Confira a resenha de Cláudia Nina do livro "A mortalha" de Matheus Acaro e seus pensamentos sobre a dificuldade de escrever sobre o amor.
Redação | 17 de Dezembro de 2018 às 17:00
Existe uma matéria difusa e muito difícil de se tocar com a escrita que é o amor. Sigo o pensamento na direção de como é penosa a tarefa de descrever um encontro físico entre dois amantes, por exemplo, sem parecer ridículo, tosco ou acanhado.
Outro dia descobri um conto que me pareceu uma explicação teórica (a partir da ficção) sobre os motivos que rondam a dificuldade de um autor escrever o erótico. Achei que poderia funcionar em uma oficina literária, por exemplo, em que fossem explicitados os maiores obstáculos para se alcançar um objetivo específico dentro de um tema. Da mesma forma como é difícil escrever um conto de ficção científica, por exemplo; há que se conhecer as técnicas para evitar a fácil ridicularização.
Pensando bem: em tudo o que se escreve, é muito mais curto o caminho que leva ao clichê, o que é uma obviedade, mas nem todo autor se dá conta disso.
Voltando ao encontro erótico. O conto de que falei está em um livro de um autor de estilo interessante que aborda temas diversos, do nascimento, passando pela velhice doente e chegando à morte (“Demétrio” é excelente). Entre os contos, está este que se chama “Palavras mudas”, que narra os encontros de um casal durante quatro anos, em um motel, em um “beco penumbroso”.
A ideia do conto é a de que os amantes não se falam, apenas se tocam. Quando um deles decide romper o código do silêncio, os encontros deixam de acontecer.
O trecho que narra o começo de tudo: “Assim que ele ergueu a cabeça, os quatro olhos se misturaram. Ela se levantou, caminhou – o coração dele a gritar –, prendeu-o pelo pescoço e o beijou. Um beijo que ele não sabia caber dentro de alguém. Repetiram a transcendência boas vezes até que ela o pegou pela mão – ele deixou-se ir como uma pena presa a uma linha fina –, pagou as duas contas e, poucos passos, entrou no motel.”
O interessante é que não há descrição alguma da intimidade do encontro, embora se saiba que, ao som de Belchior, “tudo é permitido”. A ideia de que, quando o momento é tocado pela palavra, tudo desmorona é algo bem apropriado. Dizer sem dizer é o grande desafio de um conto que toca o erótico pelo silêncio. Acredito que o mesmo vale para quando se busca escrever sobre o amor – se falar demais, atrapalha. A procura por uma linguagem que explique sem dizer é, aliás, um desafio literário.
Afinal, para falar o óbvio, gastam-se sempre palavras demais. Quanto desperdício.
Por Claudia Nina, jornalista e escritora, autora, entre outros, de Paisagem de porcelana (Rocco).