Na primavera de 2015, Eva e seu marido não tinham planos de se mudar de seu apartamento aconchegante em Genebra, na Suíça, onde viveram por anos. Mas
Julia Monsores | 27 de Novembro de 2019 às 19:00
Na primavera de 2015, Eva e seu marido não tinham planos de se mudar de seu apartamento aconchegante em Genebra, na Suíça, onde viveram por anos. Mas quando Eva começou a sentir coceira no corpo todo – acordando até no meio da noite por causa disso – e lesões surgiram na pele, seu médico de família pensou que sua casa pudesse estar infestada de percevejos de cama. Eva não havia visto sinais de pragas, nem o marido se queixou de picadas.
No entanto, ela ligou para uma firma de dedetização. Quando a dedetização não fez a menor diferença, a ansiedade de Eva aumentou. A coceira insuportável era constante, e o sono dela foi afetado. Sem saber mais o que fazer, ela e o marido encontraram um novo lugar para morar. Mas a coceira não parou.
O médico de Eva fez exames de sangue simples, incluindo um para função renal e outro para enzimas do fígado, e pediu uma radiografia de tórax, cujos resultados foram todos normais. Eva apresentou um nível ligeiramente elevado de um anticorpo chamado IgE, que poderia indicar alergias. Mas anti-histamínicos não aliviaram o prurido e nem as erupções na pele, e cremes com esteroides tópicos também não ajudaram. Incapaz de dormir ou de parar de se coçar, muito menos de se concentrar no trabalho, Eva relutantemente tirou licença da repartição.
Quatorze meses após o início da coceira, nódulos pequenos começaram a surgir em seus braços, pernas, costas e nádegas. Esta condição é chamada de prurigo nodular, e às vezes se desenvolve depois que a pessoa coça a pele por muito tempo. Existem diversos problemas subjacentes que podem estar associados a isso, entre eles doença renal e anemia, mas ansiedade e depressão também são desencadeadores. Como Eva parecia fisicamente saudável, seu médico especulou que a ansiedade da coceira inicial pode ter levado ao prurido crônico.
Eva foi encaminhada ao departamento dos Hospitais da Universidade de Genebra, onde um exame com adesivo cutâneo foi realizado a fim de verificar novamente a possibilidade de alergia. “O exame não é invasivo, e tentamos eliminar primeiro os fatores ambientais simples, pois é mais fácil de fazer”, explica a Dra. Laurence Trellu, médica do departamento que supervisiona muitos dos casos complexos. O teste deu negativo. O prurigo nodular muitas vezes responde à terapia com luz ultravioleta ou antidepressivos, mas, no caso de Eva, eles não foram efetivos.
Os médicos não desistiram dela. “Em muitos casos clínicos tão desafiadores assim, o risco é que o médico simplesmente deixe de lado, mas o paciente está desesperado”, observa Trellu. “Muitos pacientes com doença de pele crônica acabam indo de um dermatologista para outro.”
Ela acrescenta que, principalmente quando um paciente é jovem e saudável, os médicos podem presumir que o problema acabará se resolvendo por si só, e podem até pular certas etapas de uma avaliação completa. Uma abordagem sistemática, porém, é feita em sua clínica, onde Eva se sentiu acolhida e apoiada. Eva ainda não consegue dormir nem trabalhar. Ela tentou crioterapia de corpo inteiro, ficando em uma câmara com temperatura abaixo de zero em uma tentativa de parar a coceira. A crioterapia não é comprovada nem completamente segura – pode agravar um problema cardíaco, por exemplo – e, apesar de dar algum alívio a Eva, não era propriamente a cura.
Seis meses depois, Eva começou a sentir dor ao redor dos nódulos na pele. Ela agora também sentia fadiga severa e tinha calafrios noturnos, que às vezes podem sinalizar uma doença interna. O médico de família de Eva prescreveu corticoide, um medicamento anti-inflamatório forte, pois ele às vezes pode ajudar no prurigo nodular depois que outros tratamentos falharam. Mas, após duas semanas de medicamento, Eva voltou ao consultório de sua médica sentindo-se pior.
Naquele momento, à medida que a examinava, a médica detectou algo que não tinha estado lá antes: um linfonodo edemaciado no tórax da paciente, perto do ombro. Preocupada, solicitou uma nova radiografia de tórax, que revelou múltiplos linfonodos aumentados. Em uma tomografia computadorizada, os pontos suspeitos pareciam câncer.
E, de fato, uma biópsia de vários dos linfonodos levou a um diagnóstico claro: Eva tinha linfoma de Hodgkin de esclerose nodular, um câncer do sistema imunológico. Esse câncer é mais comum em pessoas de 15 a 35 anos, mas menos de 3 em cada 100 mil pessoas o desenvolvem todos os anos na Europa e nos EUA.
É quase impossível de ser diagnosticado quando os primeiros sintomas não só correspondem com uma grande variedade de doenças, como também são atribuídos unicamente ao estado de espírito do paciente.
“As explicações psicológicas realmente surgem quando você não encontra nada”, revela Trellu. “No entanto, mesmo alguém com um problema de saúde mental pode ter uma doença subjacente que causa prurido”, ressalta ela, “e é por isso que é importante continuar investigando. Você não gostaria de deixar de identificar linfoma em um paciente psiquiátrico.”
Felizmente, o câncer de Eva ainda estava em fase inicial. Ela começou a quimioterapia; a coceira e a dor melhoraram muito após a primeira sessão. As lesões da pele começaram a cicatrizar.
Eva terminou a quimioterapia em outubro de 2017 e atualmente vê seu oncologista a cada seis meses. Ela sente mais energia e está de volta ao trabalho. “Às vezes tenho a sensação de que uma formiga está rastejando sobre minha pele, e isso me faz querer coçar”, diz, embora admita que provavelmente qualquer pessoa possa vir a sentir a mesma coisa e isso não ser considerado doença. Mas, para ela, é também um lembrete da longa e difícil provação pela qual passou. “Espero que minha história possa alertar tanto os profissionais de saúde quanto os pacientes”, acrescenta Eva.