colesterol
Redação | 12 de Março de 2018 às 17:00
Na manhã de 16 de abril de 2004, uma sexta-feira, Mohamed Hadibèche, na época com 44 anos e motorista de caminhão, sentiu uma leve dor no peito. Passou em minutos. Na manhã seguinte, a dor voltou e, novamente, sumiu pouco depois. Assim, quando a dor reapareceu na tarde seguinte, ele achou que poderia ignorá-la. Dessa vez, no entanto, logo ficou mais intensa. “Parecia uma estaca enfiada no meu peito”, recorda Mohamed. Sua mulher, Houria, insistiu em levá-lo ao hospital.
Mohamed não tinha como saber naquele domingo, mas, dentro das paredes das artérias que levavam ao seu coração, o colesterol andara-se acumulando. Com o tempo, ele enrijecera e formara placas, criando uma doença chamada aterosclerose. Essas placas estreitaram o espaço por onde corre o sangue.
Quando as placas se rompem, como às vezes acontece, podem se formar coágulos que interferem ainda mais com o fluxo sanguíneo. Parece que foi isso que aconteceu a Mohamed. Obstruído pelo colesterol endurecido e calcificado e pelos coágulos, o sangue rico em oxigênio não chegou mais ao coração. E Mohamed Hadibèche sofreu um infarto.
O colesterol é uma substância gordurosa – um lipídio – produzida no fígado. Não podemos viver sem ele. “Ele é necessário para fabricar hormônios, DNA e as membranas celulares”, explica Ian Graham, professor de Medicina Cardiovascular do Trinity College, na Irlanda. Se não fosse o colesterol, o cérebro não funcionaria.
No entanto, ele não navega sozinho pelos vasos sanguíneos. Quando o médico informa ao paciente seu nível de colesterol, na verdade ele está falando de vários tipos de partículas que têm o colesterol como um dos componentes. Essas partículas minúsculas se chamam lipoproteínas, porque o exterior é formado de proteínas e o interior contém dois lipídios: o colesterol e um segundo lipídio chamado triglicerídeo. (Os triglicerídeos formam quase toda a gordura do corpo.)
O exame de colesterol só mede as duas lipoproteínas principais: a de alta densidade (HDL), chamada de colesterol “bom”, e a de baixa densidade (LDL), cuja concentração de colesterol é menor e que costuma ser chamada de colesterol “ruim”. A terceira lipoproteína mais importante é a de baixíssima densidade (VLDL), uma partícula grande com elevada concentração de triglicerídeos.
Apesar de nem todos os problemas cardíacos estarem ligados ao colesterol, estima-se que ele é responsável por um terço dos casos de doença coronariana.
Essas partículas de lipoproteína circulam pela corrente sanguínea para levar as moléculas de colesterol e outras substâncias até onde foram necessárias – e às vezes aonde não são. Afinal, apesar de sua importância para o funcionamento do organismo, a quantidade de colesterol pode ser grande demais. “Temos o quádruplo da quantidade de que precisamos”, diz o professor Graham. “Ninguém sabe direito por quê.”
Quando vai aonde não é bem-vindo – à parede das artérias, como aconteceu com Mohamed –, esse excesso eleva o risco de problemas cardíacos. Se as artérias que levam ao cérebro estiverem envolvidas, o risco de acidente vascular cerebral (AVC) aumenta.
Apesar de nem todos os problemas cardíacos estarem ligados ao colesterol, estima-se que ele é responsável por um terço dos casos de doença coronariana. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, as doenças cardiovasculares são responsáveis por quase 30% de todas as mortes registradas no país em um ano. Enquanto isso, um nível elevado de triglicerídeos, que aumentam quando o nível de colesterol “bom” cai, pode dobrar o risco de AVC, segundo um grande estudo de 2012.
“Todos os lipídios do plasma [sanguíneo] são determinados pela genética e pelo estilo de vida”, diz o Dr. Børge G. Nordestgaard, do Hospital Universitário de Copenhague. Embora não possamos mudar os genes, podemos modificar o estilo de vida.
Depois de analisar o resultado de seis estudos anteriores, os cientistas verificaram que exercícios reduzem o colesterol, porém menos do que a melhora na alimentação. A probabilidade de obter níveis mais saudáveis aumenta quando se combinam os dois. E, caso os quilos tenham se acumulado com o passar dos anos, perder esse peso é, provavelmente, a mudança mais importante, afirma o Dr. Ronald Mensick, pesquisador do Departamento de Biologia Humana da Universidade de Maastricht. “Quando o peso cai, o LDL também cai.” E, da mesma forma, os triglicerídeos.
Portanto, comer alimentos mais saudáveis – medida eficaz, segura e infinitamente mais fácil – é o melhor primeiro passo para controlar o colesterol da maior parte das pessoas.
Mas emagrecer é difícil para muitos, talvez para a maioria, e manter o peso baixo pode ser mais difícil ainda. Portanto, comer alimentos mais saudáveis – medida eficaz, segura e infinitamente mais fácil – é o melhor primeiro passo para controlar o colesterol da maior parte das pessoas.
Nem todo mundo, contudo, recebe essa informação. Foi o caso de Mohamed, apesar de ter passado mais de um mês no hospital e frequentar um centro de reabilitação cardíaca. Como seu nível de colesterol era altíssimo e perigoso, os médicos receitaram um medicamento à base de estatina, a fim de inibir uma enzima usada pelo fígado para produzir o colesterol. As estatinas são o tratamento medicamentoso mais comum para quem tem colesterol alto. Entretanto, ninguém sugeriu a Mohamed que mudasse a alimentação. E em 2004, mesmo que sugerissem, talvez os médicos lhe dessem conselhos errados.
O que devemos comer para controlar o colesterol é fonte de confusão há tempos. Pesquisas recentes mostram que, ao contrário de pressupostos anteriores – e antigos conselhos dados aos pacientes –, o que consumimos contribui para para um aumento pouco expressivo do colesterol no sangue. É o excesso fabricado pelo fígado que provoca problemas. Esse excesso ainda está ligado ao que comemos, porém não necessariamente aos alimentos que os médicos proibiam no passado.
Antigamente, os cientistas acreditavam que todas as gorduras dos alimentos elevavam a quantidade de gordura no sangue. Hoje, eles sabem que os principais culpados são as gorduras trans e saturadas, sobretudo numa alimentação que inclua grandes porções de carne vermelha, e de modo bastante surpreendente, alimentos ricos em amido e açúcar, e industrializados.
“Fizemos estudos esperando ver a melhora do nível de colesterol [com uma dieta pobre em gordura] e, para nossa surpresa, vimos o oposto”, diz o Dr. Ronald Krauss, diretor de estudos de aterosclerose no Instituto de Oakland, na Califórnia. Isso porque, ao reduzir o total de gordura ingerida, “a maioria substitui as calorias por carboidratos”, explica ele.
A dieta mediterrânea é uma alimentação desse tipo, e um estudo holandês publicado em 2010 verificou que ela diminui o colesterol total e o LDL.
Uma alimentação com muito amido e açúcar – como pão, batata, alimentos com açúcar adicionado e arroz branco – eleva o VLDL, o LDL e os triglicerídeos, e reduz o HDL ou colesterol “bom”. Um grande estudo dinamarquês com 12 anos de duração,. publicado em 2009, constatou que substituição de gordura por amido e açúcar na alimentação aumenta a incidência de infartos.
Enquanto isso, segundo diversos estudos e especialistas de toda a Europa e dos Estados Unidos, muita gordura insaturadas (as que se mantêm líquidas à temperatura ambiente), sobretudo as do azeite de oliva, dos peixes oleosos e das nozes e castanhas, na verdade ajudam a reduzir o nível de colesterol. Quem tem uma alimentação rica em hortaliças frescas, leguminosas, cereais integrais, peixe, nozes e castanhas está mais propenso a apresentar um nível mais baixo de colesterol. A dieta mediterrânea é uma alimentação desse tipo, e um estudo holandês publicado em 2010 verificou que ela diminui o colesterol total e o LDL. Outro estudo constatou que uma alimentação rica em fibras vegetais, soja e amêndoas reduziu o colesterol LDL quase tão bem quanto as estatinas, medicamento-padrão para baixar o colesterol.
A franzina Outi Elovaara, mãe de seis filhos, de Forssa, na Finlândia, não parecia ter colesterol alto. Seu peso era saudável, ela comia bem – preferia legumes, cereais integrais, laticínios desnatados, peixes e carnes magras – e se exercitava com regularidade. No entanto, em julho de 2012, com 51 anos, Outi sofreu um AVC. “A obstrução começou no coração e foi até o cérebro”, conta. “Minha fala ficou arrastada e um lado de meu rosto pendeu. Foi muito repentino. Eu não parava de pensar que ficaria paralítica, que dependeria dos outros pelo resto da vida.”
Mas Outi teve sorte. Em poucos dias recuperou a fala, e as únicas sequelas que restaram são a dificuldade de escrever à mão e uma leve fraqueza no braço esquerdo. Ainda assim, seu colesterol total de 263 mg/dL era muito mais alto do que a recomendação atual para quem tem histórico familiar de doença cardíaca. O pai de Outi morreu de infarto com 41 anos, a irmã com 59. Depois do AVC, foi imperativo baixar seu nível de colesterol até um patamar mais seguro, e lhe pre-escreveram estatina para reduzir o colesterol e clopidogrel para evitar coágulos.
Embora em geral as estatinas sejam suficientes para baixar o LDL a um nível mais saudável, algumas pessoas precisam de medicação adicional para chegar à meta.
Embora em geral as estatinas sejam suficientes para baixar o LDL a um nível mais saudável, algumas pessoas precisam de medicação adicional para chegar à meta. Assim, é possível receitar um medicamento chamado ezetimibe, ou uma combinação de ezetimibe e estatina.
Segundo o Dr. Anselm Gitt, cardiologista e pesquisador de Ludwigshafen, na Alemanha, num estudo aleatório com 18 mil pacientes de alto risco, o tratamento combinado de ezetimibe e estatina fez o nível de colesterol LDL baixar, em média, 10% mais. “O ezetimibe tem um mecanismo totalmente diferente”, explica. Em vez de inibir a produção de colesterol, ele diminui sua absorção. Esse golpe duplo ajuda a atingir o nível seguro quando as estatinas sozinhas não conseguem.
Quais são as opções quando a redução necessária do colesterol é maior do que a obtida só com a alimentação e o paciente não tolera estatinas? Outi Eiovaara está entre aqueles que têm efeitos colaterais graves. “Tentei tomar o remédio, mas foi impossível por causa das dores musculares e articulares”, diz ela.
Embora os problemas musculares estejam entre os efeitos colaterais mais conhecidos das estatinas, segundo o Dr. Krauss, outras preocupações só têm vindo à luz agora, como o aumento do risco de apresentar diabetes tipo 2. O vínculo com o diabetes é mais forte entre as mulheres, diz o Dr. Krauss.
Dado o potencial de salvar vidas, o uso das estatinas costuma valer a pena. Entretanto, medicamentos mais novos e muito mais poderosos estão para surgir.
A solução para pessoas como Outi que correm risco elevado e não consegue reduzir suficientemente o colesterol apenas com estatinas e alimentação, ou que não toleram as estatinas, pode ser um medicamento projetado com engenharia genérica para ajudar o fígado a eliminar o colesterol LDL. Vários medicamentos desse tipo, chamados inibidores de PCSK9, estão nos últimos estágios dos estudos clínicos, e o resultado tem sido muito promissor. Até agora nenhum foi aprovado para venda, mas o Dr. Gitt estima que pelo menos um deles chegará ao mercado em breve. Segundo ele, “quando se toma esse remédio, o LDL cai mais 70%.”
Para reduzir o colesterol, hoje Outi recorre a suplementes alimentares à base de fotoesteróis e fitoestanóis em lugar dos medicamentos. Os fitoesteróis e fitoestanóis são substâncias vegetais cerosas semelhantes ao nosso colesterol e que, comprovadamente, ajudam a manter baixo o nível desse lipídio. Em seu último check-up, o colesterol total era de 178: melhor do que quando sofreu o AVC, mas ainda não o ideal.
Os fitoesteróis e fitoestanóis são substâncias vegetais cerosas semelhantes ao nosso colesterol e que, comprovadamente, ajudam a manter baixo o nível desse lipídio.
Por sua vez, Mohamed consultou uma nutricionista e descobriu que seu estilo de vida prejudicava a saúde. Com base nas orientações da profissional, ele parou de fumar, diminuiu o açúcar, o sal e a gordura saturada, e iniciou um programa de exercícios. “O impacto no meu exame de sangue foi incrível”, diz ele. “Graças a essas mudanças, meu nível de colesterol baixou tanto que o médico reduziu a dose de estatina.”
Isso mostra que hoje há boas soluções e que talvez existam outras ainda melhores amanhã para ajudar a manter o colesterol em um nível saudável.