Descubra os segredos para dormir melhor e durante o tempo que você precisa de acordo com os cientistas que estudam o sono.
Douglas Ferreira | 31 de Março de 2020 às 21:00
Poucas coisas são tão cobiçadas quanto um bom sono. Estudos mostram que dormir bem promove a longevidade e aumenta a felicidade. Além de promover o melhor funcionamento do sistema imunológico, menor vontade de comer doces, alívio de dores crônicas e menos inflamações.
Com base em pesquisas científicas recentes, as dicas a seguir ajudarão a garantir dias despertos e noites abençoadas:
Conveniente ou não, é um fato biológico: os adultos precisam dormir de sete a nove horas por noite. Um total enorme de 66% de nós não o consegue de forma regular. A questão não é só se sentir cansado no dia seguinte; a longo prazo, a privação de sono contribui para depressão, obesidade, diabetes, acidente vascular cerebral (AVC), infarto, doença de Alzheimer e câncer.
“No século 21, a epidemia silenciosa de falta de sono é o maior desafio da saúde pública nos países desenvolvidos”, afirma o Dr. Matthew Walker, do campus de Berkeley da Universidade da Califórnia, em seu novo livro Por que nós dormimos. “Cientistas como eu começaram a pressionar os médicos para que ‘receitem’ sono.”
A principal dica de Walker para uma “receita” bem-sucedida é respeitar horários. O corpo naturalmente prospera com um ritmo regular de sono e vigília, e a hora marcada para dormir removerá parte da tentação de passar o tempo de outra maneira.
Ele também recomenda evitar, se possível, remédios que “entrem em conflito” com a receita do sono, como alguns medicamentos para o coração, pressão arterial ou asma, além de outros para resfriado, tosse e alergia. Há alternativas disponíveis para muitos desses remédios; portanto, se eles estiverem prejudicando seu sono, converse com o médico.
Se você já ficou rolando na cama de um quarto de hotel, talvez seu cérebro sofra de “vigília noturna”.
Exames cerebrais por imagem revelaram que, como nos golfinhos, pombos e outros animais, metade do cérebro humano descansa menos do que a outra quando estamos em ambiente desconhecido. Essa adaptação foi vantajosa para nossos ancestrais, que corriam risco de predação no ambiente selvagem, mas é bem menos útil para o viajante de hoje.
É possível minimizar o problema ficando no mesmo hotel enquanto estiver numa cidade e reservando quartos parecidos da mesma cadeia de hotéis aonde quer que você vá.
Os cientistas costumavam pensar que o sonho só acontecia no sono REM, último estágio do ciclo do sono. Agora sabemos que estágios anteriores também podem produzir fiapos de sonho, mas no período REM os sonhos são mais detalhados, ativos e emocionais.
A privação de sono é considerada perigosa, mas a privação de REM também é um problema, afirma uma revisão de 2017 publicada no periódico Annals of the New York Academy of Sciences. As pessoas com menos sonhos são mais sujeitas a desregulação do humor (explosões recorrentes ou irritabilidade extrema e persistente), sensibilidade à dor, doença de Parkinson, ansiedade, demência e alucinações. Ironicamente, sonhar ajuda a manter a noção de realidade quando em vigília.
Os sonhos são ameaçados pelo álcool, que nos ajuda a dormir mais depressa, mas atrapalha o sono REM. As benzodiazepinas (usadas como soníferos ou ansiolíticos) “reprimem de forma significativa o sonho/REM”, diz a revisão. Outro culpado comum: despertadores. Tente acordar naturalmente sempre que possível para não interromper os ciclos do sono.
Há um monte de razões para ser difícil dormir de vez em quando. Mas a insônia duradoura costuma se resumir a maus hábitos, crenças errôneas ou padrões inúteis de pensamento, e tudo isso pode ser tratado com a terapia cognitivo-comportamental (TCC). “Tem gente que muitas vezes pensa: ‘Não vou conseguir trabalhar se não tiver uma boa noite de sono’ ou ‘Meu sono ruim resulta de um problema químico do cérebro e não dá para consertar’”, diz Tanja van der Zweerde, psicóloga da Vrije Universiteit Amsterdam.
Preocupações como essas induzem à insônia e podem transformar uma noite ou duas de dificuldade num círculo vicioso insone. A TCC para insônia ajuda a identificar e tratar as raízes do problema. Dependendo de quais sejam, pode-se treinar relaxamento, mudar o estilo de vida ou até aprender a aceitar e parar de tentar dormir. Por se mostrar bem-sucedida e por não trazer os riscos e efeitos colaterais dos comprimidos, hoje a TCC é recomendada como tratamento de primeira linha para quem tem dificuldade crônica de dormir.
Van der Zweerde e seus colegas estão atualmente testando o iSleep, uma das várias versões on-line que são mais baratas do que marcar sessões pessoais com um terapeuta.
Totó deve passar a noite em seu quarto? Pesquisadores da Clínica Mayo abordaram essa questão e puseram acelerômetros em voluntários e seus cães durante uma semana. A maioria dos cachorros passou algum tempo brincando ou andando enquanto os donos dormiam. Mesmo assim, eles não afetaram muito o sono do humano, desde que não subissem na cama.
Um cobertor ou uma caminha no chão é uma boa solução se você gosta da presença canina confortadora e não quer ser perturbado.
Um dos transtornos do sono mais comuns também é potencialmente grave. Na apneia obstrutiva do sono, os músculos do fundo da garganta relaxam demais quando a pessoa dorme e bloqueiam a respiração. Isso provoca a queda do nível de oxigênio no sangue que, sem tratamento, pode forçar o sistema cardiovascular e aumentar o risco de problemas cardíacos.
Os apneicos acordarão automaticamente pelo tempo necessário para reabrir as vias aéreas, mas em geral não se recordam dos episódios pela manhã. Seus parceiros é que costumam alertar para o problema depois de notar roncos e sons guturais ou ofegantes, diz o Dr. Michael Gelb, de Nova York, especialista em transtornos respiratórios do sono. Quem dorme sozinho pode usar um aplicativo de celular, como o SnoreLab, para monitorar os ruídos. Fora isso, os sinais de alerta, segundo o Dr. Gelb, são “acordar cansado, mau humor, dificuldade de se concentrar, sonolência durante o dia e problemas de memória”.
Os sintomas de privação do sono não são a prova definitiva de que você tem apneia do sono. Aliás, nem o ronco é uma prova, mas vale a pena investigar. “Em última análise, o diagnóstico é confirmado por um exame de sono feito em casa ou uma polissonografia”, diz o Dr. Gelb. “É possível organizar isso com seu médico.”
Na hora de dormir, há prós e contras em dividir a cama com alguém. Com a realidade comum do ronco, dos movimentos e do casulo de cobertores, quando se mede a qualidade do sono com critérios objetivos, como a quantidade de sono de ondas lentas, estágio NREM (não REM) fundamental para a consolidação da memória, dormir sozinho geralmente dá melhor resultado.
Por outro lado, as pessoas tendem a ficar mais subjetivamente satisfeitas com o sono quando se aconchegam a quem amam. Isso libera oxitocina, um hormônio do bem-estar que reduz o estresse e promove a ligação do casal. Eis duas maneiras de colher os benefícios e minimizar as desvantagens:
Apesar de ser um dos mais famosos perturbadores do sono, você pode ingerir cafeína sem saber. “Cafeína não tem gosto e não dá para saber quanto estamos tomando”, explica o Dr. Neil Stanley, da Sociedade Europeia de Pesquisa do Sono. “E ela pode permanecer no organismo e causar efeitos durante horas se você for sensível a ela.”
Fontes menos conhecidas de cafeína são chocolate, refrigerantes, algumas águas com sabor e café descafeinado, que simplesmente contém menos estimulante do que o café normal.
O ruído branco mascara os sons ambientais que perturbam o sono. Mas hoje os cientistas do sono estão interessados no ruído rosa, parecido com o branco, só que com mais volume nas frequências mais baixas do que nas altas. Há indícios de que melhore o sono de ondas lentas. Num estudo de 2017, idosos tiveram melhor desempenho numa prova de memória depois de passar a noite com ruído rosa sincronizado à atividade cerebral de ondas lentas. Se quiser fazer uma experiência, baixe no telefone um aplicativo de ruído rosa.
Mais nem sempre é melhor; dormir regularmente mais de nove horas por noite está associado a dores de cabeça e das costas, obesidade e diabetes. Esses riscos podem se dever às causas subjacentes (depressão, abuso de bebidas alcoólicas e narcolepsia, por exemplo) e não ao excesso de sono em si. De qualquer modo, vale a pena conversar com o médico.
A parte azul do espectro luminoso melhora o humor e a energia durante o dia, mas, nas horas antes de dormir, pode inverter o relógio circadiano. A maioria de nós, mais do que nunca, se expõe à luz azul dos celulares, dos computadores e das lâmpadas de LED, mais azuis do que as antecessoras com menos eficiência energética.
Você pode reduzir o tempo de tela no fim do dia, mas, se não for viável, tente usar óculos com lentes âmbar à noite, como sugere um estudo recente sobre insônia do Centro Médico da Universidade de Colúmbia.
Perguntamos à Dra. Julie Carrier, diretora da Rede Circadiana e do Sono do Canadá, sobre o sono na terceira idade:
Como a idade afeta o sono?
Não se pode esperar dormir tão bem aos 65 anos quanto aos 20. Você terá um sono mais leve e menos duradouro. E ficará mais sensível a interferências, como estresse e ruídos que não o acordariam quando mais jovem. Assim, será preciso cultivar o repouso.
Essas mudanças têm impacto durante a vigília?
Sim. Só porque algo é normal não significa que não tenha consequências. O declínio da qualidade do sono afeta a memória e a saúde em geral.
Atualmente, os cientistas estão estudando algum tratamento para melhorar o sono dos idosos?
Estão, mas ainda em estágio inicial. Por exemplo, para promover um sono mais profundo, os pesquisadores estão experimentando a estimulação transcraniana. Mas ainda não sabemos com certeza se dá certo.
E os soníferos? Eles ajudam?
Na verdade, não há fármaco capaz de aumentar o sono – principalmente o sono profundo – sem consequências negativas no dia seguinte.
Para os idosos, tudo bem cochilar durante o dia?
Sim, desde que isso não cause insônia à noite. É preciso lembrar que, com a idade, aumenta a probabilidade de vários distúrbios do sono. Ficar muito cansado o dia todo não está entre as mudanças normais esperadas. Sem dúvida vale a pena consultar o médico.
A crença popular diz que o aminoácido triptofano dá sono. O corpo precisa dele para sintetizar serotonina, um neurotransmissor relaxante, e melatonina, um hormônio que regula o sono. No entanto, ele não provoca mudanças sozinho. Para incentivar seu corpo a adormecer, prefira alimentos ricos em carboidrato.
O carboidrato ajuda o triptofano a atravessar a barreira hematoencefálica (entre o sangue e o cérebro) e induzir sonolência.
Veja também: O que são carboidratos simples e por que evitá-los