Neste magnífico texto a escritora e jornalista Claudia Nina nos presenteia com duas indicações de livros de poesia que não podem faltar no nosso fim de ano.
Hoje na minha casa pousou um silêncio tão raro que decidi não tocar para que não voasse. Foi o momento em que pensei: é a minha hora poética. Então, fui em busca de dois livros que repousavam no meu escritório à espera do momento calmo.
Um deles fala exatamente do silêncio. E achei surpreendente como os livros nos buscam quando a gente mais precisa. Existe um sistema de comunicação inteligente entre o momento e a palavra. Eu precisava desse livro no instante mesmo em que “ele” me encontrou: A arte muda da fuga, de Carlos Dala Stella. Trata-se de um belíssimo trabalho de arte e poesia. Os versos me encheram ainda mais de silêncio e confesso que mergulhei neles com uma vontade imensa de agradecer ao autor: obrigada, você capturou a essência do meu sábado mudo; um tempo que está vazio e saboreado, mas não oco: “quem poderia supor que o silêncio/mais do que um cachorro/ou a pele da maçã/fosse tão bom de tocar”.
É o autor quem diz, nestes tempos ásperos, que “são tantas as branduras do mundo”. Penso, então, que esse livro é uma “brandura”. Escrever poesia é também uma forma de brandura. A seleção de poemas, que poderia ser dividida em dois ou três livros, tamanha a intensidade, é uma dádiva de delicadeza em um mundo tosco.
Um breve exemplo, no poema “Vento da aflição”:
se fosse possível fazer
esse silêncio sinfônico
que as árvores fazem
no meio da noite
e passar como passam as nuvens
cheias de leveza sob as estrelas
não estaríamos encalhados
tão longe do mar
tão constrangidos
pelo vento da aflição
No momento em que eu estava imersa nesse silêncio poético, longe da proa das aflições diárias, outro livro tocou de leve esse mar suave: Pássaro azul, homenagem de duas artistas ao célebre autor do poema de mesmo título, Charles Bukowski. Texto e imagem, em sintonia primorosa, fazem desse pequeno livro (infantil?) um canto aos que, com coragem, decidem viver poeticamente em um mundo onde poucos, bem poucos, sabem o que é ter um pássaro azul guardado no peito.
Que o Natal e o ano que começa possam ser de mais poesia, mais versos, delicadeza e arte. Povoar de leitura boa uma manhã de silêncio é o convite que eu faço a todos os que me acompanharam até aqui ao longo deste 2018. Prometo novas imersões poéticas.
Por Claudia Nina
Claudia Nina é jornalista e escritora, autora, entre outros, de Paisagem de porcelana (Rocco). Clique aqui e saiba mais sobre a autora!