Esta coluna chegará às bancas em abril, mas escrevo na véspera do Dia Internacional da Mulher. Por coincidência ou não, estou às voltas com um livro
Esta coluna chegará às bancas em abril, mas escrevo na véspera do Dia Internacional da Mulher. Por coincidência ou não, estou às voltas com um livro absolutamente necessário e cada vez mais urgente: Mulheres empilhadas, de Patrícia Melo. A história é um romance, mas atire a primeira pedra quem não sofreu ou conhece alguém que tenha sofrido situações de violência semelhantes às que a autora relata no seu livro. Portanto, comemorar um dia da mulher é algo tão bizarro quanto oferecer flores quando se está pisoteando o jardim da pessoa.
Paralelamente ao enredo principal, Patrícia faz breves resumos na abertura de cada capítulo sobre uma história real. São alarmantes. O tempo passa e os homens similares aos narrados não parecem sair do lugar primitivo onde se empedram. E o pior não é isso: o mais desesperador da história é que não se trata de mulheres ignorantes ou indefesas – em geral, são mulheres inteligentes, bem localizadas socialmente, com uma carreira etc. Mas, na maioria dos casos, quando elas acionam a tecla “não quero mais”, a morte começa a espreitá-las com final trágico.
“‘Sapo-cururu, na beira do rio…’, cantava. ‘Dá para carregar dois quilos de laranja dentro dessa papada mole’, dizia. Quando notou que não conseguia mais irritá-la, atacou-a mortalmente com uma faca de cozinha.”
E em um outro trecho, descreve a narradora: “A diferença entre mim e aquelas mulheres que acabam empaladas, mutiladas, envenenadas ou esganadas nos processos e livros que eu andava lendo, a minha vantagem sobre aquelas mulheres estupradas, mortas e desovadas em igarapés, como Txupira, é que sabia o nome daquilo: fase dois.”
E aí? O livro evidencia quão longe ainda estamos dos casos de alerta quanto à violência doméstica serem levados a sério. Muitas vezes, não se acredita ou não se dá importância até o desfecho final – quando, ainda assim, não se dá importância: mais um caso passional e só. E, na maioria das vezes, a mulher tem vergonha ou medo de delatar o agressor. E tudo parece começar na palavra, no xingamento.
Quando iremos entender que xingar também é bater?
O texto é imbricado, cheio de casos dentro de casos – a personagem faz investigações no Acre –, é uma leitura para todos, sobretudo hoje. Tem que ser leitura de cabeceira, sim, porque em muitos casos a mulher demora a perceber que está dormindo com o inimigo. Triste, mas real.
O “romance” é um manifesto necessário, leiam, compartilhem!
POR CLAUDIA NINA
Claudia nina é jornalista e escritora, autora, entre outros, de Paisagem de porcelana (Rocco).