Mistério médico: os problemas intestinais de Karim começaram aos 20 anos.Ele tinha diarreia e corria ao banheiro até dez vezes por dia. Mas o que ele tinha?
Redação | 3 de Maio de 2019 às 14:00
Os problemas intestinais de Karim começaram aos 20 e poucos anos. Ele tinha diarreia – corria ao banheiro até dez vezes por dia –, e a barriga costumava doer muito depois das refeições. Na época, ele ainda morava em seu país natal, no norte da África, e foi lá que um médico diagnosticou doença de Crohn, que é autoimune e provoca desconforto abdominal. Durante oito anos, Karim experimentou vários medicamentos em busca de alívio, mas os sintomas só continuavam a ir e vir. O rapaz foi ficando cada vez mais magro, e às vezes se sentia tão mal que não conseguia trabalhar.
No início de 2017, quando se mudou para Nova York visando a mais oportunidades de emprego, uma das prioridades de Karim foi procurar outra opinião e talvez encontrar novas esperanças.
Realmente, seu novo médico tinha outras sugestões para aliviar os sintomas da doença de Karim, como o Humira, um novo medicamento feito de anticorpos humanos que reduz a reação inflamatória do corpo.
A princípio, o remédio pareceu fazer efeito. Karim se sentiu melhor e chegou a engordar um pouco. Mas, algumas semanas depois de começar a tomar o medicamento, foi levado às pressas ao pronto-socorro do Monte Sinai no meio da noite, em crise. Nos últimos três dias, a dor tinha se intensificado, e agora ele sentia que uma lâmina o cortava ao meio sem parar. Estava febril e com grave prisão de ventre. Os exames iniciais de laboratório mostraram que ele estava com nível elevado de linfócitos (glóbulos brancos que combatem infecções).
O Dr. Alexander Greenstein, especialista em doenças intestinais inflamatórias, examinou Karim de manhã cedinho. Para ele, Karim tinha todos os sinais indicadores de obstrução intestinal, complicação comum das inflamações e cicatrizes causadas pela doença de Crohn. A tomografia da noite anterior mostrava o espessamento do intestino delgado, mas também revelava algo inesperado:
A barriga de Karim continha uma quantidade imensa de líquido que não deveria estar lá. Esse acúmulo poderia ocorrer se o intestino obstruído estivesse perfurado, mas o exame não mostrava indícios disso.
Enquanto isso, Karim sofria. O Dr. Greenstein e sua equipe discutiram o que fazer. Às vezes as obstruções intestinais se desfazem sozinhas, com o tempo, mas os médicos temiam que, se o líquido estivesse contaminado com bactérias intestinais, a infecção se espalhasse, levando à falência de outros órgãos.
“Parecia perigoso demais esperar”, observa o Dr. Greenstein. “Meu instinto dizia: esse rapaz está muito doente, e temos de ver o que está acontecendo.”
Em poucas horas, o paciente estava deitado na mesa de cirurgia. Pouco depois do início do procedimento, ficou óbvio para o Dr. Greenstein que o problema de Karim não era nada comum. O médico viu a obstrução esperada, “mas também havia muitos nódulos pequeninos, cor de pérola, em todo o abdome”, diz ele. “Não se vê isso na doença de Crohn.”
Com medo de um câncer metastático, a equipe enviou tecidos para um teste rápido no laboratório do hospital. O resultado voltou antes mesmo que o Dr. Greenstein terminasse de remover a obstrução.
Felizmente, o laudo da patologia
excluía a possibilidade de câncer. E
listava algumas explicações possíveis
para os nódulos. Uma era sarcoidose,
uma reação imune que pode produzir
granulomas minúsculos. A outra era
tuberculose. Essa infecção bacteriana
contagiosa costuma criar nódulos no
pulmão, mas, em cerca de um quarto
dos casos, ataca outros órgãos.
Antes de começar a tomar Humira, Karim fizera um exame para tuberculose cujo resultado fora negativo; é um procedimento de rotina, porque o imunossupressor pode piorar infecções subjacentes. Mas esse exame de sangue pode produzir falsos negativos de vez em quando.
Menos de 10 mil pessoas por ano são diagnosticadas com tuberculose nos Estados Unidos (no Brasil, são 70 mil), e apenas em 1% a 3% desses casos o sistema gastrointestinal é afetado. Nos 16 anos de estudo e prática do Dr. Greenstein, ele nunca vira um caso assim.
No entanto, o médico percebeu que os sintomas de Karim pioraram depois que ele começou a tomar Humira, portanto a tuberculose era possível. O laboratório levaria uma semana para confirmar o diagnóstico, mas o Dr. Greenstein iniciou a medicação com três fármacos contra tuberculose. Também teve de explicar ao paciente que, provavelmente, ele nunca tivera doença de Crohn.
“Ele ficou nervoso e irritado”, recorda o Dr. Greenstein, que convenceu Karim de que a notícia era boa. “Eu lhe disse que deveria ficar feliz, porque, francamente, a tuberculose é bem mais curável do que a doença de Crohn.”
Karim teve febre alta durante vários dias antes de, finalmente, começar a melhorar e a temperatura do corpo, aos poucos, voltar ao normal. Como o Dr. Greenstein esperava, o resultado do laboratório veio positivo para tuberculose.
Doze dias depois, Karim estava bem e recebeu alta. Embora tenha passado por uma lenta recuperação enquanto recobrava as forças, hoje ele é considerado curado.
O Dr. Greenstein acha que o desafio de reconhecer a forma rara de uma doença foi aumentado pelo fato de que haviam tratado a doença errada. “Quando se recebe um diagnóstico, é quase impossível voltar atrás”, diz o Dr. Greenstein. “A pessoa continua a ser tratada por algo que não tem. Só que não é possível consertar o que não se tem.”