Exercícios, alimentação e sono. Confira aqui uma lista de coisas simples que você pode fazer a fim de construir um cérebro melhor.
Rayane Santos | 1 de Julho de 2021 às 18:00
Wendy Suzuki era uma respeitadíssima pesquisadora do cérebro, com laboratório próprio e uma série de estudos publicados. Mas as aulas enérgicas de ginástica e uma tranquila xícara de chá mudaram seus neurônios – e sua vida.
“Eu só queria músculos mais fortes, mas, depois de seis meses de exercício aeróbico, notei que as tarefas mentais difíceis estavam mais fáceis. Eu conseguia guardar muitos detalhezinhos na mente”, recorda Wendy, de 55 anos, professora do Centro de Neurociência da Universidade de Nova York. “Isso transformou minha pesquisa. Agora, a ação do exercício no cérebro é o foco principal de meu trabalho. E me exercito quase todo dia.”
Se tivesse olhado o próprio cérebro depois de adotar a nova rotina, que incluía meditação diária, Wendy veria algumas coisas espantosas: neurônios novos criavam novas conexões, vasos sanguíneos novos levavam mais oxigênio e combustível para os neurônios e formava-se mais tecido cerebral nas áreas envolvidas com aprendizagem, memória e tomada de decisões. Antigamente, acreditava-se que esse renascimento ou neuroplasticidade só acontecia no cérebro das crianças.
Mas hoje a pesquisa mostra que o cérebro faz esses truques em qualquer idade. Os benefícios são memória afiada, mais capacidade de pensar, mais criatividade e redução do risco de demência. Ou, como diz Wendy, entusiasmada, “podemos criar um cérebro maior e mais feliz”
Recentemente, uma avalanche de novos estudos indica de que modo controlar a neuroplasticidade. Técnicas avançadas de exame do cérebro por imagem (entre outras ferramentas laboratoriais) vêm permitindo que os pesquisadores deem uma olhada no que afeta nossas células cinzentas, como: sono, comida e atividade física.
Uma ideia que vale a pena mencionar: a plasticidade cerebral tem mão dupla. “Cerca de 50% das coisas que as pessoas fazem todo dia e afetam o cérebro são tóxicas”, observa a neurocientista cognitiva Sandra Bond Chapman, diretora do Centro de Saúde Cerebral da Universidade do Texas, em Dallas. “Dormem pouco. Fazem múltiplas tarefas ao mesmo tempo. Não são fisicamente ativas.”
Além de mudar esses maus hábitos, o que fazer para criar novas células cerebrais? Dica: os cientistas não recomendam investir dinheiro em programas de treinamento cerebral nem em suplementos alimentares. Também não defendem coisas de ficção científica, como estímulos elétricos feitos em casa.
Segundo a vanguarda da ciência cerebral, eis coisas simples que você pode fazer a fim de construir um cérebro melhor.
Em 2015, pesquisadores da Universidade Deakin, na Austrália, publicaram um dos primeiros estudos que mediam o efeito físico dos alimentos sobre o hipocampo esquerdo, uma região do cérebro que é fundamental para memória, aprendizagem e tomada de decisões. Também é uma das primeiras áreas a encolher nas pessoas com doença de Alzheimer e outras formas de demência. Duzentas e cinquenta e cinco pessoas responderam a questionários sobre alimentação e fizeram exames de ressonância magnética para medir o cérebro. Quatro anos depois, voltaram para novo exame.
O estudo constatou que o hipocampo esquerdo era mais robusto em quem fazia uma alimentação saudável comparada à dos outros, fosse qual fosse a idade, o sexo, o peso, a prática de exercícios ou a saúde geral. A diferença média foi de 203 mm². Parece pouco, mas há espaço para muitos neurônios a mais – e é um indício novo e forte de que comer os alimentos certos e deixar de lado os errados ajuda a proteger contra o declínio do pensamento e da memória que leva à demência.
Entre os alimentos amigos do cérebro associados ao hipocampo maior estão as frutas, as verduras e o peixe grelhado. A alimentação que encolhe o cérebro era rica em hambúrguer, batata frita e refrigerante, além de linguiça, chips de batata e carne vermelha.
Além de prevenir o declínio do cérebro, a alimentação saudável aumenta a pontuação em testes de pensamento e memória, de acordo com um estudo publicado em março de 2019 que acompanhou durante 30 anos 2.621 homens e mulheres americanos. “A alimentação de base vegetal tem um efeito antioxidante e anti-inflamatório que protege do declínio cognitivo e da demência”, explica Claire McEvoy, autora principal do estudo e nutricionista pesquisadora do Centro de Saúde Pública da Queen’s University Belfast, na Irlanda do Norte.
Até um pouco de comida saudável faz muito efeito. De acordo com um estudo de 2018 da Universidade Rush, em Chicago, que acompanhou 960 pessoas durante 4,7 anos, os participantes que comeram apenas 1,3 porção a mais de verduras por dia – 1,3 xícara de salada ou pouco mais de meia xícara de espinafre ou couve – demonstraram capacidade cognitiva semelhante à de pessoas 11 anos mais novas. E um estudo de janeiro de 2020 publicado na revista Neurology mostrou que a ingestão de apenas 15,3 miligramas por dia de compostos vegetais chamados flavonóis – a quantidade de uma saladinha verde mais uma xícara de legumes cozidos e meia xícara de frutas vermelhas – estava associada a um risco 48% menor de demência semelhante à de Alzheimer.
“Não é muito no dia a dia”, diz o Dr. Thomas M. Holland, principal autor do estudo e pesquisador da Universidade Rush. Quem come “uma saladona dia sim, dia não, com cenoura ou brócolis no jantar e morangos no lanche, já consegue”.
Embora a comida pareça um importante protetor do cérebro, os especialistas afirmam que os suplementos cerebrais (às vezes chamados de nootrópicos) não são tão eficazes. Esses comprimidos e cápsulas podem conter vitaminas, sais minerais, antioxidantes e aminoácidos, além de ervas, cafeína, extrato de chá-verde, cogumelo em pó, proteína de águas-vivas e outros ingredientes. Mas os estudos mostram que eles não ativam as células do cérebro de modo visivelmente positivo. “Consumidores, atenção”, alerta o Dr. David Hogan, especialista em medicina geriátrica da Universidade de Calgary, no Canadá. Em 2015, ele fez uma revisão de suplementos para o cérebro na revista Canadian Geriatrics Journal e não encontrou nenhum indício benéfico convincente.
Em geral, o cérebro chefia os músculos; ele dirige como você chuta a bola, toca piano ou abre um pacote de biscoitos. Mas, na hora de criar novas células cerebrais, cada vez mais pesquisas mostram que, quando você se exercita, os músculos (e a gordura do corpo e do fígado) assumem o controle. Quando você pratica atividade física, eles mandam ao cérebro sinais químicos que dizem “Ei, hora de crescer!”. Pesquisas recentes indicam que a atividade física faz muito bem ao cérebro e incentiva o nascimento e o crescimento de novos neurônios e vasos sanguíneos que fornecem oxigênio e açúcar às células cerebrais.
Num estudo de 2016 do Instituto Nacional do Envelhecimento dos Estados Unidos, quem correu 45 minutos na esteira três vezes por semana teve aumentado o nível do fator neurotrófico derivado do cérebro, substância que atua como “adubo” de novos neurônios. Depois de quatro meses de exercício, a pontuação dessas pessoas melhorou num teste de memória.
Sem exercícios, diz Wendy Suzuki, “os neurônios bebês não crescem nem fazem milhares de conexões novas com outras células do cérebro. Com exercícios, você obtém células cerebrais adultas em pleno funcionamento”. Estudos revelam que, em adultos jovens, isso aumenta o número geral de células no hipocampo. E, a partir dos 30 anos, quando começam as mudanças cerebrais ligadas à idade, o exercício ajuda a manter os neurônios vivos por mais tempo e a substituir as células velhas por novas. É um bom negócio. “Há indícios de que essas células novas do cérebro são muito ativas”, diz ela. “São excitáveis como adolescentes. Envolvem-se em mais circuitos da memória do que as células mais velhas. Fazem mais conexões.”
Em qualquer idade, você pode notar que se sente mais alerta e tem mais facilidade para lembrar coisas algum tempo depois de começar uma nova rotina de exercícios. Manter essa rotina reduz o risco de demência. “Num estudo empolgante, as mulheres em boa forma física na meia-idade que a mantiveram até depois dos 80 anos retardaram em nove anos o desenvolvimento da demência”, informa Wendy Suzuki. “Isso é muita coisa.”
Mais uma vez, um pouquinho faz muito efeito. Se você for inativo, uma caminhada pelo quarteirão pode ser o suficiente para incentivar a neuroplasticidade, diz ela. E cada passo conta. Num estudo de 2019 da Universidade de Boston com 2.354 adultos de 40 a 70 anos, as pessoas sedentárias que aumentaram em 7.500 passos ou mais a caminhada diária ficaram com o cérebro maior do que quem não se exercitava – o equivalente a 1,4 a 2,2 anos menos de envelhecimento cerebral. Quanto mais atividade leve os participantes do estudo praticavam, como faxina, compras, jardinagem ou passeios com o cachorro, maior o tamanho geral do cérebro.
Em 2019, pesquisadores da Universidade de Boston puseram toucas com fios ligados em 13 pessoas, colocaram-nas para dormir à noite dentro de uma máquina de ressonância magnética funcional e acompanharam a atividade elétrica que passa naturalmente pela matéria cinzenta. Foi como fazer um filme da vida secreta do cérebro que virou um grande espetáculo.
Os pesquisadores constataram que, quando as ondas cerebrais se desaceleravam no sono profundo, o nível de sangue caía em algumas áreas, permitindo que mais líquido cefalorraquidiano, que normalmente cerca e protege o cérebro, entrasse e voltasse como uma onda. Esse balé aquoso pode aumentar as comunicações no cérebro adormecido. Também pode lavar toxinas – subprodutos deixados por um longo dia de pensamentos – que interfeririam com a memória.
A privação de sono atrapalha o foco mental, sufoca a criatividade, interfere com a recordação e desacelera o tempo de reação em até 50%. O efeito é imediato; num estudo da Universidade do Sul da Flórida com 130 homens e mulheres de meia-idade, a perda de apenas 16 minutos de sono reduziu a concentração no dia seguinte. Em contrapartida, uma boa noite de sono dobrou a capacidade dos voluntários de recordar palavras aprendidas no dia anterior, de acordo com um estudo de 2015 da Universidade de Exeter, no Reino Unido.
Para garantir sono suficiente (oito horas são o número mágico para a maioria), “tente manter um horário regular para dormir e acordar”, sugere Michael Scullin, cientista cerebral da Universidade Baylor, no Texas. “Prepare o relógio do corpo com exposição à luz natural pela manhã e relaxamento à noite. E, se seu parceiro de cama lhe disser que você ronca muito, converse com o médico. A apneia obstrutiva do sono aumenta o risco de ameaças cerebrais, como a pressão alta.
Você pode se surpreender com a grande variedade de benefícios cerebrais colhidos com o sono suficiente. “Todos os aspectos da saúde cerebral estão ligados à qualidade e à quantidade do sono”, observa Michael. “Num estudo recente, vimos até que, quando dormiam seis horas, as pessoas ficavam menos propensas a perdoar os outros do que quando dormiam por sete horas e meia a oito horas.”
O setor de treinamento cerebral se transformou em um mastodonte de 1,9 bilhão de dólares que promete afiar seu pensamento, melhorar a memória e até deter o declínio que leva à demência. Mas se os jogos cerebrais funcionam ou não depende de sua atitude. Se já gosta de praticá-los, provavelmente eles funcionarão.
“É preciso elevar o nível cerebral de dopamina, substância que aumenta o bem-estar, para gerar crescimento de neurônios”, explica o neurocientista Dr. William Shankle, diretor médico do Instituto de Neurociência Família Pickup, da Rede Hospitalar Hoag, em Newport Beach, na Califórnia. “Não faça o que não gosta só porque aumenta o poder cerebral. Escolha algo que lhe dê prazer. Continue aprendendo e fazendo. É preciso paixão para ter benefícios. Com o tempo, as pessoas que mantêm a mente ativa têm declínio mais lento da memória e do pensamento. Elas constroem uma reserva cognitiva que ajuda o cérebro a encontrar outros caminhos, mesmo quando há sintomas físicos de doença de Alzheimer e demência.”
Portanto, faça o que você gosta. Um estudo com 1.091 adultos idosos constatou que a prática de jogos antigos como baralho, bingo e xadrez várias vezes por semana estava ligada ao pensamento mais afiado e à melhor memória, ao lado de 1,4 ponto a mais no Q.I. Num estudo da Clínica Mayo, as pessoas que praticavam artes e ofícios como costura, marcenaria e pintura mostraram probabilidade 45% a 73% menor de apresentar perda cognitiva leve em quatro anos.
Os kits domésticos de estimulação elétrica cerebral – que dão choques de baixa potência – funcionam? São populares, mas não comprovados.
Uma revisão publicada em 2019 na revista Neuron encontrou poucas provas científicas das alegações dos aparelhos. E um grupo de neurocientistas que estuda a estimulação elétrica cerebral avisou, numa carta publicada em 2016 na revista Annals of Neurology, que dar choques no cérebro por conta própria pode ter efeitos nocivos ainda não documentados.
Enquanto isso, experimente a meditação. Ela ajuda o cérebro ao acalmar os circuitos do estresse que ligam as áreas envolvidas com a memória e o pensamento. (Hoje, Wendy medita diariamente.)
A ioga também estimula a plasticidade cerebral, de acordo com uma revisão de 11 estudos sobre o cérebro a partir de imagens realizado em 2019 no campus de Urbana-Champaign da Universidade de Illinois. As pessoas que praticavam hata-ioga tendiam a ter o hipocampo, a amígdala (área do cérebro envolvida no controle das emoções) e o córtex pré-frontal (envolvido com planejamento e tomada de decisões) maiores. O poder que a ioga tem de mudar o cérebro pode vir da mistura de exercício com redução profunda do estresse, observam os pesquisadores.
“Você pode se sentar imóvel, respirar e colher os benefícios para a plasticidade do cérebro”, diz Wendy.
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