Alguns casos de saúde intrigam até mesmo os médicos. Confira um dos mistérios médicos que intrigam os especialistas.
Alguns casos intrigam até mesmo os médicos mais experientes. O caso médico abaixo certamente está nessa lista de mistérios médicos que intrigam os especialistas.
PACIENTE: Sophie*, uma menina de 10 anos
SINTOMAS: Dor abdominal intensa e curvatura da coluna
MÉDICO: Dr. Charles G. Stewart, da emergência pediátrica do Chelsea and Westminster Hospital, em Londres, Inglaterra
Sophie era uma menina ativa de 10 anos que gostava de jogar netball em seu bairro no sudoeste de Londres. No início de novembro de 2016, ela pegou um resfriado do irmão mais velho. Embora se sentisse doente e cansada por alguns dias, logo melhorou.
Duas semanas depois, Sophie teve uma dor aguda no lado direito, que se intensificava quando ela se mexia ou se deitava. Como não conseguiu se sentir confortável na hora de dormir, os pais preocupados a levaram ao Chelsea and Westminster Hospital.
O abdome de Sophie foi examinado atrás de sinais de apendicite, mas tudo parecia normal. Não havia febre. Com um único sintoma para se basear, era difícil fazer o diagnóstico, e os médicos acharam que fosse uma simples lesão muscular ocorrida na prática de esporte. Sophie recebeu acetaminofeno, que reduziu um pouco a dor, e foi mandada para casa. Disseram aos pais que levassem Sophie de volta para tirar radiografias, caso não melhorasse.
As horas seguintes foram péssimas, como recorda a mãe Joanne. “Sophie não conseguiu dormir, e o remédio não aliviava a dor.” De manhã cedinho, a família voltou ao pronto-socorro para mais exames.
Mas o resultado da ultrassonografia abdominal foi normalíssimo, e a radiografia do tórax só mostrou uma leve escoliose, ou curvatura da coluna. Isso não é raro numa menina em fase de crescimento. “Não foi considerado significativo”, diz o Dr. Charles G. Stewart, que trabalha no Departamento de Emergência Pediátrica do hospital.
As frequências cardíaca e respiratória de Sophie estavam um pouco mais altas do que na noite anterior, mas isso podia significar apenas um desconforto maior. Os especialistas cirúrgicos insistiram que uma lesão musculoesquelética ainda era a causa mais provável da dor. Os pais de Sophie não se convenceram, mas não sabiam o que poderia ser. Mais uma vez, foram mandados para casa com acetaminofeno e instruções para voltar se ela não melhorasse logo.
Em casa, a dor abdominal só piorou. Sophie passou aquela noite encolhida no sofá, gritando de agonia. Começou a tremer e vomitou. “Estava claro que havia algo bem grave”, conta Joanne. No dia seguinte, enquanto a família se arrumava às pressas para voltar ao hospital, Joanne notou uma coisa esquisita: Sophie estava curvada de lado e mancava como se uma das pernas fosse mais curta do que a outra.
Agora os médicos do pronto-socorro viram que Sophie estava muito mal, pálida, com a frequência cardíaca ainda mais alta. A contagem da proteína C-reativa, que pode indicar inflamação, quadruplicara em dois dias. E, como Joanne notara, sua postura em pé era estranhíssima, com a perna esquerda um pouco curvada e o corpo inclinado para a esquerda. Ela teve de ser internada. “Não podíamos mandar a menina para casa de novo”, diz Stewart, “mas não tínhamos uma linha clara do que estava acontecendo.”
Uma série de doenças, de infecções ósseas a leucemia, poderia curvar a coluna de Sophie. Mas a equipe ortopédica avaliou Sophie e nada encontrou.
Finalmente, os médicos decidiram fazer uma tomografia computadorizada do abdome de Sophie para procurar a fonte da dor. Esse tipo de radiografia faz uma série de imagens detalhadas, como se fossem cortes. Por sorte, um desses cortes pegou a porção inferior do pulmão direito da menina. Essa imagem trouxe a resposta: Sophie estava com pneumonia.
Não havia como saber de que modo Sophie pegara a infecção bacteriana; sua imunidade poderia ter baixado com o resfriado. Até uma em cada vinte crianças que vão ao médico com dor abdominal na verdade tem pneumonia, principalmente quando a infecção é no lobo inferior do pulmão. Mas é raro que a dor abdominal seja o único sintoma. Normalmente, a pneumonia provoca tosse e respiração chiada. Também traz febre, embora essa possa ser suprimida quando o paciente toma acetaminofeno, como Sophie.
Embora Sophie já tivesse tirado uma radiografia, 27% delas parecem normais nos primeiros estágios da pneumonia, informa Stewart, porque às vezes a inflamação do pulmão não aparece em imagens bidimensionais. A escoliose era mais reveladora, causada simplesmente pelo modo como Sophie se mantinha em pé. “Sem perceber, Sophie adotava uma postura que reduzia a dor da pneumonia”, explica Stewart.
O médico acrescenta que nem sempre os sintomas da pneumonia são previsíveis. “Fomos enganados por essa apresentação incomum.” Mesmo assim, ele ficou com pena dos pobres pais, que viram a filha sofrer sem diagnóstico. “Acho que muita gente supõe que, numa época de inteligência artificial e computação em nuvem, a medicina é fácil, mas não é.”
Os médicos deram a Sophie antibióticos por via intravenosa e, duas semanas depois, ela recebeu alta. Dali a quatro meses, a menina recuperara a energia necessária para voltar à escola em horário integral. “Ficamos aliviados porque ela melhorou sem nenhuma sequela”, diz Joanne.
O encontro com Sophie teve impacto duradouro sobre Stewart. “Já a citei muitas vezes aos médicos iniciantes: na ausência de tudo o mais, dor abdominal com escoliose devem nos fazer pensar numa reação postural à pneumonia.”