Estudo demonstra que o consumo de álcool pode estar relacionado ao desenvolvimento de câncer em diferentes órgãos do corpo. Entenda mais.
Letícia Taets | 19 de Julho de 2021 às 17:00
Para boa parte dos brasileiros, a ligação entre tabagismo e câncer é bastante conhecida. No entanto, apesar do menor reconhecimento, a correlação entre o consumo de bebida alcóolica com a doença, como no caso do câncer de mama, vem sendo cada vez mais observada.
Nesse contexto, um artigo publicado na revista científica britânica The Lancet Oncology, na última terça-feira (13), aponta que pelo menos 4% dos casos recentemente diagnosticados de câncer de esôfago, boca, laringe, cólon, reto, fígado e mama, em 2020, podem ser atribuídos ao consumo de álcool. Em números absolutos, isto corresponde a 741.300 pessoas ao redor do mundo.
Os pesquisadores analisaram os dados disponíveis sobre a ingestão de bebidas alcoólicas pela população em 2010 e sobre casos de câncer em 2020; em virtude do fato de que os tipos de câncer apresentados no estudo evoluem de forma lenta. Aproximadamente, 75% dos casos de câncer relacionados ao álcool analisados pelo estudo são em homens. Dos casos ocorridos em mulheres, a maior parte era relativa a diagnósticos de câncer de mama.
De acordo com o estudo, existem alguns fatores biológicos que contribuem para a conexão entre o consumo de álcool e o diagnóstico de câncer. O etanol, substância orgânica presente nas bebidas alcoólicas, decompõe-se para formar um carcinógeno chamado acetaldeído. Esse componente danifica o DNA e interfere na capacidade das células de reparar danos no corpo.
O álcool também pode aumentar os níveis de hormônios como o estrogênio, responsáveis por atuar como mensageiros que coordenam e controlam as funções do corpo; incluindo informar células sobre crescer e se multiplicar. Com mais divisão celular, há mais oportunidades para o câncer se desenvolver. O álcool também reduz a capacidade de o corpo absorver certos nutrientes que impedem o câncer, incluindo as vitaminas A, C, D, E e o ácido fólico.
Além disso, a combinação de bebida e tabagismo pode aumentar indiretamente o risco de câncer; o álcool age como uma espécie de solvente para os produtos químicos cancerígenos do tabaco. Quanto maior a quantidade e mais frequentemente uma pessoa beber álcool, maior será a probabilidade de danos definitivos à saúde.
Para fazer a estimativa estatística da pesquisa, os cientistas analisaram três conjuntos de dados: estimativas de consumo global de álcool, riscos específicos de câncer provocados pelo consumo de bebida alcoólica e estimativas da incidência global desses cânceres em 2020.
Foi descoberto que quanto mais álcool as pessoas bebem, maior é o risco de câncer relacionado ao álcool. Beber ao menos duas (aproximadamente 20 g) e até mais de seis doses (aproximadamente 60 g) por dia, definido como consumo arriscado de álcool, representava o maior risco de um câncer futuro. Mesmo o consumo moderado de álcool, isto é, de duas ou menos doses por dia, foi responsável por cerca de 14% dos casos de câncer analisados.
Os autores do estudo sugerem que o número de cânceres relacionados ao álcool é provavelmente ainda maior do que estas estimativas; visto que dados relativos a pessoas que pararam de beber não foram computados. Em vez disso, consideraram apenas pessoas que têm, atualmente, o hábito de beber.
Também foram analisados apenas os casos de câncer nos quais foi cientificamente demonstrado que o fator de risco aumenta com o uso de álcool. Não foram incluídos também cânceres para os quais evidências apenas sugerem que estão provavelmente ligados ao álcool, como câncer de pâncreas e estômago, por exemplo.
Quando a análise inclui pessoas que pararam de beber e também câncer de pâncreas e de estômago, os números aumentam para 925.000 cânceres relacionados ao álcool. Isto representa 185.000 possíveis cânceres relacionados a bebida, ou 5% de todos os cânceres do mundo.
Em relação ao consumo por localidade, algumas das maiores proporções de cânceres relacionados ao álcool foram encontradas na Moldávia e na Romênia. No entanto, as recentes mudanças na política tributária, que aumentaram o custo do álcool nesses países, causaram uma queda nas vendas de bebidas, o que pode incitar uma redução futura nos cânceres relacionados.
Por outro lado, o crescimento econômico em lugares como Índia, Vietnã e China pode levar ao aumento do uso de álcool e cânceres relacionados no decorrer dos anos. As taxas mais baixas de diagnósticos de câncer relacionados a bebida alcóolica no mundo foram encontradas na Arábia Saudita e no Kuwait, onde leis, baseadas na religião islâmica, garantem baixas taxas de seu consumo.