve alguns breves episódios de náusea. Poucos dias depois, a náusea a acordou às cinco da manhã. “Vomitei várias vezes e tive diarreia”, conta Marie. Ela achou que estava com uma infecção intestinal; tomou uma aspirina e voltou para a cama.
No entanto, uma ou duas horas depois, ela acordou com dor no peito. As costas e o braço esquerdo doíam. Também havia uma pressão no peito. Todos esses sintomas são típicos de um infarto.
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Na família de Marie há vários casos de doença cardíaca. Ela passara por um estresse recente por causa da morte de um parente. E, por tudo que já lera, sabia que aqueles eram sintomas clássicos de infarto. Mas não tinha certeza. Assim, em vez de ligar para o serviço de emergência, ela telefonou para um amigo, que insistiu para que ela chamasse a ambulância imediatamente.
Sem esse conselho, Marie admite que esperaria mais – e a demora poderia ser fatal. Enquanto a levavam às pressas para o hospital, os paramédicos confirmaram: Marie estava tendo um infarto. No pronto socorro, ela perdeu a consciência. Quando acordou horas depois na UTI, soube que os cirurgiões tinham inserido cinco stents para abrir suas artérias obstruídas.
Agora, Marie passa bem. Mas tem sorte de estar viva.
A demora para pedir ajuda é apenas um dos vários riscos que as mulheres correm no diagnóstico e no tratamento do infarto. Veja aqui o que você precisa saber.
Essa hesitação é surpreendentemente comum nas mulheres. Um estudo suíço, publicado em 2018, constatou que, ao ter um infarto, as mulheres esperaram 37 minutos em média a mais do que os homens para pedir ajuda. Um estudo francês recente também confirmou que elas não pedem ajuda com a mesma rapidez dos homens. De acordo com um dos autores do estudo, a Dra. Stéphane Manzo-Silberman, cardiologista intervencionista dos Hospitais de Paris, na França, “dois terços dos pacientes de infarto experimentam a dor típica no peito. Mas principalmente as mulheres apresentarão outros sintomas: náusea, tontura, uma fadiga incomum. Isso causa confusão, tanto para a mulher quanto para o médico”.
Mas os sintomas de Marie eram clássicos: dor no peito e no braço esquerdo. E ela sabia que podiam indicar um infarto. Mesmo assim, hesitou.
A Dra. Manzo-Silberman diz que, com muita frequência, as mulheres ainda acham que o infarto acontece primariamente com homens. Esse engano pode vir a ser fatal. De acordo com o Eurostat, gabinete de estatísticas da União Europeia, em 2015 uma em cada oito mortes na UE se deveu a esse acidente cardiovascular. E quase metade das mortes foi de mulheres.
Às vezes, nem os médicos reconhecem quando uma mulher está infartando. Uma análise de pacientes internados no setor de emergência de hospitais da Flórida entre 1991 e 2020 verificou que “as mulheres têm mais probabilidade de sobreviver a um infarto quando tratadas por uma médica em vez de um médico”, relata um dos autores do estudo, o professor doutor Brad Greenwood, da Universidade George Mason, em Fairfax, no estado americano da Virgínia. O professor Greenwood especula que as médicas percebem mais depressa sinais tácitos nas pacientes, e estas talvez se sintam mais à vontade para se abrir com as médicas.
Além disso, às vezes, o que acontece no sistema cardiovascular da mulher quando há algum problema é muito diferente do que ocorre no do homem.
Cerca de cinco anos atrás, Jolanda Van Kooten, de Terheyde, nos Países Baixos, hoje com 50 anos, decidiu que estava na hora de enfrentar o pai sobre o trauma de infância pelo qual ela o responsabilizava. Jolanda, mãe de três filhos, sofria de enxaqueca e hipertensão desde a adolescência, exacerbadas pelo fardo das lembranças difíceis da infância. O estresse do confronto foi profundo.
Naquele fim de semana, quando estava em casa com uma amiga depois do encontro com o pai, ela sentiu dor forte nos braços, na mandíbula e no rosto. No passado, ela tivera sintomas como esses, só que leves. Tinha sido fácil ignorar. Mas a dor de agora exigiu sua atenção.
Mesmo assim, ela minimizou os sintomas quando pediu uma consulta médica de urgência. “Quando me lembro, percebo que estava em negação”, diz Jolanda. “Sou enfermeira. Se fosse outra pessoa com aqueles sintomas, eu ficaria alarmada.”
O médico de plantão não era seu clínico de sempre. Embora a pressão arterial estivesse altíssima, como ela não fez caso dos sintomas, o médico concordou que, qualquer que fosse a causa, ela poderia esperar até consultar o médico de costume depois do fim de semana.
Naquela segunda-feira, o clínico geral fez um exame de sangue que mostrou nível elevado de troponina. O coração libera essa proteína na corrente sanguínea quando há lesão cardíaca, como no infarto. Ele encaminhou Jolanda ao cardiologista, que a fez passar a noite no hospital. O eletrocardiograma e o angiograma não encontraram sinais de obstrução. Ela foi mandada para casa outra vez.
No entanto, Jolanda sofrera um infarto naquela noite de sábado, causado por um vasoespasmo – contração de uma artéria coronária que impede o sangue de chegar ao coração.
Por que os médicos não conseguiram fazer o diagnóstico?
Em geral, associamos os infartos a obstruções causadas pelo acúmulo de placas nas artérias (aterosclerose). Os médicos usam a palavra “isquemia” para indicar que o fluxo de sangue foi reduzido ou bloqueado. O que a maioria das pessoas (e até alguns médicos) não percebe é que a isquemia pode acontecer sem nenhuma obstrução. Em talvez 50% dos infartos sofridos por mulheres com menos de 65 anos as obstruções não têm culpa.
Esses acidentes cardiovasculares, principalmente em mulheres, acontecem com tanta frequência que os pesquisadores lhes deram uma sigla: MINOCA (Myocardial Infarction with Non-Obstructive Coronary Arteries, ou infarto do miocárdio com artérias coronárias não obstruídas). Eles são causados por um tipo de isquemia que também ganhou um nome novo: INOCA (Ischemia with No Obstructive Coronary Arteries, ou isquemia sem artérias coronárias obstruídas).
Num certo tipo de INOCA, as artérias sofrem espasmos e têm contrações que interrompem o fluxo sanguíneo do coração. Em outro tipo, as mulheres podem desenvolver lacerações nas artérias, que formam coágulos e bloqueiam o fluxo de sangue. Num terceiro tipo, há um problema nos minúsculos vasos que deságuam nas artérias maiores.
Embora todos esses tipos de redução do fluxo sanguíneo possam causar infartos, nenhum é perceptível em angiogramas, exame que Jolanda fez no hospital. Os angiogramas procuram obstruções nas grandes artérias coronárias.
Jolanda continuou a apresentar sintomas. O clínico geral procurou um especialista que pudesse ajudar e encontrou a Dra. Angela Maas, professora de saúde cardíaca feminina do Centro Médico da Universidade de Radboud, em Nijmegen, nos Países Baixos. Depois de mais exames e análise dos sintomas, a Dra. Maas constatou que Jolanda estava nas garras de um infarto causado por um vasoespasmo quando buscou auxílio médico naquela noite de sábado.
Embora a artéria coronária de Jolanda tivesse se contraído, essa “cãibra” não era constante. Como logo cedeu, o sangue voltou a correr antes que a artéria coronária se contraísse de novo.
A Dra. Maas receitou vários medicamentos que controlam os espasmos coronários, e agora Jolanda está bem melhor. Quando tem sintomas ocasionais, ela se recorda de que o estresse contribuiu com seu infarto e que os sintomas são sinais do coração para desacelerar. “Então tento aproveitar mais a vida.”
As mulheres, principalmente antes dos 50 anos, também podem sofrer outro tipo de ataque cardíaco causado pela dissecção espontânea de uma artéria coronária (DEAC): a parede da artéria forma uma saliência e se rasga, reduzindo ou interrompendo o fluxo de sangue no coração. Com frequência, o alvo são mulheres aparentemente saudáveis, sem fatores de risco conhecidos, embora cerca de um terço delas possa ter pressão alta.
Um grande estudo publicado em 2019 na revista Journal of the American Heart Association descobriu que, embora cause apenas 1% a 4% do total de infartos, a DEAC é responsável por cerca de 25% desses acidentes cardiovasculares em mulheres com menos de 50 anos.
Um terceiro tipo de infarto mais frequente em mulheres do que em homens é a chamada síndrome de Takotsubo ou “do coração partido”, que é exatamente o que o nome diz: um infarto causado por um evento emocional súbito e chocante. Esses abalos emocionais podem causar contrações nos minúsculos vasos sanguíneos existentes no coração.
É claro que as mulheres podem ter e têm infartos provocados pela formação de placas. É a principal causa em mulheres com mais de 65 anos. Portanto, em qualquer idade é preciso escolher um estilo de vida saudável.
Também precisamos ter consciência de outros fatores que aumentam o risco. “Para quem teve pressão alta na gravidez, diabetes, síndrome do ovário policístico ou menopausa precoce, é importantíssimo verificar anualmente a pressão arterial e o nível de colesterol e consultar o médico”, adverte a Dra. Leslie Cho, diretora do Centro Cardiovascular Feminino da Clínica Cleveland, no estado americano de Ohio. Tudo isso aumenta o risco de infarto.
Entre esses fatores de risco, o diabetes pode ser o mais importante. “O diabetes aumenta a probabilidade de o colesterol causar obstruções”, explica a Dra. Cho. Portanto, o bom controle da glicemia é essencial para proteger o coração.
A Dra. Cho diz que o exercício físico pode ser o fator mais importante para manter o coração o mais saudável possível. Isso foi verificado por incontáveis estudos. Por exemplo, segundo um artigo publicado em junho de 2020 pela Clínica Mayo, nos Estados Unidos, pessoas ativas de 65 a 84 anos com formação significativa de placas não tiveram mais probabilidade de morrer do que sedentários sem placas.
Atividades aeróbicas como caminhar, nadar, correr e pedalar ajudam a manter o músculo cardíaco saudável. Mas os exercícios não precisam ser extenuantes. Caminhadas rápidas de meia hora por dia são tão benéficas quanto as corridas.
A única exceção à regra do exercício: em geral, mulheres que sofreram um infarto por causa da DEAC são aconselhadas a evitar exercícios vigorosos. Sempre siga a orientação de seu médico a respeito da atividade física.
Indícios crescentes comprovam a máxima de Hipócrates: “Que o alimento seja seu remédio e o remédio seja seu alimento.” Adotar uma alimentação total ou principalmente baseada em frutas, legumes e verduras diminui o risco cardíaco, como constatou um estudo americano de 2019. Outros estudos mostram que os alimentos industrializados impõem mais risco ao coração, talvez por aumentar a probabilidade de diabetes.
Um fator muitas vezes desdenhado é a saúde emocional. “É muito mais provável que as mulheres tenham os problemas psicossociais que predispõem à doença cardíaca precoce”, alerta a Dra. Cho. “A depressão aumenta o risco de infarto.” Em pessoas estressadas, o corpo produz um nível mais alto de hormônios que causam a contração dos vasos sanguíneos.
Como o estresse geralmente faz parte da vida moderna, o que as mulheres podem fazer para aliviá-lo? Ioga, meditação e a técnica da atenção plena podem ajudar. E também boas risadas, diz um informe recente do Instituto Cardiovascular do Centro Médico Beth Israel Deaconess, em Boston. Quando se concentrar em questões desagradáveis, um modo imediato de desviar a atenção é escapar por algumas horas para assistir a comédias, espetáculos de humor ou outras atividades que a façam rir.
Todos os especialistas com quem Seleções do Reader’s Digest conversou ressaltaram o mesmo fenômeno: as mulheres não levam suficientemente a sério a possibilidade de infarto. É fundamental não esquecer: só com exames você ou o médico saberá se é ou não o caso. Não se autodiagnostique. Peça ajuda imediatamente.
“Com mais frequência, as mulheres sentem dor na mandíbula, nas costas, entre as omoplatas ou no trato gastrointestinal superior”, diz a Dra. Maas. “Às vezes, só sentem coceira na área do peito.”
Se o médico não levar seus sintomas a sério, é importantíssimo defender seu próprio caso. “Peça o exame de troponina de alta sensibilidade”, aconselha a Dra. Maas. Onde usado, o exame resultou no dobro de diagnósticos de infarto em mulheres, observa a Dra. Maas. Isso significa que milhares de mulheres sofrem infartos que não são detectados.
Leve seus sintomas a sério e fique atenta para que seu médico faça o mesmo. Você pode salvar sua vida.