SBC lançou a 2ª edição da diretriz brasileira de cardio-oncologia, que orienta sobre os efeitos cardíacos nos tratamentos de câncer.
O cuidado com pacientes com câncer vai desde o diagnóstico até o tratamento mais indicado para cada tipo. Não raro, tais tratamentos levam a efeitos cardíacos que, se não observados, podem trazer complicações sérias e até a morte de pacientes.
A causa principal de morte nos pacientes com câncer — se não por complicações do próprio câncer — são as doenças cardiovasculares. Estas são, inclusive, a primeira e segunda principais causas de morte por enfermidade no país, segundo dados do DataSUS.
Assim, conhecer os efeitos da primeira na segunda é fundamental. Em vista disso, a Sociedade Brasileira de Cardiologia lançou, no último dia 12, a segunda edição da diretriz brasileira de cardio-oncologia.
Nova orientação traz uma análise ainda mais completa
A primeira edição, publicada em 2011, trazia informações ainda incipientes sobre os efeitos que alguns tipos de tratamentos de câncer, como a imunoterapia, à época ainda pouco difundida, causavam no coração.
Após quase uma década, no entanto, o conhecimento da medicina sobre esses efeitos cresceu. Portanto, foi possível postular novas orientações mais direcionadas a alguns procedimentos terápicos contando, inclusive, com estudos randomizados e controlados feitos com pacientes com câncer.
A Folha conversou com a cardiologista Isabela Bispo Costa, uma das autoras da diretriz, ao lado de outros pesquisadores do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo) e do Incor (Instituto do Coração) da USP.
Entre as principais orientações estão as novas classificações de cardiotoxicidade dos tratamentos oncológicos.
Diversos tipos de tratamentos além dos oncológicos têm efeitos tóxicos no coração; mas alguns tipos de tratamentos estão mais frequentemente associados a determinadas doenças cardiovasculares.
É o caso, por exemplo, do uso de imunoterápicos que podem levar à miocardite, uma inflamação rara, porém que pode ser letal, no miocárdio. Disfunções ventriculares, doença arterial coronariana e hipertensão arterial são mais frequentemente associados à quimioterapia.
Já a radioterapia pode também levar à doença arterial coronariana e a alguns tipos de complicações nas válvulas e no pericárdio.
Diretriz ressalta a importância de um olhar integrado do paciente
A diretriz também dá orientações para pacientes com condição cardiológica pré-existente, indicando por exemplo o tipo de stent a ser utilizado para tratar doenças coronárias.
“O stent convencional, que é apenas a mola de metal para manter a coronária aberta, não é mais indicado para pacientes oncológicos, mas sim o stent farmacológico, que libera medicação e pode assim impedir uma inflamação no local da aplicação”, explica Costa, dizendo ainda que esses equipamentos são muito superiores e podem ser utilizados por essa população com segurança.
Costa afirma que a nova diretriz é bem diferente da anterior, especialmente por trazer indicações sobre o uso de anticoagulantes orais diretos.
Dentro do rol de doenças cardiovasculares que colocam em risco os pacientes com câncer, os eventos tromboembólicos são a segunda principal causa de mortalidade, depois da doença arterial coronariana. Por esse motivo, anticoagulantes eram antes contraindicados.
“Alguns tipos de câncer, principalmente os gástricos e urogenitais, causam sangramentos, o que levou a uma contraindicação generalizada dos anticoagulantes para pacientes de câncer”, explica a médica.
“Mas, avaliando os efeitos desses medicamentos em diversos pacientes, tendo em mente também o tipo de tratamento terápico de cada um, foi possível reverter essa contraindicação. Na diretriz publicamos as principais orientações e também as precauções para que esses remédios sejam mantidos.”
Leia mais: Câncer de cólon — entenda a causa da morte do ator Chadwick Boseman
Ela explica que a diretriz é uma série de orientações. Porém, é importante que o oncologista mantenha contato com um cardiologista durante todo o tempo de tratamento e acompanhamento do paciente.
Ressalta ainda que a proteção ao sistema cardiovascular vai depender também do estágio mais inicial ou avançado do câncer e também da idade do paciente.
“Em um paciente com estágio avançado, que já entrou em cuidados paliativos, a medicação para proteção do coração pode não trazer nenhum benefício. Mas um paciente jovem, que ainda pode viver muito no futuro, vai se beneficiar dessa proteção ao coração.”
Em um mundo com a medicina cada vez mais individualizada, o olhar integrado do paciente, e não apenas para atacar um problema ou doença, faz-se presente.
“Hoje o que preconizamos nessa diretriz é que o acompanhamento seja antes, priorizando o controle dos fatores de risco, durante o tratamento e nos sobreviventes para acompanha-los. E isso porque a condição cardiológica não ocorre só durante a quimioterapia ou radioterapia, pode aparecer tardiamente. Sem dúvida a medicina individualizada é uma das nossas prerrogativas”, finaliza.
FOLHAPRESS