Além de ser o sentido cão de guarda, a audição é o mais social dentre eles. Entenda o motivo disso e surpreenda-se com o poder da audição!
Redação | 3 de Fevereiro de 2022 às 12:00
Nosso mundo é cheio de sons que nunca escutamos. Para início de conversa, o alcance da audição humana é limitado: se pudéssemos ouvir sons mais baixos do que 20 vibrações por segundo, seríamos levados à loucura pelos rumores e rangidos de nossos músculos, intestinos e batimentos cardíacos. Todo passo que déssemos soaria como uma explosão.
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Mas, mesmo com nossa capacidade auditiva limitada, selecionamos, e prestamos atenção apenas em alguns poucos sons, bloqueando o restante. Somos tão atacados por sons que continuamente nos “desligamos”. E, assim, calamos a gloriosa sinfonia na qual o mundo em que vivemos está submerso. Continue lendo e saiba mais sobre esse poderoso sentido.
Tudo que se move faz barulho, então todos os sons são testemunhas de acontecimentos. Se o tato é o mais pessoal dos sentidos, então a audição – que é uma espécie de toque a distância – é o mais social deles.
Ele é também o sentido cão de guarda. Sons nos avisam dos acontecimentos. Mesmo quando estamos dormindo, o cérebro é alertado por determinados sons. Uma mãe acorda com o choramingar de seu bebê. A pessoa comum é rapidamente despertada pelo som do próprio nome.
Não é de surpreender que o homem moderno urbano tenha rejeitado e até mutilado o mais estressante dos sentidos. Mas a audição também pode acalmar e confortar. O estalar das toras de madeira na lareira, o sussurro comum de uma vassoura, o chiado curioso de uma gaveta abrindo – todos esses são sons reconfortantes.
Em um lar cheio de amor, toda cadeira produz um ranger diferente e reconhecível, toda janela, um clique ou rangido diferente. A cozinha é uma fonte de muitos sons agradáveis – o som de massa sendo batida, o borbulhar de uma sopa fervendo.
Recentemente, na casa de um amigo, minha mulher abriu a bolsa e algumas moedas caíram, uma depois da outra.
– Três moedas de vinte e cinco centavos, duas de dez, uma de cinco e três de um – disse nosso anfitrião vindo do cômodo ao lado. E, como uma reflexão tardia: – Uma das de vinte e cinco é de prata. – Ele acertara todas.
– Como fez isso? – perguntamos.
– Tentem vocês mesmos – disse ele.
Tentamos e, com um pouco de prática, achamos fácil.
Na volta para casa, minha mulher e eu nos revezamos, fechando os olhos e ouvindo os sons do nosso táxi na rua molhada à medida que eles repercutiam nos carros estacionados ao longo da calçada. Só com isso, já conseguimos distinguir pequenos automóveis estrangeiros dos grandes americanos. Exercícios como esse são uma das melhores formas de abrir novas esferas da experiência auditiva.
Outro benefício de afiar a audição é a capacidade extrassensorial que as pessoas cegas chamam de visão facial.
Mais de 200 anos atrás, Erasmus Darwin, avô de Charles Darwin, relatou a visita de um amigo cego: “Ele entrou na minha sala pela primeira vez e disse: ‘Esta sala tem aproximadamente 6 metros de comprimento, 5 metros de largura e altura de pouco menos de 4 metros’ – tudo isso ele supôs pelo ouvido com grande precisão.”
Engenheiros de som chamam isso de ambientação: a impressão que todos temos em alguma medida das ondas sonoras que repercutem em paredes, árvores e até em pessoas. Para um cego interpretar os ecos de forma eficiente, ele usa uma bengala, de preferência com uma ponta de metal, nylon ou outra substância que produza um som distinto e firme. (Madeira não funciona, pois ela cria sons diferentes quando está molhada ou seca.)
Animais, tanto terrestres quanto não terrestres, também usam a “ecolocalização”. O morcego emite um som muito estridente e captura ecos de qualquer obstáculo, até de um fino como o cabelo humano.
Apesar de suas partes internas ocuparem menos de 16 centímetros cúbicos, o ouvido pode distinguir de 300 mil a 400 mil variações de timbre e intensidade. O som mais alto que pode tolerar é um trilhão de vezes mais intenso do que o mais fraco de que é capaz de captar. Quando os tímpanos vibram em resposta ao som, os minúsculos ossos em formato de pistão do ouvido médio amplificam as vibrações.
Esse impulso é passado adiante para a câmara em forma de caracol do ouvido interno; que é preenchida com líquido e contém cerca de 30 mil pequenas células ciliadas. Essas fibras são feitas para se dobrarem, dependendo da frequência da vibração; e este movimento é traduzido em impulsos nervosos e enviados ao cérebro que, então, “escuta”.
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Quando temos menos de 20 anos, a maioria de nós é capaz de ouvir tons tão altos quanto 20 mil ciclos por segundo (CPS), em média cinco vezes mais agudos do que o dó mais agudo ao piano.
Com a idade, o ouvido interno perde a elasticidade. Não é comum uma pessoa de mais de 50 anos ouvir bem acima de 12 mil CPS. Mas isso não atrapalha a vida do indivíduo, pois a maior parte das conversas ocorre entre duas oitavas acima ou duas oitavas abaixo do dó central, ou cerca de 260 CPS.
Apenas diminuir o som refletido pode produzir efeitos estranhos. A coisa mais próxima na Terra ao silêncio do espaço sideral é a “câmara anecoica”, nos laboratórios Nokia Bell, em Nova Jersey, forrada com material que absorve 99,98% de todo o som refletido. Pessoas que permaneceram lá por mais de uma hora relataram que se sentiram agitadas e sem contato com a realidade.
Uma qualidade notável do ouvido humano é a sua habilidade de escolher um som ou uma voz específicos de uma confusão de vozes ao redor, e localizar sua posição.
O maestro Arturo Toscanini, ao ensaiar uma orquestra sinfônica de quase 100 músicos, identificou o tocador de oboé que distorceu um acorde. “Ouço uma surdina em algum lugar em um dos segundos violinos”, disse ele uma outra vez, parando o ensaio. Um segundo violinista lá atrás no palco descobriu que esquecera de remover sua surdina.
Devemos nossa habilidade de nos concentrarmos em um som particular ao fato de que temos duas orelhas. Um som à direita chega ao ouvido direito 0,0001 segundo antes de alcançar o esquerdo. Esse atraso minúsculo é percebido inconscientemente e nos permite localizar o objeto na direção do ouvido estimulado primeiro. Se você virar a cabeça até que o som alcance os dois ouvidos ao mesmo tempo, a fonte está na sua frente. Tente isso alguma vez em que você ouvir a aproximação distante de um carro.
Você a sua própria voz ouve não apenas pelas vibrações do ar que atingem seus tímpanos, mas também por meio da condução óssea, vibrações transmitidas ao ouvido interno pelo crânio. Quando você mastiga um talo de aipo, o barulho alto da trituração vem principalmente por meio de condução óssea. O que explica por que dificilmente reconhecemos uma gravação da nossa própria fala.
Muitos dos tons que parecem dar força à nossa voz são conduzidos aos nossos ouvidos por meio do crânio; em uma gravação, eles faltam, então ouvimos nossa voz mais fina e fraca.
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Se você frequentemente não entende o que as pessoas estão falando ou sempre aumenta o volume da TV, pode ter alguma perda auditiva.
O que está destruindo nossa audição? Muitas das condições crônicas de saúde que desenvolvemos à medida que envelhecemos, como hipertensão e diabetes, podem diminuir o fluxo de sangue para os ouvidos. E tratar essas condições pode ser prejudicial também. Mais de 200 remédios, com e sem prescrição médica – diuréticos, antibióticos, e até AAS (ácido acetilsalisílico) – podem danificar sua audição.
E não são só os idosos que precisam se cuidar. Hoje mais adolescentes têm perda de audição do que há dez anos, graças à música alta.
“O melhor que podemos fazer para proteger nossos ouvidos é evitar a exposição a barulho alto”, explica a Dra. Laurie DeWine, audiologista de Cincinnati. “Ouvir música alta ou usar um cortador de grama pode danificar seus ouvidos com o passar do tempo.”
Como é possível saber quando os sons são altos a ponto de serem prejudiciais? Aplicativos como o SoundCheck ou Decibel Meter (em inglês) podem transformar o seu smartphone em um medidor de sons. “Você pode se surpreender com o quanto você está exposto”, diz DeWine. “Fiquei chocada quando a música tocada na igreja estava na zona ‘inspira cuidados’.”
Usar protetores de ouvido para abafar ruídos protegerá seus ouvidos durante tarefas barulhentas, como utilizar o aspirador de pó. Manter o volume baixo quando assistir à TV ou escutar música também ajuda.
Infelizmente, é possível que a audição atrofie ainda mais no futuro, à medida que a civilização se torna mais ocupada. Quando há muita coisa acontecendo, aprendemos a ignorar a maioria dos sons a nossa volta; o que significa que também perdemos muito do que poderia nos dar prazer e informação. Isso é bem ruim – pois há uma sabedoria no ouvir.