Mesmo após conquistar o vice-campeonato na Série A de futebol de 5, a técnica Laryssa tem grandes sonhos para o esporte. Saiba mais.
O treino estava prestes a começar quando Jardiel, o craque do time do Cedemac, perguntou para a treinadora: “Laryssa, como é a pedalada?” Mostrar como é o drible seria uma tarefa fácil, mas não neste caso. Nascido com deficiência visual, o jogador de futebol de 5 nunca enxergou. A tarefa de explicar como era pedalada deixou de ser tão simples assim.
Novos desafios
Única mulher técnica de uma equipe de futebol de 5 no país, a maranhense Laryssa Macêdo, 25, foi obrigada a aprender uma nova maneira de se comunicar. Ela levou a equipe do Cedemac (Centro Desportivo Maranhense de Cegos) à final da Copa Loterias Caixa Série A, o principal torneio do esporte que é um futsal voltado para deficientes visuais.
“O entendimento é diferente e a forma de se expressar também. Para explicar onde é a casa deles, não dizem para virar à direita ou à esquerda. Eles falam ‘você vai passar por duas lombadas e um buraco’. Foi algo que tive de aprender”, afirma ela.
Jogadora de futsal semi profissional em São Luis, onde atuou pelo Moto Clube, um dos principais times do estado, começou a trabalhar no Cedemac em 2017. A ideia era que fosse preparadora física. Duas semanas depois, os jogadores pediram que passasse a técnica. Ela jamais havia dirigido equipes em qualquer esporte. Mas tinha uma qualidade que os integrantes do Cedemac jamais haviam visto em treinadores anteriores: Laryssa se importava.
“A diferença é que eu chegava antes do horário para conversar com eles, perguntar se gostavam do treino, se queriam mudar alguma coisa. Fazia trabalhos específicos, de passe, domínio, para goleiros. Depois de dois meses a gente ficou em segundo lugar no Brasileiro [da Série B] e subiu para a Série A”, completa.
Grandes mudanças
Antes da chegada da técnica, os treinos eram basicamente dar uma bola para que os jogadores ficassem trocando passes de um lado para o outro. No futebol de 5, os integrantes das equipes usam vendas nos olhos para evitar qualquer vantagem dos que conseguem pelo menos perceber luminosidades. O goleiro enxerga. Cada jogo tem dois tempos de 25 minutos cada. Dentro da bola há guizos e o som orienta os atletas.
Todas essas informações a hoje treinadora teve de pesquisar quando se tornou a preparadora física do Cedemac. Jamais havia sequer ouvido falar no esporte. Como o elenco não demorou a perceber, mergulhou na pesquisa e na busca por maneiras de melhorar as condições técnicas dos seus comandados. Antes de assumir o cargo, passou uma semana os observando nos treinos. Apenas depois disso, se apresentou.
Laryssa entrou em contato com a CBDV (Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes). Foi convidada a passar uma tarde com a comissão técnica da seleção nacional da modalidade. Aprendeu como agir diante das necessidades especiais dos jogadores e quais procedimentos funcionavam mais.
“Funcionou porque queriam mudança. Ensinei o que era compactação, losango e expliquei que se o objetivo era chegar à seleção, eles tinham de melhorar. Por eu ser mulher, talvez tenham mais respeito e eu seja uma espécie de filha ou irmã deles. Ser mulher facilita o diálogo porque antes, as pessoas falavam com eles e nem respondiam, só viravam as costas”, explica.
“Esporte de homem”
Quando atuava no futsal, ela se acostumou aos olhares enviesados por causa da cada vez mais antiquada visão de que mulher não deveria estar ali, praticando “esporte de homem”. Nos jogos do futebol de 5, o primeiro impacto pode ser chocante. Porque Laryssa confessa que grita para seus jogadores como se não houvesse amanhã. Algo que não é tão comum nos demais clubes.
“Eu grito mesmo. Quem está fora da quadra, se assusta. Talvez porque vejam que está ali uma mulher, negra e nordestina em um esporte como o futebol de 5… Não entendem muito bem. Causa certo espanto e há quem faça um cara estranha. Mas depois de dez minutos, percebem que eu só quero incentivar e orientar meus jogadores. Fica tudo bem.”
Fazendo a diferença
A evolução do Cedemac e o vice-campeonato na Série A são a validação do trabalho da treinadora. Mais atletas da equipe foram chamados para a seleção brasileira.
“Fico feliz. Eu comecei [no futebol de 5] porque percebi que poderia fazer a diferença. A vontade determina muita coisa na vida e a nossa vontade é muito grande”, finaliza.
Para compor a comissão técnica, levou Gabriele Carvalho, 22, para ser a treinadora de goleiros. As duas jogavam juntas no Moto Club.
E o futuro?
Laryssa tem 25 anos, mas chama os jogadores, alguns mais velhos do que ela, de “meus meninos”. Não planeja continuar no futebol de 5 muito tempo. Quer tornar visível outras modalidades dentro do paradesporto, o que pode ser uma missão ainda mais difícil.
“Desejo dar suporte para os meus meninos chegar onde desejam. Tenho outro sonho, porém. Vou continuar no paradesporto e mudar a realidade dele no meu estado. Há outros esportes que precisam da minha ajuda.”
Por enquanto se mantém no futebol de 5, onde se habituou a ensinar. Tanto que quando um dos jogadores pediu para que Laryssa Macêdo lhe dissesse o que era elástico, a explicação foi bem mais rápida do que no dia em que Jardiel perguntou sobre as pedaladas.
Por ALEX SABINO / FOLHAPRESS