Como controlar a raiva e colher as recompensas

O motorista que corta você no trânsito. O vizinho que não recolhe as fezes do cachorro. A seguradora que deixa você uma eternidade na espera. Situações

Douglas Ferreira | 16 de Março de 2020 às 14:00

filistimlyanin/iStock -

O motorista que corta você no trânsito. O vizinho que não recolhe as fezes do cachorro. A seguradora que deixa você uma eternidade na espera. Situações assim fazem o sangue ferver, aceleram o coração e elevam como um foguete o nível de estresse. A raiva não é uma sensação agradável. Mas o jeito como a maioria lida com ela também não é. Alguns sufocam as emoções, enquanto outros explodem numa fúria selvagem. Os dois hábitos causam repercussões no corpo, na mente e nos relacionamentos.

Ainda que desconfortável, a raiva também é normal e saudável. “Ela é muito mal falada. Muita gente acha que tem de se livrar da raiva”, diz o Dr. Patrick Keelan, psicólogo de Calgary, no Canadá. “Mas a raiva é uma emoção criada para nos assinalar que algo precisa ser resolvido.” Quando notamos esse sinal e corrigimos o problema, geralmente nos sentimos muito melhor.

Por que nos enfurecemos?

As mudanças fisiológicas que ocorrem quando ficamos com raiva – o aumento da pressão arterial, a respiração acelerada, a liberação de hormônios do estresse como adrenalina e cortisol – são disparadas pela amígdala, um tipo de serviço de emergência do cérebro. O processo evoluiu por uma razão, diz a Dra. Diane McIntosh, psiquiatra de Vancouver, no Canadá. “Vários sistemas biológicos diferentes trabalham em conjunto para estimular a reação de luta ou fuga. Você vai lutar porque está com raiva ou fugir porque está com medo.”

Na sociedade moderna, não costumamos ir às vias de fato com motoristas imprudentes ou donos de cachorro mal-educados, mas isso não significa sufocar a emoção. “Podemos agir adequadamente com base na raiva”, diz Keelan. “Quando alguém fizer algo que me incomode, posso chamar a atenção da pessoa de forma clara e calma.”

Guardar a raiva prejudica

Infelizmente, muita gente, em especial do sexo feminino, foi condicionada a ocultar suas reações. “A ira é um dos sete pecados capitais”, explica a Dra. Cheryl van Daalen-Smith, professora adjunta de enfermagem e estudos femininos da Universidade de York, em Toronto, no Canadá. “Nas mulheres, a raiva é contrária à expectativa de serem carinhosas e compassivas. Isso leva ao autossilenciamento.”

Mas, cada vez mais, as pesquisas demonstram que sufocar a raiva causa problemas mais tarde, inclusive doenças ligadas ao estresse, como as autoimunes. Pesquisadores da Universidade de Rochester, no estado americano de Nova York, chegaram a demonstrar que quem sufoca regularmente as emoções pode ter uma expectativa de vida menor. McIntosh ressalta que, quando a reação ao estresse fica perpetuamente ativada, o corpo acaba resistindo ao efeito anti-inflamatório do cortisol e se mantém em estado de inflamação, com tendência maior a desenvolver doenças físicas, como o diabetes, e mentais, como a depressão.

E, se acha que, ao sufocar a raiva, você poupa as pessoas que ama, pense melhor. “Quem engole a raiva o tempo todo pode acabar explodindo como um vulcão”, diz McIntosh. Em vez de ter logo uma conversa sobre o que a deixa com raiva, além de estar em conflito, agora você se sente péssima.

Extravasar também faz mal

Então é melhor gritar e berrar sempre que surgir alguma irritação? Talvez você descubra que pôr tudo para fora não é melhor do que sufocar tudo. Na verdade, assim como suprimir as emoções traz consequências negativas para a saúde física e mental, soltar os cachorros também não nos faz bem.

“Qualquer emoção extremada tem consequências físicas: dor de cabeça, dor de barriga, todo tipo de coisa”, diz Nancy MacDonald, diretora executiva da entidade de apoio Family Service of Eastern Nova Scotia, no Canadá, e líder de um grupo de gestão da raiva. Um grande estudo de 2016 da Universidade McMaster constatou que temos o dobro da probabilidade de sofrer um infarto depois de uma explosão de raiva. O aumento da pressão arterial e do ritmo cardíaco força o sistema cardiovascular, e, se já houver algum acúmulo de placas, o fluxo de sangue do coração pode se restringir. MacDonald acrescenta que, quando sentimos vergonha de ter explodido, “também há um estágio depressivo que costuma vir depois”.

Quanto às consequências sociais de descarregar a raiva, não é preciso muita imaginação para prever que ataques de fúria irão afetar o relacionamento com o cônjuge, os filhos ou os colegas de trabalho. Essa é uma das razões para a raiva ser malvista. Mas temos de parar de igualá-la à fúria explosiva. “A raiva é uma emoção; a agressão é um comportamento. Precisamos desatrelar as duas”, diz Van Daalen-Smith. “Os sentimentos de raiva têm de ser expressos, e precisamos levar os ouvintes a aceitarem e apreciarem as expressões de raiva das mulheres.”

Admita sua raiva

Se não devemos sufocar as sensações raivosas, e se o comportamento agressivo também não é saudável, o que fazer quando algo nos irritar? “A meta não é deixar de sentir raiva. As emoções são normais”, diz MacDonald. Mas os extremos, os altos e baixos, cobram seu preço, e, se você conseguir aplicar técnicas que atenuam alguns desses picos e vales, sua vida ficará mais fácil.

Comece examinando de onde vêm seus sentimentos. A raiva pode ser provocada por uma situação irritante, mas também é comum ser estimulada por sentimentos subjacentes de medo, ansiedade, decepção e culpa. É por isso que a raiva costuma ser considerada uma emoção secundária. Talvez você fique furiosa porque seu marido se atrasou, mas a causa é que estava com medo de que ele tivesse sofrido um acidente de carro com o mau tempo. Ter mais consciência das emoções primárias ajuda a refletir sobre elas e reconhecer nossos pensamentos.

Preste mais atenção também nos gatilhos, aqueles incômodos cotidianos, como as filas compridas do supermercado, que você sabe que são irritantes. Talvez não dê para evitar todos os gatilhos, mas é possível preparar algumas estratégias. Uma delas é reformular. “Olhe a situação de fora e a examine de modo diferente”, diz MacDonald. Quando penso que as pessoas que bloqueiam as vagas para deficientes não sabem por que elas têm de ser tão largas, sinto menos hostilidade.

Formas de se exprimir

Há muitas maneiras de exprimir a raiva sem recorrer às vias de fato. Como dizemos às crianças pequenas: use as palavras. Está comprovado que falar sobre a raiva nos faz melhorar. Os pesquisadores ainda investigam os mecanismos por trás disso. Exames por imagem do cérebro feitos no campus de Los Angeles da Universidade da Califórnia e em outros locais mostraram que, se anexarmos a linguagem aos sentimentos dentro da mente, a atividade da amígdala, lugar onde se dispara a reação de luta ou fuga, realmente se acalma.

A linguagem é muito útil quando nos enfurecemos com um comportamento
específico de alguém. Como observa McIntosh, “há valor em exprimir que você não gosta do que está acontecendo, porque é uma oportunidade de mudança”.

É possível dar um tempo para esfriar antes de falar; isso permitirá que o efeito da adrenalina passe, que você aproveite para refletir sobre o que realmente a incomoda e que a pessoa com quem você precisa falar fique mais receptiva. Faça um pouco de respiração controlada ou pratique alguma atividade física para reduzir a irritação. “Há indícios claros de que o exercício é bom para a ansiedade e a depressão e que ajuda quando o sentimento é de raiva”, diz McIntosh.

Leia também: Descubra quando o estresse e a ansiedade podem lhe fazer bem

Quando estiver pronta para abordar a outra pessoa, Keelan recomenda se concentrar no comportamento e em por que ele a incomoda, e não nos traços do caráter do outro. “Você tem algumas questões muito válidas que quer tratar com aquela pessoa”, diz ele. “Quer se assegurar de que o outro vai prestar atenção nelas e não ser desviado por comportamentos agressivos.” Evite ofender a outra pessoa e acusá-la de ser mal-educada. Não xingue e não faça generalizações excessivas, como “Você sempre faz isso!”.

“O conceito básico”, diz Keelan, “é expor ao outro questões sensatas da maneira mais provável de obter uma resposta construtiva e não defensiva.”

E, quando você for o alvo, lembre-se de que admitir e tentar entender a raiva do outro traz benefícios e se ofereça para mudar, se necessário. A outra pessoa terá muito mais probabilidade de abordar as questões de forma construtiva no futuro, em vez de engoli-las ou explodir. E, no fim das contas, vocês dois ficarão mais saudáveis.

POR LISA BENDALL