Entenda por que as mulheres sofrem menos casos graves de Covid-19

Os casos graves de Covid-19 acometem mais homens do que mulheres, segundo estudos. Onde está a chave desse mistério?

Elen Ribera | 26 de Setembro de 2020 às 20:00

- boggy22/iStock

O novo coronavírus é, por definição, novo para os cientistas, e eles têm se esforçado para entender, entre outras coisas, quem corre maior risco.

Mas uma coisa ficou clara desde o início: simplesmente ser homem coloca você em maior perigo de desenvolver casos graves devido à Covid-19.

“No início de março, ficamos instigados com as notícias que vinham da China mostrando uma maior tendência do sexo masculino aos casos graves da Covid-19; o que logo foi confirmado por dados italianos que mostram um número quase quatro vezes maior de homens internados com o novo coronavírus do que mulheres”, diz Leanne Groban, MD, pesquisadora da Wake Forest School of Medicine.

De acordo com o relatório dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC-EUA) publicado em julho de 2020, globalmente, mais homens do que mulheres morreram de Covid-19. E a proporção de casos de Covid-19 para mortes é 2,4 vezes maior entre os homens do que entre as mulheres.

Na China, a taxa de mortalidade por Covid-19 entre os homens foi de 2,8%, em comparação com 1,7% entre as mulheres.

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Cerca de 57% das mortes por Covid-19 nos EUA foram de homens, embora o relatório observe que os estados não têm sido consistentes em relatar dados sobre gênero. Além disso, a Covid-19 atinge as pessoas negras com mais intensidade.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também publicou um boletim apontando que a Covid-19 é mais letal nos homens do que nas mulheres. A informação está disponível no Observatório Covid-19 da Fiocruz.

Veja, a seguir, as razões pelas quais os homens podem estar correndo maior risco:

Fatores sociais

Como a maioria das coisas na medicina, as razões subjacentes para as diferenças de gênero podem depender de uma série de fatores, diz Michelle DallaPiazza, MD, professora associada do departamento de medicina da Rutgers New Jersey Medical School. Grande parte da disparidade pode estar relacionada a fatores sociais e comportamentos de risco.

“As diferenças nos fatores sociais e de estilo de vida incluem que os homens são mais propensos a serem fumantes e consumidores de álcool, o que aumenta o risco de infecções respiratórias”, diz a Dra. Groban. E mais: “Os homens são menos inclinados a procurar atendimento médico quando necessário, e essa demora no tratamento pode piorar os resultados. Alguns relatórios sugerem que os homens podem ter menos 'prática' em lavar as mãos e usar máscara, o que pode aumentar ainda mais o risco”, acrescenta a Dra. Groban. Os homens também são mais propensos a ter outras condições médicas que os colocam em maior risco de ter um caso grave de Covid-19, como hipertensãodiabetes e doenças cardíacas, apontam os dois médicos.

Fatores biológicos

Além disso, podem haver algumas razões biológicas inatas para os homens serem mais afetados pela Covid-19. Parte disso está literalmente nos genes das mulheres: seu cromossomo X extra, que contém muitos genes relacionados ao sistema imunológico, pode ser uma explicação para o sistema de defesa do organismo aparentemente mais forte das mulheres. Essa diferença nos mecanismos de defesa contra invasores de células, como a Covid-19, é chamada de “imunidade inata”, segundo a Dra. Groban.

“Pessoas com dois cromossomos X tendem a ter uma resposta imunológica diferente aos patógenos virais, que é potencialmente mais robusta e menos provável de causar uma tempestade inflamatória destrutiva, como no caso da Covid-19”, diz a Dra. DallaPiazza.

O papel do estrogênio

Outro fator biológico que pode ser uma chave importante para o mistério do motivo pelo qual os homens são mais vulneráveis à Covid-19 é o hormônio sexual estrogênio. “Sabemos por outros vírus que as diferenças sexuais nas respostas imunológicas podem ocorrer devidos a diferenças hormonais – nas mulheres, o estrogênio e a progesterona podem ser protetores, enquanto a testosterona nos homens pode reduzir as respostas imunológicas”, diz a Dra. Groban. O estrogênio também ajuda a proteger as mulheres na pré-menopausa contra a inflamação que pode causar doenças cardíacas, em comparação com os homens da mesma idade, diz ela.

Uma enzima que é mais elevada nos homens

A Dra. Groban publicou uma revisão de estudos sobre diferenças de gênero e Covid-19 em agosto de 2020, na revista Current Hypertension Reports. Sua pesquisa a levou a uma enzima chamada ACE2, que ajuda a manter os vasos sanguíneos relaxados e saudáveis, protegendo contra doenças cardíacas.

“Sabemos por alguns estudos clínicos envolvendo pacientes com doença cardiovascular que a ACE2 pode ser maior em homens do que em mulheres”, diz ela. “Além disso, em estudos com animais envolvendo hipertensão ou doença renal, níveis mais elevados de ACE2 foram encontrados nos corações e rins de ratos machos em comparação com ratos fêmeas.” Embora a ACE2 possa ser protetora quando se trata de algumas condições crônicas, ela também é um receptor para o novo coronavírus, diz a Dra. Groban.

“A ACE2 é encontrada nas células que revestem as superfícies internas do pulmão, coração, rim, testículos e trato gastrintestinal – uma vez que o vírus se liga ao receptor ACE2, ele é levado para a célula desse órgão, quando ocorre a infecção”, diz ela. Níveis mais altos de ACE2 aumentam a infecção por coronavírus; a diminuição da ACE2 ajuda a diminuir a disseminação viral no corpo, diz a médica. Leia também: Novo coronavírus: é possível pegar a doença duas vezes?

O estrogênio pode mesmo proteger?

A Dra. Groban diz que o cromossomo X extra das mulheres pode reduzir a ACE2 e, portanto, diminuir os efeitos do Covid-19. “Estudos do nosso grupo mostram que a terapia crônica com estrogênio reduziu a ACE2 no tecido cardíaco de animais com deficiência de estrogênio”, diz ela. Resultados semelhantes foram encontrados em animais tratados com estrogênio para problemas renais. Isso pode significar que a terapia com estrogênio também promete tratar a Covid-19. “Dois ensaios clínicos estão em andamento para examinar se o tratamento de curto prazo de pacientes masculinos com Covid-19 com um adesivo de estrogênio é benéfico” para aumentar a resposta do sistema imunológico, reduzir a ACE2 e limitar os sintomas da infecção por Covid-19, disse a Dra. Groban. Saiba quais são os 4 sintomas que podem permanecer depois da Covid-19.

E as mulheres na pós-menopausa?

Se a teoria do estrogênio estiver correta, pode explicar o motivo das taxas mais altas de Covid-19 entre as mulheres que já passaram pela menopausa. “Surge a questão:‘ Poderia o aumento da suscetibilidade à Covid-19 entre as mulheres mais velhas estar relacionada à perda de proteção estrogênica após a menopausa – tornando-as tão propensas aos casos graves da doença quanto os homens?'”, diz a Dra. Groban. “Isso pode ser responsável pelo aumento relativo na mortalidade relacionada à Covid-19 em mulheres mais velhas, da sétima à oitava década de vida.”

Os resultados da Dra. Groban são intrigantes, mas alguns pesquisadores não estão convencidos. “O papel dos hormônios sexuais pode ser limitado, já que estudos mais recentes mostram que mulheres com mais de 50 anos, quando provavelmente têm níveis mais baixos de estrogênio, ainda têm melhores resultados com Covid-19 quando comparadas aos homens”, diz a Dra. DallaPiazza. “E entre os homens, os resultados pioram com a idade, embora os homens mais velhos tendam a ter níveis mais baixos de testosterona.”

Tratando homens e mulheres com Covid-19

A Dra. Groban diz que muito mais pesquisas e coleta de dados são necessárias, incluindo saber quais medicamentos hormonais as mulheres podem estar tomando.

“Em última análise, mais pesquisas são fundamentais para determinar a causa subjacente da diferença, incluindo estudos rigorosos que são capazes de dar conta de muitos dos aspectos sociais, culturais e comportamentais, fatores que influenciam o risco de Covid ”, diz a Dra. DallaPiazza. “E se fatores biológicos estão implicados em ter uma forte influência nas diferenças nos resultados de saúde, estudos adicionais seriam necessários para descobrir os mecanismos exatos antes de recomendar quaisquer diferenças de tratamento baseadas no sexo ou gênero”.

Por enquanto, diz ela, o conselho e o tratamento para Covid-19 são os mesmos para homens e mulheres. Enquanto os pesquisadores continuam a descobrir como o Covid-19 funciona, tanto homens quanto mulheres devem seguir todas as recomendações para evitar o vírus, incluindo lavar as mãos com frequênciausar máscara, distanciar-se socialmente e manter um estilo de vida saudável. Leia também: Saiba como andam as pesquisas pelo mundo em busca de uma vacina.

Por Tina Donvito publicado em rd.com

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