Mesmo após todos esses meses, cientistas lutam para entender o Covid-19 — e algumas de suas perguntas podem nunca ser totalmente respondidas.
Julia Monsores | 16 de Junho de 2020 às 16:00
Novas descobertas sobre o Covid-19 surgem todos os dias. E com elas, a esperança de que a cura para a doença infecciosa, que já provocou a morte de mais de 427.630 pessoas em todo o mundo, também apareça logo.
Por tratar-se de um vírus novo, os cientistas ainda estão tendo de aprender a lidar com ele — em uma corrida contra o tempo.
Além disso, as infecções da família do coronavírus são conhecidas por sua tendência a rápidas e repetidas mutações, o que torna o quadro ainda mais complicado.
E qual é o impacto disso para os médicos e pesquisadores da linha de frente?
“É como um jogo”, diz Kathleen Dass, médica imunologista de Michigan. “Quando você pensa que está no caminho certo, surge uma nova mutação. E assim, tudo muda.”
Até agora, muitas descobertas já foram feitas e diversos mitos sobre o novo coronavírus já foram deixados para trás. Porém, à medida que nossa experiência e o conhecimento sobre o vírus avança, mais dúvidas surgem.
Aqui estão alguns dos mistérios sobre o Covid-19 que os cientistas ainda tentam solucionar. E quais são as possíveis respostas até então.
Saber como uma doença é transmitida é fundamental para contê-la. Algumas, como o sarampo, espalham-se pelo ar. Já outras, como a intoxicação alimentar, são transmitidas por alimentos. O novo coronavírus propaga-se de pessoa para pessoa por meio de "gotículas respiratórias", mas o que não está necessariamente claro é se há transmissão pelo ar. A transmissão aérea e a transmissão por gotículas respiratórias não são dois fenômenos distintos, mas sim dois pontos no mesmo espectro. E é isso que pode causar confusão. "Se uma gotícula cair no nariz ou na boca ou perto dela, você pode inalar", diz Barbara Saltzman, epidemiologista da Escola de Saúde da População da Universidade de Toledo.
O que permanece um mistério, no entanto, é quanto tempo o vírus pode viver em várias superfícies, em substâncias e no ar.
Por esse motivo, e como muitas transmissões parecem ocorrer de pessoas assintomáticas, a recomendação médica é a de que as pessoas usem máscaras, não só para se protegerem, mas para protegerem os outros.
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No final de 2019, um grupo de pessoas em Wuhan, na China, foi diagnosticado com um vírus que nunca antes havia sido observado em animais ou humanos, mas que parecia pertencer à família dos coronavírus. Como o grupo havia estado no mercado de Wuhan, onde morcegos vivos são vendidos como alimentos, muitas pessoas acreditaram que o vírus teria sido transmitido por meio do consumo da carne de um morcego infectado. Porém, os cientistas descartaram essa hipótese. E isso porque o Covid-19 não se propaga por meio da alimentação. Portanto, por mais que o novo coronavírus fosse semelhante a um vírus encontrado em morcegos, ele não poderia ter vindo do consumo de um.
Os cientistas começaram a observar outros animais e, em um estudo recente, descobriram que, embora esse vírus pareça geneticamente semelhante ao encontrado em morcegos, em 2013, ele também tem uma semelhança impressionante com os recentemente observados em pangolins na China. Dessa forma, o estudo sugere que o vírus pode ter começado com os morcegos, lá em 2013, mas evoluiu ao longo dos anos para um vírus ao qual os pangolins eram suscetíveis. E, depois disso, evoluiu ainda mais até tornar-se capaz de infectar humanos. Obviamente, nada disso prova que o novo coronavírus veio de pangolins. Primeiro, o estudo é novo e apenas preliminar. Segundo, ainda pode haver outro animal (ou animais) em cujos corpos esse vírus se transformou e evoluiu até finalmente ser transmitido a humanos. Até sabermos a resposta, será praticamente impossível descobrir exatamente quando, onde ou como o vírus conseguiu atingir os seres humanos.
Baseados em nossos conhecimentos atuais sobre o Covid-19, para que um grupo de pessoas seja infectado é necessário que apenas uma pessoa propague o vírus. Mas algumas parecem ter especial capacidade de transmissão — e essas têm sido chamadas de superspreaders ("superpropagadores”, em tradução livre). Alguns especialistas, incluindo Amy Baxter, professora de Clínica de Emergência na Universidade de Augusta, teorizam que os superpropagadores têm altas cargas virais e/ou borrifam muita saliva ao falar. No entanto, ninguém ainda é capaz de explicar por que algumas pessoas podem ser propensas a se tornarem superpropagadores. Além disso, essa questão torna-se ainda mais complexa por ainda não sermos capazes de prever quem é ou será um superpropagador, uma vez que muitos deles podem ser assintomáticos.
E se a questão não for a de que algumas pessoas sejam "melhores" na disseminação do vírus, mas que algumas situações favoreçam a disseminação viral? Segundo a Dra. Okeke-Igbokwe, "os superpropagadores realmente existem e têm a propensão de infectar mais pessoas". No entanto, ela acrescenta que há eventos que também facilitam a propagação viral. Não apenas as aglomerações podem ser problemáticas, mas certas atividades, como aulas de canto, trabalho em ambiente fechado e exercícios, que favorecem a disseminação de gotículas que podem conter o vírus.
O fato de alguém poder hospedar uma doença transmissível sem adoecer ou manifestar seus sintomas não é novidade para os cientistas - nem para os historiadores. Já ouviu falar em Maria Tifoide? Em 1906, Mary Mallon, que era cozinheira de uma rica família da cidade de Nova Iorque, deu início a um surto de febre tifoide que infectou mais de 3.000 pessoas. Porém, Mallon nunca experimentou um único sintoma. Desde o início da pandemia do Covid-19, pesquisadores descobriram que era possível que algumas pessoas contraíssem o vírus sem que necessariamente apresentassem sintomas. E recentemente a OMS declarou que é possível que os assintomáticos também transmitam o patógeno. O percentual dos assintomáticos ainda é incerto, e varia entre 25 a 80%. Além disso, infelizmente, é difícil, ou impossível, prever quem pode ser portador assintomático.
No começo da pandemia, acreditou-se que apenas idosos e pessoas com certas comorbidades (incluindo obesidade, diabetes, doenças cardíacas e câncer) eram suscetíveis aos sintomas e complicações graves, prolongados e até fatais do Covid-19. Porém, quando o contágio global alcançou a marca de um milhão, tornou-se claro que tanto jovens quanto pessoas sem doenças pré-existentes também estavam adoecendo e morrendo com a doença. Mas por que isso ocorre em algumas pessoas e não em outras? De acordo com o Dr. Saltzman, "como e por que o vírus afeta diferentes pessoas de maneiras diferentes é algo que estamos aprendendo à medida que avançamos, e estamos tentando aprender o mais rápido possível". Alguns dados recentes sugerem que os homens são mais suscetíveis do que as mulheres, e que algumas minorias correm mais risco do que caucasianos. Embora haja provavelmente uma variedade de fatores envolvidos, alguns cientistas acreditam que questões genéticas também exercem influências. Atualmente, diversas pesquisas em curso tentam explicar esses fatores.
No começo da pandemia, acreditou-se que as crianças não eram suscetíveis ao Covid-19. Porém, hoje já se sabe que as crianças podem contrair o vírus, transmiti-lo e até mesmo adoecerem com ele. Agora, outro segredo sombrio do Covid-19 foi revelado: o vírus pode causar doenças inflamatórias multissistêmicas em crianças. Recentemente, um pequeno número de crianças assintomáticas foi subitamente atingido por febre, dor de estômago, erupções cutâneas e problemas cardíacos, e exames detectaram a presença de anticorpos do Covid-19 — o que indica que houve uma infecção. No momento, os cientistas tentam descobrir a melhor forma de prevenir e tratar essa doença, que já levou à morte algumas crianças, e por que tem afetado algumas e não outras. "As modalidades de tratamento para essa doença estão sendo pesquisadas", disse a Dra. Okeke-Igbokwe à Seleções. “Até agora, algumas crianças responderam bem ao tratamento com esteroides ou com gamaglobulina intravenosa.
Um dos mistérios mais duradouros da pandemia diz respeito ao número de pessoas infectados. O problema já começa com a própria pergunta que tenta solucionar essa questão: estamos buscando verificar quantas pessoas adoeceram com o Covid-19? Ou determinar quantas pessoas foram infectadas, até o momento? Para essa última alternativa, dois desafios parecem se impor:
Já no primeiro caso, os desafios incluem a falta de consenso sobre o que efetivamente constitui adoecer por Covid-19 e o fato de que nem todos que apresentam sintomas, que levam a crer que estão infectados, de fato se consultam com médicos. Algumas pessoas acreditam que o número será sempre menor do que a realidade. Já outros acreditam no oposto. Talvez o tempo lance luz sobre esse mistério.
O número de mortes provocadas pelo novo coronavírus também é outra questão envolta em mistérios. E assim como a questão anterior, sobre o número de infectados, o problema começa com a pergunta que fazemos. De fato, tentar definir o número de "mortes por Covid-19" tornou-se motivo de controvérsia. Uma rápida olhada no feed de suas redes sociais mostrará perguntas como:
Como no mistério de quantas pessoas foram infectadas, essa questão pode-se revelar apenas com o passar do tempo.
Inicialmente, assumiu-se que, uma vez infectado, você estaria imune. Afinal, é o que acontece com outras infecções virais. Mas, para não esquecermos como o Covid-19 mostrou-se instável, lembre-se de como ficamos surpresos ao saber que seus sintomas podiam incluir uma perda do paladar ou do olfato ou causar erupções cutânea nos dedos dos pés. Logo depois, descobrimos também que o Covid-19 pode causar coágulos sanguíneos e ataques cardíacos mortais. Então, realmente, seria tão surpreendente descobrir que existe, sim, a possibilidade de uma reinfecção? De fato, é uma possibilidade para a qual precisamos nos preparar, de acordo com o Dr. Anthony Fauci, consultor de saúde da Casa Branca, que, no entanto, abre espaço para a possibilidade de uma breve janela de tempo para a infecção conferir imunidade.
O que o futuro reserva é sempre um mistério, mas quando trata-se do Covid-19 os mistérios são ainda maiores. E a pergunta “como terminará a pandemia?” é mais um deles. Historicamente, há duas maneiras de uma pandemia chegar ao fim. A primeira é biológica, e ocorre quando uma doença é erradicada. A segunda é social, e ocorre à medida em que o medo que a população sente pela doença desaparece.
A pandemia da varíola, por exemplo, chegou ao fim após a descoberta de uma vacina que garantiu a erradicação completa da doença. Já a pandemia da poliomielite, por outro lado, chegou ao fim do ponto de vista social, porque a grande maioria das crianças passou a ter acesso à vacina. Para alguns cientistas, a pandemia do Covid-19 terá um fim social antes de ter um fim biológico. Isso já parece estar acontecendo, pelo menos nos estados em que as restrições foram flexibilizadas e a vida parece adquirir novamente uma aparência de normalidade.
Outras pessoas argumentam que a pandemia não pode terminar até que uma vacina ou uma cura seja identificada. E alguns afirmam que, nesse meio tempo, o vírus sofrerá mutação e perderá a potência.
Inclusive, alguns afirmam que isso já está acontecendo, mas muitos discordam, e a Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu um aviso de que países com infecções por coronavírus em declínio ainda podem enfrentar um "segundo pico de contágio" se desistirem cedo demais das medidas de proteção.
Provavelmente, só saberemos que a pandemia terminou até que de fato ela tenha terminado há algum tempo. Confira 13 hábitos que devem mudar após o coronavírus.