Os cientistas pesquisam como o cérebro pode ajudar a si mesmo, com terapias variadas e a determinação dos neurônios de não ficarem à toa.
Perfuração de orifícios no crânio, exorcismos, simpatias, orações e purgações eram métodos usados no passado para tratamento de lesões e transtornos cerebrais. Sabia-se pouco sobre o cérebro, e por muito tempo persistiu o dogma de que ele era imutável. Que obedecia a uma programação e era incapaz de se regenerar sozinho. Mas neurocientistas no mundo todo mostram um panorama bem diferente.
A neurociência está vivendo um momento empolgante. Estudos mostram que o cérebro é capaz de se reorganizar de modo surpreendente. Tratamentos e outras terapias estão renovando as esperanças daqueles que tiveram uma lesão cerebral por doença ou traumatismo.
A meditação é um importante foco de pesquisa para neurocientistas que investigam a capacidade de o cérebro ajudar no processo de cura. Foto: JackFrog/iStock.
Recuperação cerebral
A meditação é praticada há milênios, mas pesquisas atuais comprovam que ela modifica a estrutura do cérebro. Estudos no Hospital Geral de Massachusetts mostram que a densidade celular no hipocampo – área vinculada ao aprendizado e à memória – aumentou nas pessoas que meditaram, em média, 27 minutos por dia. Outros estudos da Universidade de Yale levam a crer que a meditação ajuda a corrigir as conexões neurais deficientes responsáveis pela ansiedade e a depressão – e talvez até pela esquizofrenia. Há indícios de que o simples ato de você imaginar que é capaz de fazer uma atividade, como movimentar um membro imobilizado por um acidente vascular cerebral, estimula seu cérebro a se reconectar e ajuda a recuperar o movimento.
Reprogramação celular
Já se acreditou que as células gliais eram apenas uma massa para manter o cérebro unido (glia, em grego, significa cola), mas uma equipe da Universidade Ludwig Maximilians, de Munique, descobriu que no embrião humano essas células podem se transformar em células cerebrais. Que perdem, aliás, a capacidade de se comportar como células-tronco depois que o cérebro está formado. Mas alterando as chaves moleculares nas células gliais maduras, os cientistas conseguem restaurar essa plasticidade, o que permite a regeneração das células e cria a possibilidade de usá-las para substituir células cerebrais mortas ou lesadas. Uma descoberta ainda mais surpreendente ocorreu na Universidade de Columbia, em Nova York, onde células cutâneas de pacientes com Alzheimer foram reprogramadas e induzidas a se transformar em células nervosas, o que poderia repercutir em novos tratamentos.
Diversidade de terapias
Tratamentos que aumentam a capacidade do cérebro de se recuperar de doenças e traumatismos – provenientes de várias áreas terapêuticas – estão sempre avançando. Mas nem todos pertencem à vanguarda tecnológica.
Oficina do cérebro
As células-tronco possuem enorme potencial de recuperação das lesões cerebrais. No Instituto de Ciências Neurológicas de Glasgow, na Escócia, seis pacientes vítimas de AVC submetidos à implante de células-tronco humanas perto da região danificada do cérebro recuperaram boa parte da força do membro. O tratamento restituiu a fala de um paciente.
Velhas por novas
Quando células de uma área do cérebro deixam de produzir dopamina, o resultado é a doença de Parkinson. Uma equipe do Instituto Sloan-Kettering de Nova York conseguiu converter células-tronco em células nervosas capazes de produzir dopamina. Há pesquisas em andamento para criar as novas células em maior escala e enxertá-las nos pacientes.
Uma nova função para os hormônios
Quando administrado até quatro horas após um traumatismo craniano, o hormônio sexual feminino progesterona reduz para menos da metade o risco de morte. Além de reduzir a incapacidade. Aparentemente, a progesterona diminui o edema e a lesão celular cerebrais.
Terapia de persuasão
Mesmo após um traumatismo craniano ou AVC, o cérebro pode alterar suas conexões e permitir o retorno do movimento. Criada na Universidade do Alabama, a terapia de movimento induzido por restrição estimula novas conexões ao impedir o uso de um membro saudável, forçando o movimento de outro membro afetado. O tratamento inclui 30 horas semanais de exercícios intensivos para aumentar a força, o equilíbrio e a resistência muscular.
Veja nosso artigo sobre como se prevenir de um AVC.
A ajuda da tecnologia
Em 2006, Matthew Nagle, um jovem de 25 anos, de Massachusetts, paralisado do pescoço para baixo por uma grave lesão da medula espinhal, usou a força do pensamento para mover o cursor de um computador. Assim, ele passou a poder abrir e-mails e ligar a televisão. Matthew foi um dos primeiros beneficiados pelo sistema de interface neural BrainGate. Isto é, um aparelho eletrônico implantado que capta sinais elétricos cerebrais, decodifica e traduz em instruções digitais. Sobretudo, contornando as vias cerebrais lesadas e criando novas vias.
Conexões musicais
A musicoterapia – quanto mais rítmica melhor – tem se mostrado uma das melhores técnicas para ajudar a criar novas conexões após a lesão do cérebro por um AVC. Quando pacientes foram incentivados a tocar a própria música, no piano ou na bateria, e a cantar, a recuperação dos movimentos foi muito melhor e mais rápida.
Ouvir música tem se mostrado uma das melhores técnicas para recuperar lesões causadas por AVC. Foto: demaerre/iStock.
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