Especialista explica os riscos potenciais da luz ultravioleta na desinfecção da Covid-19, como irritação da pele e danos aos olhos.
Elen Ribera | 8 de Outubro de 2020 às 13:30
A luz ultravioleta, ou raios UV, se tornou um foco de interesse quando se trata de reduzir a disseminação da Covid-19. Basta realizar uma busca no Google por “A luz UV pode matar o coronavírus?” que mais de duzentos mil resultados aparecerão.
A resposta é: provavelmente sim. Mas há algumas coisas que você precisa saber antes de comprar um dispositivo ou depender do sol para matar os germes – incluindo o fato de que dispositivos emissores de UV podem ser perigosos e inúteis se usados incorretamente.
“A luz UV é uma ferramenta muito eficaz e uma das muitas barreiras à transmissão de doenças, quando usada corretamente. E tem sido assim por 100 anos ou mais”, diz James Malley, 30 anos, um especialista em UV e professor de engenharia civil e ambiental na Faculdade de Engenharia e Ciências Físicas da Universidade de New Hampshire.
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Isto é, o tipo certo de raios ultravioleta provou matar uma variedade de patógenos. Incluindo bactérias, vírus e outros coronavírus, como o da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) e o relacionado à síndrome respiratória aguda grave (SARS) – dois vírus perigosos relacionados ao que causa o Covid-19.
Dito isso, a ciência ainda não demonstrou que a luz ultravioleta mata o SARS-CoV-2, o vírus causador da Covid-19.
Malley também adverte que existem muitos mitos preocupantes circulando sobre a luz ultravioleta, como a teoria de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, de que a luz solar ou ultravioleta pode funcionar para eliminar a Covid-19 de dentro do corpo humano.
Essa é uma teoria perigosa, pois pode induzir pessoas a se exporem aos raios UV. Isso é extremamente perigoso – nunca aplique um dispositivo emissor de UV no corpo, especialmente nos olhos, pois é apenas para superfícies.
Malley observa ainda que existem alguns equipamentos que prometem limpar seu telefone e máscaras do contágio. Mas muito provavelmente não fazem nada.
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No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa publicou, em agosto, a Nota Técnica (NT) nº 82/2020, com orientações sobre o uso de luz ultravioleta (UV) para desinfecção de ambientes públicos e hospitalares.
De acordo com a Anvisa, não é recomendado o uso de equipamentos de UV para desinfetar as mãos ou outra região da pele, devido aos riscos à saúde e potenciais efeitos adversos conhecidos.
Há três tipos de luz ultravioleta, UVA, UVB e UVC. É provável que apenas um tipo seja eficaz na erradicação do coronavírus – os raios UVC.
Se os raios UVA e raios UVB parecem familiares, é porque eles são os culpados por queimaduras solares dolorosas e envelhecimento precoce da pele. Eles têm eficácia de desinfecção insignificante ou nenhuma, respectivamente, diz Malley. Os raios UVC – raios que são amplamente absorvido pelo ozônio da Terra e outros elementos – é que são os verdadeiros assassino de germes.
A luz ultravioleta mata os germes ao danificar o DNA ou outro material genético, o que também a torna um carcinógeno potencial quando aplicada ao corpo humano.
Embora estejamos familiarizados com os efeitos prejudiciais dos raios UVA e UVB da luz solar (incluindo câncer de pele, catarata, supressão imunológica e muito mais), a exposição aos UVC é mais perigosa.
“Os dispositivos de UVC precisam ser usados em áreas totalmente fechadas, ou precisamos desocupar a área a ser desinfectada. E é necessário pessoal treinado, usando o equipamento com proteção total, incluindo proteção para todas as superfícies da pele e para os olhos”, diz o especialista. “Portanto, usá-los nos vagões do metrô além da limpeza normal pode ser uma abordagem muito eficaz para reduzir a carga viral e reduzir o risco de transmissão de doenças.”
Você deve ter visto produtos vendidos como esterilizadores portáteis de luz UV para desinfetar e matar os germes nas mãos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) adverte as pessoas sobre o uso desses produtos. Pois o uso de lâmpadas UV para desinfetar as mãos ou outras áreas do corpo pode causar problemas na pele, como irritação, e danos aos olhos.
Em vez disso, a OMS sugere usar álcool 70% ou lavar as mãos com água e sabão para remover o vírus que causa a Covid-19. Veja as doenças que você pode evitar lavando bem as mãos.
Seguindo as recomendações da OMS, Malley declara:
Segundo Malley, “na verdade, você não deve aplicar em tecido vivo um raio UV de qualquer tipo, a menos que esteja em um ambiente médico, com um profissional treinado que está usando este tratamento e que sabe exatamente o que está fazendo”. Ele ainda acrescenta, “quase todos os raios ultravioleta danificam a pele e os olhos dos seres humanos”.
Embora você deva tomar cuidado extra ao lidar com a exposição aos raios ultravioleta de qualquer tipo, a luz ultravioleta mais eficaz para matar o coronavírus, a UVC, também é a mais eficaz em ferir tecidos vivos.
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“É, em essência, por isso que é um bom desinfetante. Basicamente, se algo faz um bom trabalho na destruição de bactérias e vírus, está trabalhando nos mesmos componentes genéticos da vida – DNA, RNA, proteínas e lipídios – dos quais as células humanas também são compostas.” E os resultados podem ser devastadores.
“O consenso é que os raios UVC danificam a pele e os olhos humanos, especialmente a córnea”, diz Malley. “Exposições contínuas ou repetidas podem levar a danos permanentes nos olhos ou cegueira e ao câncer de pele, e o mais preocupante deles seria o melanoma.”
Durante a pandemia da Covid-19, houve um aumento de ofertas de aparelhos emissores de luz ultravioleta relativamente baratos que afirmam erradicar o novo coronavírus de seu telefone celular e máscaras cirúrgicas. Mas eles são eficazes para matar o coronavírus?
Malley diz que eles provavelmente são um fracasso quando se trata de potencial para matar germes. Suspeite de qualquer coisa que custe menos do que algumas centenas de dólares, diz ele.
Dentro de seu laboratório de alta tecnologia, Malley diz que ele e seus alunos testam dispositivos com mapeamento térmico. Mas mesmo se você não for um cientista, seu “olho nu” será muito útil.
“Está realmente claro que a máscara ou o telefone celular ou as chaves do carro que você vai colocar nesse dispositivo vão receber luz ultravioleta ao redor deles? Em todos os lados: superior, inferior, esquerdo, direito, frontal, traseiro?”
Então, “se alguma coisa no dispositivo do seu produto parecer estar na sombra, se parecer que as lâmpadas UV estão apenas na lateral e nenhuma delas foi diretamente em cima do telefone celular, ele não será desinfetado,” ele esclarece.
A resposta é sim, mas um sim com restrições. Se você deseja desinfetar sua máscara cirúrgica, no entanto, certifique-se de que ela tenha o tipo certo de luz ultravioleta.
“Gostamos de falar em 2.000 mil joules por centímetro quadrado. Cerca de 2.000 projetados no dispositivo certo faz um trabalho muito bom em máscaras N95 e KN95.”
Esses dispositivos podem custar entre 400 e 3.500 dólares, diz Malley. Outra pista está nas letras miúdas dos dispositivos, no argumento de venda ou no manual. Procure as frases “dose de UV” e detalhes sobre o tipo de lâmpada UV.
“Se eles não falarem sobre a quantidade de raios UV ou não falarem sobre nada além do período de tempo para desinfectar, isso é um sinal de alerta”, acrescenta Malley.
Tenha em mente que em ambientes de saúde de alto risco, os especialistas não recomendam esterilizar e reutilizar máscaras se possível (e definitivamente não reutilizar se estiverem sujas).
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Malley viu uma enxurrada desses bastões no mercado, mas adverte que são difíceis de usar corretamente.
Em um estudo que Malley escreveu em coautoria com seu aluno de graduação, publicado na revista UVSolutions, a dupla descobriu que seria necessário segurar um bastão de emissão de luz UV a 0,2 cm da superfície de um objeto por 10 segundos para matar 99,99% de germes (neste caso, um tipo comum de bactéria cultivada em laboratório).
O usuário médio não será tão rigoroso. Malley e seu aluno descobriram que o bastão, quando mantido a 7 cm acima da superfície durante o mesmo período, matava apenas 9% das bactérias da superfície e, a 6 cm de distância, não matava nenhuma bactéria.
“Eu vejo o manual do produto, e eles estão balançando o bastão como Darth Vader (o personagem de Guerra nas Estrelas)”, diz ele. “Sempre desencorajo tudo que depende de seres humanos. Gosto de coisas que têm um suporte fixo.”
Como mencionamos, a luz do solar que atinge a superfície da Terra contém raios UVA e UVB e ela não impediu a transmissão do vírus que causa a Covid-19.
“Você pode pegar o Covid-19, não importa o quanto o tempo esteja ensolarado ou quente”, de acordo com a OMS. “Países com clima quente relataram casos de Covid-19.”
Embora estar ao ar livre seja considerado mais seguro em alguns casos do que estar dentro de uma sala fechada com outras pessoas, isso se deve a uma maior capacidade de distanciamento social e a um menor risco de inalar as gotículas respiratórias que podem circular em salas com ventilação insuficiente.
Um estudo de luz solar simulada publicado em maio no Journal of Infectious Diseases descobriu que a exposição à luz UVB por 6,8 minutos inativou o SARS-CoV-2 na saliva simulada e por 14,3 minutos inativou o vírus nos meios de cultura.
No entanto, mais estudos são necessários e a quantidade de luz indispensável para replicar a qualidade do estudo “depende não apenas da época do ano, mas também das condições climáticas locais, especialmente a nebulosidade”, observam os autores.
Malley diz que não usa dispositivos emissores de luz ultravioleta para desinfetar seus pertences pessoais dentro de sua casa, embora ele use um desses para matar os patógenos na água usada em seu laboratório.
“Eu vou para o trabalho todos os dias, e é meio engraçado. Eu tenho minha máscara. Eu tenho meu protetor facial barato. Meu frasco de desinfetante para as mãos. Tentamos fazer a limpeza normal úmida e seca.” Além de manter um distanciamento social rigoroso. Malley diz que não chega “perto de ninguém”, e acrescenta, “além do meu cachorro”.
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Atenção:
Para ter o diagnóstico correto dos seus sintomas e fazer um tratamento eficaz e seguro, procure orientações de um médico.