A doença renal é um doença silenciosa e perigosa, tornou-se a décima causa de morte no mundo inteiro, de acordo com a OMS. Saiba mais!
Embora muita gente não a perceba, a nefropatia ou doença renal não discrimina: afeta homens e mulheres de todas as idades e etnias. No ano passado, tornou-se a décima causa de morte no mundo inteiro, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), subindo do 13º lugar em 2019.
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O Dr. Raymond Vanholder, presidente da Aliança Europeia de Saúde Renal, em Bruxelas, diz que 1 em cada 10 pessoas na Europa Ocidental e 1 em cada 13 no restante da Europa têm alguma forma de doença renal. No Brasil, segundo dados da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial, o número de pessoas que sofrem de doenças renais dobrou na última década. Estima-se que 10 milhões de brasileiros tenham alguma disfunção renal.
Por que esse crescimento? Porque suas duas causas mais comuns são hipertensão e diabetes, que vêm se tornando mais comuns. (As causas menos comuns são infecções e condições genéticas; cálculos renais também aumentam o risco de doença renal crônica.)
Uma doença silenciosa
Dick de Jonge ia trabalhar todos os dias de bicicleta, mas em 2014 ele notou que estava pedalando mais devagar. “Achei que havia algo errado com a bicicleta”, diz ele, que é de Groningen, nos Países Baixos, e tem 69 anos. Mas era ele mesmo que estava desacelerando. Sem saber, perdera boa parte da função do rim. Certa noite, foi se deitar exausto e dormiu dois dias.
Preocupado, procurou o médico. A pressão arterial estava tão alta que o médico o encaminhou ao hospital, onde o exame de urina confirmou os problemas renais. De Jonge tinha câncer num dos rins, e só 7% do outro funcionavam.
No caso de Dick de Jonge, a causa mais provável da doença foi a pressão alta. Depois de removido o rim canceroso, ele começou a fazer diálise. Essa técnica cumpre o papel dos rins: remove resíduos, sal e excesso de água para evitar que se acumulem no corpo; mantém o sódio e o potássio em níveis seguros; e ajuda a controlar a pressão arterial. Em geral, é necessário fazer diálise quando a função renal cai abaixo de 10%. Dependendo do tipo de diálise, as sessões podem durar algumas horas e são feitas três vezes por semana.
Cerca de seis meses depois, a função renal de De Jonge melhorou para 25% – como ainda se mantém – e ele pôde parar com a diálise. Ele toma remédios para a hipertensão e consulta o nefrologista de três em três meses. “Quando nos dizem que é preciso fazer diálise, é um susto”, diz ele. “Até então, eu estava no controle da minha vida. Quando soube que tinha doença renal, perdi esse controle.”
Mas qual é a gravidade da doença renal?
Muita gente não sabe que os rins são importantíssimos para a saúde geral. Quando funcionam bem, esses órgãos filtram e removem da corrente sanguínea o excesso de resíduos e líquidos e o transforma em urina. Mas, com o tempo, o excesso de açúcar no sangue causado pelo diabetes prejudica o filtro renal. E a pressão arterial alta e descontrolada pode estreitar, enfraquecer ou enrijecer as artérias em torno dos rins, dificultando a chegada do sangue ao tecido do órgão.
“Os rins dependem muito do fluxo sanguíneo”, diz o Dr. Vanholder. “Quando os vasos ou o coração são lesionados, os rins sofrem um impacto negativo. E, se não funcionarem, ficamos com um acúmulo dos chamados metabólitos, que prejudicam o coração e os vasos sanguíneos. Assim, entramos num círculo vicioso.” As pessoas com nefropatia tendem a morrer de complicações associadas a ela, como cardiopatia, diabetes, AVC e até câncer, mais do que de insuficiência renal.
Exames e sintomas da doença renal
Depois dos 50 anos, os rins perdem eficiência aos poucos; depois dos 60, a perda moderada de função pode ser normal, desde que não haja outros sintomas de nefropatia. “A partir dos 50 anos, 10% da função se perdem a cada dez anos”, diz o Dr. Vanholder.
Como a perda moderada de função renal faz parte do envelhecimento, os especialistas são contra fazer exames em toda a população para descobrir a nefropatia. Em vez disso, aconselham exames anuais em idosos que tenham o risco aumentado pelo diabetes, pela hipertensão ou pelo histórico familiar de doença renal.
Embora muitas vezes os sintomas sejam poucos ou inexistentes, as pessoas de qualquer idade com fadiga, dificuldade para dormir, sangue na urina ou pele seca com comichão deveriam fazer exames. A medição da pressão e os exames de sangue e urina contribuem para confirmar o problema.
Quais são os tratamentos existentes?
Dependendo da gravidade, as pessoas precisam simplesmente acompanhar seu estado ou limitar o sal na alimentação. Quando remédios são necessários, em geral prescrevem-se inibidores da enzima conversora de angiotensina e antagonistas do receptor de angiotensina, dois tipos de medicamento para baixar a pressão que desaceleram ou previnem mais danos aos rins.
“A medicação reduz drasticamente o risco de diálise e a piora da função renal”, diz o Dr. Michel Jadoul, diretor da entidade Kidney Disease: Improving Global Outcomes (Doença renal: Melhorando o Resultado Global), com sede em Bruxelas.
Uma nova classe de fármacos, as glifozinas ou inibidores de SGLT2, trata o diabetes e limita a absorção de sal pelo organismo, o que ajuda a função renal. “Foram publicados vários estudos clínicos que demonstram que esses medicamentos protegem da insuficiência cardíaca e da morte cardiovascular e desaceleram o avanço da doença renal crônica”, diz o Dr. Juan Manuel Buades Fuster, chefe da Nefrologia do Hospital Universitário Son Espases, em Maiorca, na Espanha. “Provavelmente, são a descoberta mais importante para a proteção renal da última década.”
Tratamentos futuros
Pesquisadores do mundo inteiro vêm trabalhando para desenvolver um rim artificial que possa ser usado e que trabalharia 24 horas por dia para eliminar a necessidade de diálise. Um deles já foi testado em seres humanos, mas a tecnologia ainda precisa de alguns anos para ficar pronta.
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Como não há rins humanos suficientes para os transplantes, rins suínos geneticamente modificados podem ser uma alternativa. Os testes em seres humanos devem começar daqui a dois ou três anos.
A criação de rins impressos em 3D que combinem células renais com outro biomaterial pode se tornar realidade em poucos anos. Por enquanto, o órgão é complexo demais para ser reproduzido. Os pesquisadores trabalham para criar novos rins a partir de células-tronco, embora ainda estejam no estágio inicial.
Como vivem os pacientes com doença renal?
Às vezes, a diálise e até um transplante são necessários para tratar a doença renal. Conheça agora a experiência de alguns pacientes.
Claire Pullinger, Reino Unido
Em 2017, Claire Pullinger acreditava ter saúde perfeita. Era vegana havia anos e se mantinha em forma correndo. Mas, quando o dentista a mandou fazer exames porque sua gengiva parecia anêmica, ela recebeu uma notícia surpreendente: os rins funcionavam com 50% da capacidade, embora ela não percebesse nenhum sintoma. Pouco depois, Claire recebeu o diagnóstico de doença renal policística silenciosa, problema genético em que surgem, no interior dos rins, cistos que podem até provocar insuficiência.
“Foi um choque”, diz Claire, de 53 anos, de Dorchester, na Inglaterra. Para alguns com doença renal em estágio inicial, a melhora do estilo de vida basta e evita outros tratamentos. Claire é um desses pacientes: até agora, tem mantido a função renal graças à alimentação e aos exercícios. Ela evita sal, café, álcool e açúcar e continua a se exercitar regularmente. Mantém o peso saudável e medita para reduzir o nível de estresse. A função renal se estabilizou por volta de 35%.
“Procuro ser bem disciplinada com a alimentação”, diz ela. “Acho que, quando tratamos o corpo com esse tipo de respeito e cuidamos dele, somos recompensados.”
Daniel Gallego, Espanha
Em 1993, Daniel Gallego, de Valência, então com 20 anos, buscou assistência médica por causa do tornozelo inchado e se surpreendeu com o diagnóstico de doença renal; ele estava retendo fluido porque os rins não funcionavam bem. O inchaço indolor da extremidade inferior das pernas pode ser um sintoma precoce de doença renal. O corpo retém sódio quando os rins não filtram o sangue com a eficiência normal.
Durante muito tempo, Daniel tentou controlar a doença com alimentação e remédios. Em 1998, chegou a fazer um transplante que não deu certo. Em 2019, depois de vários anos visitando um centro de diálise três vezes por semana, Daniel pôde passar para a diálise domiciliar. Agora, ele mesmo se aplica a diálise cinco vezes por semana, no horário que preferir.
Quando os mais jovens recebem o diagnóstico de doença renal crônica, os médicos trabalham depressa para ajudá-los a se manter saudáveis, posto que esses pacientes têm décadas de vida pela frente. O Dr. Jadoul diz que eles deveriam fazer o possível para evitar riscos gerais à saúde, como manter o peso saudável, ter cuidado com a pressão arterial e o nível de colesterol, exercitar-se e não fumar. Os jovens adultos que seguem esses hábitos de vida e os conselhos do médico tendem a viver mais.
“Qualquer porcentagem de função renal que se possa manter por um período longo ajudará a pessoa a viver mais”, diz o Dr. Jadoul. Ele explica que tem pacientes que controlam há décadas a nefropatia grave.
Nem sempre a diálise domiciliar é uma opção, mas, para os que podem, em geral ela é uma vantagem. Daniel, hoje com 48 anos e presidente da Federação Europeia de Pacientes Renais, diz que “posso fazê-la pela manhã ou, se tiver reuniões, à noite. Isso me dá liberdade”.
Elizabeth MacKenzie, Canadá
Quando tinha menos de 50 anos, Elizabeth MacKenzie, de Vancouver, hoje com 69, recebeu o diagnóstico de doença renal policística silenciosa (como Claire Pullinger) ao se sentir exausta com frequência e notar sangue na urina, um dos sintomas de quem tem problemas renais.
Quinze anos depois, a função renal caiu para 15%, e o médico recomendou um transplante. Elizabeth teve sorte: a cunhada lhe doou um rim, e ela evitou a lista de espera. “Muita gente espera anos”, diz ela. “Antes do transplante, eu me sentia cansada, mas desde então tenho levado uma vida quase normal. Tenho certeza de que foi bom fazer o transplante antes que se tornasse absolutamente necessário. Provavelmente, isso apressou a recuperação.”
Os transplantados tomam medicamentos imunossupressores para evitar a rejeição do órgão, e sua função renal é mais baixa do que a de pessoas saudáveis. Mas eles podem ter uma vida ativa.
“O transplante tem um impacto significativo sobre a qualidade de vida”, diz o Dr. Buades Fuster. “Nunca é a mesma coisa que ter rins saudáveis, mas é a melhor terapia de substituição renal no momento.”
Alguns especialistas acreditam que, se houvesse mais rins disponíveis para transplantes, mais gente com menos de 60 anos evitaria a diálise. Antes de começá-la, muitos pacientes entram na lista de espera do transplante. Nos candidatos mais saudáveis, a diálise é uma medida de manutenção temporária até que haja um órgão disponível.
“Não há rins suficientes”, diz o Dr. Buades Fuster. “A maioria dos pacientes com menos de 60 anos precisa de diálise antes de receber o transplante.”
Como reduzir o risco?
Felizmente, é possível tomar providências para baixar o risco de doença renal. Além de controlar a pressão arterial e evitar o diabetes, consulte seu médico regularmente. Manter o peso saudável também ajuda, pois um peso maior faz os rins trabalharem mais. Com o tempo, esse excesso de trabalho pode provocar lesões.
E é importante para todos, não só para os pacientes renais, evitar salgar a comida. O excesso de sal eleva a pressão arterial e obriga os rins a trabalhar mais. Consumir menos de 5 gramas de sal por dia poderia salvar 2,5 milhões de vidas por ano.
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Como a maior parte do sal que consumimos está em alimentos industrializados, os estados-membros da OMS concordaram em tentar reduzir em 30% a ingestão de sal da população até 2025 e instituíram políticas para restringir o sal nos alimentos industrializados e nos restaurantes.
Duas outras coisas que merecem atenção: primeiro, pergunte ao médico se não seria bom evitar os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs). Um estudo recente constatou que 41% dos pacientes com doença renal tomavam AINEs sem perceber os danos que esse medicamento poderia causar. “Para quem está nos grupos de alto risco, o uso a curto prazo em caso de dor forte talvez não traga problemas, mas a longo prazo não é desejável”, diz o Dr. Jadoul.
Em segundo lugar, evite fumar – mesmo como fumante passivo. O hábito prejudica os vasos sanguíneos e acelera a deterioração dos rins. Quem não fuma tem probabilidade bem maior de preservar a função renal.
Como funciona a doação de rins?
Cada país tem regras próprias para a doação de órgãos. Alguns, como o Brasil e a Alemanha, exigem que as pessoas se inscrevam como doadoras. Outros têm programas de consentimento presumido, ou seja, quem não se recusar expressamente antes de morrer poderá ter seus órgãos doados depois de sua morte. Atualmente, no Brasil tramitam no Senado projetos de lei para implementação da doação de consentimento presumido.
Os rins também podem vir de doadores vivos. Em 2019, cerca de 20% dos rins transplantados no Brasil vieram desses doadores. Para se tornar doador de órgãos, diga à família que é esse o seu desejo, porque depois da morte os familiares terão de autorizar o procedimento. Sendo assim, não existe um banco para cadastro de doadores. É possível, no entanto, fazer uma carteirinha não oficial, disponibilizada por ONGs e outras instituições.
por Lisa Fields
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