Conhecida por seu papel na recuperação de acidentes e de lesões, a fisioterapia agora mostra o seu valor na prevenção de vários problemas.
Douglas Ferreira e revisado por Dra. Danielle Toledo, fisioterapeuta. | 30 de Maio de 2022 às 18:30
Muita gente conhece o papel da fisioterapia na recuperação de acidentes, no tratamento de lesões esportivas e na reabilitação de AVCs. Mas, nos últimos anos, a ciência que avalia e trata problemas ligados ao funcionamento e aos movimentos físicos passou a ter um novo papel na assistência médica. E pode ajudar a prevenir algumas cirurgias desnecessárias.
A possibilidade de ser forçada a parar de cozinhar é que me fez tentar a fisioterapia. Minhas mãos e meus punhos doíam desde que eu exagerara fazendo anotações à mão e no computador durante a pós-graduação. Ainda conseguia usar o computador, mas desistira de abrir vidros com tampas, quase parara de escrever à mão, e até picar um dente de alho deixava meus antebraços latejando de dor.
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A médica pediu um exame de sangue a fim de eliminar a artrite reumatoide, mas ela não sabia o que fazer depois. Havia anos que meu marido insistia que eu tentasse a fisioterapia – ele a usara para se recuperar de lesões ligadas ao tênis –, mas supus que eu tinha o tipo de lesão permanente que só analgésicos ou cirurgias resolveriam. Mesmo assim, finalmente marquei hora com um fisioterapeuta.
Saí daquela primeira sessão com instruções de alongamentos para serem realizadas em casa e tratar a tendinite. Os exercícios eram fáceis – num deles, eu simplesmente tocava a parede com os dedos direcionados para baixo e depois encostava a palma da mão na parede –, mas aliviaram tanto a tensão muscular que, três vezes por dia, eu aguardava com expectativa meu ritual. Nas sessões semanais na clínica, o fisioterapeuta alongava meus músculos encurtados e acrescentava exercícios de força para reduzir problemas futuros. Em poucos dias, senti algum alívio da dor, e o retorno quase total ao normal veio em apenas dois meses.
Com a minha vivência, percebi que a fisioterapia pode tratar até problemas de longo prazo e que eu não enfrentaria meses e meses de tratamento caro. Em meu caso e no de muitos outros, as sessões se reduzem rapidamente depois que o problema é identificado e começam os exercícios em casa.
Em 2008, a revista New England Journal of Medicine publicou o resultado de um estudo de referência. Esse estudo controlado e randomizado, feito por pesquisadores da Universidade de Ontário Ocidental em London, no Canadá, mostrou que a fisioterapia combinada à medicação era tão eficaz quanto a cirurgia artroscópica no tratamento da osteoartrite do joelho.
“Muitas articulações com artrite melhoram com o trabalho de força e flexibilidade”, diz o Dr. Robert Litchfield, coautor do estudo, cirurgião ortopédico e diretor médico da Clínica de Medicina Desportiva Fowler Kennedy daquela universidade. Os fisioterapeutas conseguem remover a fonte da dor no joelho quando identificam a causa, como tensão muscular em torno da articulação, e a tratam com exercícios e alongamentos.
“Fazemos uma avaliação biomecânica que leva tudo em conta: da tensão e da fraqueza muscular ao modo como a articulação se move”, explica o fisioterapeuta Greg Alcock, coordenador clínico e de pesquisa da clínica Fowler Kennedy. “Com base nisso, receitamos um curso de ação que pode incluir exercícios para acalmar [o músculo ou a articulação inflamada] ou atacar os fatores que contribuem para o problema.” Litchfield acrescenta que “os fisioterapeutas são ótimos para olhar o quadro completo”.
Os programas de fisioterapia conseguem aliviar a dor crônica, dependendo da causa, fortalecendo os músculos que cercam as articulações ou os músculos doloridos. Um estudo dinamarquês com mulheres com osteoporose, cuja dor crônica estava ligada a fraturas por compressão da coluna, constatou que as pacientes usaram bem menos analgésicos e relataram melhora da qualidade de vida depois de apenas dez semanas de um programa de fisioterapia projetado para aumentar o equilíbrio e estabilizar a coluna lombar.
Problemas como má postura, tensão muscular ou artrite podem provocar dor nas costas. O tratamento dependerá da causa do problema, mas alguns princípios comuns se aplicam. Paul VanWiechen, diretor de fisiologia do exercício da Clínica Cleveland do Canadá, aconselha uma abordagem tripla: gestão do peso corporal (para reduzir a pressão sobre as articulações), fortalecimento muscular (para melhorar a mobilidade e reduzir a recorrência) e a “repadronização” dos músculos.
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Isso envolve mudar a coordenação de todos os músculos de uma área específica, em geral com uma série de exercícios dinâmicos. “Há cerca de duas dúzias de músculos importantíssimos na região lombar e em torno dela”, explica ele. “Fortalecer dois ou três não faz tanto efeito quanto ensinar todos os 24 a trabalhar em conjunto.”
Uma área da prática que cresce com rapidez é o uso de técnicas fisioterápicas para tratar problemas do assoalho pélvico, que ocorrem quando os músculos da pelve se tensionam, encurtam ou sofrem espasmos depois da gravidez, do parto ou de cirurgias abdominais. As disfunções podem se manifestar por meio de relações sexuais dolorosas, incontinência urinária ou fecal ou dor no abdome ou na virilha. Para aliviar os espasmos, os fisioterapeutas usam uma técnica de massagem chamada “liberação dos pontos-gatilho” diretamente no músculo do assoalho pélvico afetado. Muitos também realizam práticas integradas, com exercícios de fortalecimento do tronco e técnicas de relaxamento, como o Pilates.
Essa abordagem do quadro inteiro não se limita a músculos e articulações. A fisioterapia também aborda as doenças do sistema nervoso autônomo – uma parte do sistema nervoso que alimenta órgãos internos. Pacientes com asma ou apneia do sono, por exemplo, podem ser tratados por fisioterapeutas cardiovasculares, que usam exercícios de controle da respiração – um dos mais simples é encher um balão – ou aumentam a mobilidade dos músculos do peito e do pescoço com programas de alongamento e fortalecimento.
Num estudo publicado na revista The Lancet em 2018 por pesquisadores do Reino Unido, 655 asmáticos de 18 a 70 anos participaram por um ano de um estudo controlado e randomizado. Os pesquisadores queriam saber se a qualidade de vida dos participantes melhoraria com o retreinamento respiratório fisioterápico. O resultado mostrou que a terapia respiratória, mesmo levada aos pacientes por programas digitais autoguiados e não por uma pessoa, foi bem-sucedida.
Mas você precisa fazer sua parte para a fisioterapia dar certo. Os exercícios de alongamento e fortalecimento feitos em casa são fundamentais no tratamento da maioria dos problemas. É aí que a fisioterapia pode perder seguidores.
“Muitos clientes meus querem ser curados ontem; não desejam investir muito esforço em sua melhora”, adverte Karen Orlando, fisioterapeuta e proprietária da clínica ProCare Rehabilitation, em Toronto, no Canadá. É preciso tempo e treino para alongar ou retreinar músculos com maus hábitos há muito estabelecidos. Mas isso pode prevenir a recorrência da lesão. Sei que, em meu caso, sempre que me senti tentada a pular os exercícios, me lembrava de que havia uma grande probabilidade de que eu precisasse deles para evitar intervenções mais arriscadas.