A cada dia novas evidências dos benefícios da musicoterapia para a nossa saúde surgem. Entenda do que se trata essa terapia diferente.
Douglas Ferreira | 15 de Março de 2019 às 16:00
Só de ouvir uma música você se arrepia e se sente mais contente, calmo ou agitado? Bom, isso não é apenas uma sensação. É algo real. A cada dia a ciência comprova os benefícios da musicoterapia para a nossa saúde.
Conforme a base científica por trás da “medicina musical” começa a surgir, esta que já foi desdenhada como uma das terapias alternativas mais esquisitas, agora está virando tratamento oficial. Em alguns hospitais dos Estados Unidos, centros cirúrgicos são ambientados com música clássica para ajudar os pacientes a relaxar e acalmar o nervosismo pré-operatório.
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Pesquisas americanas também indicam que expor pacientes à música depois de grandes cirurgias ajuda a baixar a pressão arterial e a frequência cardíaca, acelerando a cura. A avançada tecnologia de “mapeamento” do cérebro, com ressonâncias magnéticas “funcionais” que mostram as áreas do cérebro que reagem a diversos estímulos, permite que os terapeutas identifiquem os tipos de música que exercem efeitos. Podem ser calmante, excitante e até negativo sobre a mente e o corpo.
Isso levou à descoberta mais empolgante de todas: os diversos ritmos e andamentos das músicas refletem a frequência individual das ondas cerebrais – padrões de ondas elétricas geradas pelo cérebro. Como esses padrões refletem nosso relaxamento ou tensão, os pesquisadores imaginam que logo será possível receitar, junto com medicamentos convencionais ou no lugar deles, alguma forma de terapia musical. Será “sob medida”, sintonizada para servir a cada uma de nossas necessidades mentais ou físicas.
A musicoterapia envolve mais do que apenas escutar nossas músicas preferidas. Apesar das afirmativas de muitos, as melodias soníferas não são necessariamente as melhores para banir a ansiedade e a insônia. Ainda mais no caso de quem se deita tenso e bem desperto.
A trilha sonora em que estou viciada – Sleep Sounds for Grown-Ups (Sons do sono para adultos) – foi desenvolvida quase por acaso pela Dra. Elizabeth Scott, clínica geral de Edimburgo, na Escócia, que tentava acalmar o neto insone e choroso.
De fato, ela descobriu uma seleção de músicas que fazia o bebê dormir quase instantaneamente. E isso resultou no CD Sound Asleep for Babies (Sono profundo para bebês). O que a surpreendeu foram os andamentos que funcionaram melhor. “Ele não adormeceu quando tocava música lenta, mas caiu no sono quando ouviu obras animadas como As quatro estações, de Vivaldi.”
Ao começar a pesquisar como os padrões das ondas cerebrais mudam e como frequências diferentes predominam quando passamos do estado de vigília para o sono profundo, a Dra. Elizabeth percebeu que, para induzir o sono, a música precisava combinar o máximo possível com essa mudança.
A frequência das ondas cerebrais é medida em hertz (Hz), ou ciclos por segundo, e varia da mais alta – 35 Hz, quando estamos bem acordados – a menos de 3 Hz durante o sono. Assim, a música do “sono” deveria refletir as ondas cerebrais de alta frequência (gama e beta) antes de desacelerar gradualmente para corresponder às frequências média e baixa (alfa e teta), terminando com as que combinem com as ondas mais lentas do sono (delta).
Achei irritante o ritmo rápido do início das compilações da Dra. Elizabeth, gravadas especialmente com piano e violino, previ cada mudança de compasso e só adormeci depois de meia hora. Agora, pego no sono em alguns minutos e mal percebo as músicas. É como se a música e a química cerebral se fundissem, eliminando o pensamento e a tensão. Cada desaceleração leva a um estágio de sono mais profundo.
Embora o método da Dra. Elizabeth de combinar música e ondas cerebrais já exista há mais de duas décadas, sua credibilidade científica recebeu um grande estímulo graças a uma evolução chamada terapia da música cerebral.
Criada na Rússia pelo Dr. Iakov Levine e hoje popular entre os psicólogos americanos, a técnica se baseia quase inteiramente em tecnologia computadorizada avançada. Com um eletroencefalógrafo, gravam-se as ondas cerebrais dos pacientes que relaxam ou meditam conscientemente. Então, um algoritmo é usado para converter digitalmente as ondas cerebrais em notas musicais gravadas num CD. Mais tarde os pacientes as escutam para estimular o relaxamento ou aumentar a energia.
Essa “música cerebral” corresponde às variações mais sutis das ondas cerebrais humanas e, segundo a psiquiatra Dra. Galina Mindlin, diretora do Centro de Terapia da Música Cerebral de Nova York, “é mais pessoal do que as impressões digitais – não há dois sons absolutamente idênticos”.
Ela diz que a maior parte da música cerebral é bem parecida com a música clássica para piano, e a tonalidade, o ritmo e a harmonia variam de pessoa para pessoa e dependem do estado de relaxamento ou agitação. De acordo com Damian Fowler, crítico de música de Nova York que experimentou a terapia da música cerebral, suas ondas cerebrais “soavam como uma mistura de Philip Glass com Bach, tocada ao piano por um competente amador. A tonalidade era dó menor”.
Estudos americanos informam que essa terapia traz mais benefícios do que escutar as tradicionais músicas relaxantes e que ela foi especialmente efetiva para aliviar enxaquecas, transtornos de ansiedade, depressão e insônia.
Os pacientes recebem dois CDs personalizados para uso diário em casa: um para relaxar, outro para animar. Embora o humor e a saúde possam demorar semanas para apresentar melhoras, a música afinal se torna tão conhecida que o cérebro passa automaticamente para o ritmo relaxado. Outros estudos confirmam a influência da música: já foi demonstrado que escutar música clássica lenta libera melatonina e reduz o cortisol e a adrenalina, substâncias químicas do estresse.
Assim, será que algum dia escolheremos a “receita” musical adequada, dependendo do nosso estado de pânico, depressão ou falta de sono?
Pois é, talvez. Embora a terapia da música cerebral seja cara para a maioria das pessoas, os pesquisadores da Universidade Metropolitana de Londres aperfeiçoaram novos algoritmos e um sistema de eletroencefalograma mais barato, do tamanho de um iPod, que poderão tornar a terapia relativamente barata.
O pesquisador Adrian Trevisan, que ajudou a desenvolver o sistema britânico, estuda seus efeitos em 60 voluntários antes de treinar os profissionais que o aplicarão. Enquanto isso, ele aconselha cautela com anúncios na Internet oferecendo a terapia.
“Muitos ‘profissionais’ da terapia da música cerebral não têm treinamento apropriado nem qualquer certificação. Até que haja protocolos a seguir, a área permanece desregulamentada. Alguém pode ser prejudicado, por exemplo, ao aumentar tanto as ondas cerebrais mais baixas que elas interfiram no funcionamento normal do cérebro em vigília. Superestimular determinados ritmos pode perturbar os receptores cerebrais, como ao usar cocaína.”
Mas, se o futuro parece promissor para quem sofre com insônia, estresse e ansiedade, o que dizer aos que precisam de mais energia, motivação, concentração e memória? Que tal uma música que me deixe animada com a mesma rapidez que me faz pegar no sono?
Pesquisadores da Universidade de Manchester, Inglaterra, identificaram um mecanismo primitivo da audição responsável por gerar prazer quando ficamos imersos na música alta de uma boate ou da aula de aeróbica. O Dr. Neil Todd, especialista em percepção musical, descobriu que o sáculo – órgão que faz parte do mecanismo de equilíbrio do ouvido interno – reage à frequência e ao ritmo do rock’n’roll alto, aparentemente reproduzindo a sensação das montanhas-russas e dos saltos de bungee jump, que estimulam o centro de equilíbrio.
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De acordo com o Dr. Todd, o sáculo não tem função auditiva, mas está ligado ao centro de prazer do cérebro, que comanda o desejo por comida, sexo e drogas. Isto é, também cria a sensação prazerosa que sentimos ao ouvir, cantar ou dançar ao som de uma música popular. Mas só em alto volume e com frequências acima de 90 Hz. Aliás, os estudos demonstram que o sáculo reage melhor a frequências entre 300 Hz e 350 Hz. Só para ilustrar e servir de parâmetro, na escala musical o dó central tem 261 Hz).
“A distribuição de frequências nos shows de rock e nas boates parece projetada para estimular o sáculo”, explica ele. “Pois elas ficam exatamente nessa faixa de sensibilidade.”
Depois de um estímulo prolongado, a liberação de endorfinas e outros hormônios reconfortantes traz uma sensação maior de felicidade e energia, muitas vezes por longos períodos.
Da mesma forma, outra pesquisa começa a revelar certas esquisitices de como a música nos influencia. Por que, por exemplo, o efeito relaxante ou excitante só é sentido depois da música? A mudança de ritmo entre uma música e outra ou o próprio silêncio terão impacto retardado sobre o sistema nervoso?
Dr. Luciano Bernardi, da Universidade de Pávia, na Itália, mediu a flutuação da frequência cardíaca, da respiração e da pressão arterial. Um grupo de 24 homens. Eles ouviam música clássica lenta e rápida, techno, rap e outros gêneros.
Para sua surpresa, as funções corporais só reduziam de forma significativa quando a música desacelerava ou acabava. Ou quando havia uma pausa inesperada de dois minutos. Essa reação retardada acontecia em qualquer música que os participantes escutassem. De fato, era mais fácil de perceber nas pausas em músicas lentas.
Portanto, de acordo com Bernardi, ouvir música envolve algum foco de atenção. Assim, quando esse foco é desfeito o corpo relaxa por completo. Da mesma forma, o relaxamento físico é mais profundo depois de nos concentrarmos nos músculos ou tensioná-los. Ele afirma que podemos atacar o estresse criando nossa própria seleção; alternando, assim, ritmos rápidos e lentos e “editando-as” com pausas e silêncios mais longos.
A pesquisa de Bernardi destaca um fato interessante: talvez não seja o que escutamos, mas como escutamos. Ou seja, o volume, pausas e até o ritmo transforma a música em terapia. Sendo assim, agora, se me dão licença, vou pôr os fones e aumentar o som.
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