Esta coluna chegará às bancas em abril, mas escrevo na véspera do Dia Internacional da Mulher. Por coincidência ou não, estou às voltas com um livro
Redação | 1 de Abril de 2020 às 01:01
Esta coluna chegará às bancas em abril, mas escrevo na véspera do Dia Internacional da Mulher. Por coincidência ou não, estou às voltas com um livro absolutamente necessário e cada vez mais urgente: Mulheres empilhadas, de Patrícia Melo. A história é um romance, mas atire a primeira pedra quem não sofreu ou conhece alguém que tenha sofrido situações de violência semelhantes às que a autora relata no seu livro. Portanto, comemorar um dia da mulher é algo tão bizarro quanto oferecer flores quando se está pisoteando o jardim da pessoa.
Paralelamente ao enredo principal, Patrícia faz breves resumos na abertura de cada capítulo sobre uma história real. São alarmantes. O tempo passa e os homens similares aos narrados não parecem sair do lugar primitivo onde se empedram. E o pior não é isso: o mais desesperador da história é que não se trata de mulheres ignorantes ou indefesas – em geral, são mulheres inteligentes, bem localizadas socialmente, com uma carreira etc. Mas, na maioria dos casos, quando elas acionam a tecla “não quero mais”, a morte começa a espreitá-las com final trágico.
“‘Sapo-cururu, na beira do rio…’, cantava. ‘Dá para carregar dois quilos de laranja dentro dessa papada mole’, dizia. Quando notou que não conseguia mais irritá-la, atacou-a mortalmente com uma faca de cozinha.”
E em um outro trecho, descreve a narradora: “A diferença entre mim e aquelas mulheres que acabam empaladas, mutiladas, envenenadas ou esganadas nos processos e livros que eu andava lendo, a minha vantagem sobre aquelas mulheres estupradas, mortas e desovadas em igarapés, como Txupira, é que sabia o nome daquilo: fase dois.”
E aí? O livro evidencia quão longe ainda estamos dos casos de alerta quanto à violência doméstica serem levados a sério. Muitas vezes, não se acredita ou não se dá importância até o desfecho final – quando, ainda assim, não se dá importância: mais um caso passional e só. E, na maioria das vezes, a mulher tem vergonha ou medo de delatar o agressor. E tudo parece começar na palavra, no xingamento.
Quando iremos entender que xingar também é bater?
O texto é imbricado, cheio de casos dentro de casos – a personagem faz investigações no Acre –, é uma leitura para todos, sobretudo hoje. Tem que ser leitura de cabeceira, sim, porque em muitos casos a mulher demora a perceber que está dormindo com o inimigo. Triste, mas real.
O “romance” é um manifesto necessário, leiam, compartilhem!